Ainda faltam alguns dias para o natal, mas o melão e seus leitores
já ganharam um tremendo presente: uma entrevista super especial com o
queridíssimo e talentoso Ricardo Linhares, que em breve vai
assinar o remake de um grande sucesso de Dias Gomes, “Saramandaia”. Ele nos
revela algumas novidades dessa nova versão e algumas diferenças em relação à original.
Generoso, o autor nos conta toda a sua trajetória, desde o início como autor de
programas educativos, o aprendizado com Doc Comparato, que o levou à Rede Globo
como redator de casos especiais, passando por programas de humor como “Viva o
Gordo”, as primeiras colaborações em novelas e minisséries até se tornar o
autor mais jovem a assinar uma trama no horário nobre: “Tieta”, em parceria com
Aguinaldo Silva e Ana Maria Moretsohn. A partir daí, foi conquistando vários
êxitos em sua carreira e hoje em dia é um dos profissionais mais valorizados e
respeitados de nossa teledramaturgia. Além disso, Ricardo, um noveleiro de mão
cheia, relembra suas primeiras paixões televisivas, opina sobre a classificação
indicativa e fala do papel da telenovela na vida do brasileiro. Tudo isso com
muita simpatia e delicadeza. Além de profissional de primeira linha, Ricardo
também nos encanta com sua simplicidade ao narrar uma trajetória tão vitoriosa
e (por que não dizer?) inspiradora e emocionante, sobretudo para quem ama
novela e trabalha no ramo. Tapete vermelho estendido, melão dá a palavra ao querido
Ricardo:
O que podemos esperar da nova versão de “Saramandaia”? Quais as
novidades e o que você pretende manter em relação à versão original?
Ricardo Linhares -
Os tempos são outros. De 1976 (data em
que a primeira versão foi ao ar) para cá, o mundo mudou, a TV mudou e os
espectadores mudaram. Hoje, há outra expectativa em relação à dramaturgia
televisiva. O público era mais passivo, em parte por falta de concorrência, de
conhecimento comparativo com o que era feito nas TVS de outros países. Apesar
da TV não ser mais novidade, ainda tinha uma certa aura, uma certa mitificação.
Era o grande veículo popular de acesso às informações. Muitas casas ainda não
tinham aparelhos de televisão, a TV a cores era um luxo para poucos. Hoje, num
certo sentido, a TV se banalizou. Os aparelhos estão espalhados pelos cômodos,
assiste-se à TV no computador, nos ônibus, nos celulares. Eu sou espectador
também, eu curto novela, assisto ao trabalho dos amigos, vibro com uma boa
história. Então, me coloco no lugar do público, que está mais exigente, é
ativo. É preciso acompanhar a evolução. Então, não faz sentido simplesmente
reproduzir o que foi feito há quase 40 anos. É preciso recontar, recriar. A
primeira versão de “Saramandaia” era uma novela atemporal, que se passava numa
cidadezinha perdida no interior, ainda dominada por coronéis, como se
estivessem nos anos 40. Eu trouxe a novela para o Brasil contemporâneo. Parte
da história vem da novela do Dias; outra parte, eu criei especialmente para
esta versão, com novos conflitos e novos personagens, alguns de realismo mágico,
mas todos vivendo questões da atualidade.
Como está sendo a experiência de escrever uma novela de duração
mais curta?
Ricardo Linhares -
É um alívio ter 60 capítulos em vez de
185 (de “Insensato Coração”, minha novela mais recente). Por outro lado, é um
desafio condensar a história em vez de espichá-la, fazer as tramas renderem por
diversos meses, como habitualmente. Os escritores de telenovela não têm hábito
da concisão. É estimulante. As cenas são curtas, o diálogo ágil, o ritmo
intenso.
Você
teve suas primeiras oportunidades como roteirista depois de fazer cursos, como
o que fez na CAL ministrado por Doc Comparato e, posteriormente, na Casa de
Criação Janete Clair. Considera importante iniciativas como essas para a
formação do profissional como a atual oficina de teledramaturgia promovida pela
Rede Globo?
Ricardo Linhares -
Considero fundamental. Devo o início da
minha carreira aos cursos que fiz e aos ótimos professores que tive, como Doc,
Paulo José, Flávio de Campos. Além dos que você citou, eu fiz outros cursos.
Entre eles, uma Oficia de Humor, na Globo. Nessa época, eu já escrevia como freelancer um programa chamado “Caso
Verdade”, que ia ao ar no horário atual de “Malhação”. Havia necessidade de
redatores de humor e a Globo criou esta oficina. Entre outros, estavam
Alexandre Machado e Mauro Wilson, que acabou de ganhar o Emmy por “Mulher Invisível”. Éramos todos jovens... A direção
gostou dos trabalhos que apresentei ao longo da oficina. E foi assim que tive o
meu primeiro contrato, de 1 ano de duração, como redator do programa “Viva o
Gordo”, do Jô Soares, fazendo parte da equipe do Max Nunes e do Hilton Marques.
A partir daí, meus contratos foram sendo renovados. E, ao fazer a Oficina de
Telenovela, na Casa de Criação, fui convidado para trabalhar como colaborador
do Aguinaldo Silva em “O Outro”. Espero que a Globo faça mais Oficinas de
Dramaturgia e que outras emissoras também invistam na formação de novos
profissionais. Mas hoje em dia o panorama do mercado mudou, com a entrada forte
das produtoras independentes na TV a cabo, com a nova legislação. E o jovem
roteirista não precisa mais ter a Globo como única meta. É a maior empregadora
da área no Brasil e uma empresa sólida, que valoriza seus profissionais. Tenho
orgulho de trabalhar lá. Mas o leque se abriu, existem mais alternativas do que
quando eu comecei. Infelizmente, Record, SBT, Band e outras emissoras não
conseguem manter um investimento constante na área de teledramaturgia, o que
aqueceria o mercado. Já realizaram trabalhos excelentes e de grande
repercussão, gerando muitos empregos, mas avançam e recuam, não transmitem
confiança a longo prazo. Por isso, considero o trabalho nas produtoras independentes
o grande caminho atualmente. É difícil de entrar, ficar e conquistar um lugar
na Globo. Imagino que nas produtoras também. Mas a TV fechada está iniciando
uma trajetória de expansão. E um dia a TV aberta vai chegar na exaustão.
Você escreveu muitos casos especiais no início de sua carreira. Que
tal o formato? O que aprendeu com eles e levou para as novelas depois?
Ricardo Linhares -
O início, na Globo, quando eu tinha 21
anos, foi nos programas “Caso Verdade” e “Tele-tema”, que o sucedeu (ao mesmo
tempo, eu já trabalhava como redator de programas educativos na extinta TVE,
desde os 19 anos, enquanto ainda cursava faculdade de Comunicação, sou formado
em Jornalismo). Ambos tinham o mesmo formato: 5 capítulos, de 30 minutos cada, com
2 intervalos comerciais, que iam ao ar de segunda à sexta-feira, no mesmo
horário em que “Malhação” é exibida hoje. Era preciso ter uma história com
início, meio e fim, com ganchos diários e fôlego para durar os 5 dias. Foi uma
excelente escola para escrever novelas. Quando eu e Ana Maria Moretzsohn fomos
convidados pelo Roberto Talma para supervisionar a primeira temporada de “Malhação”,
levamos este formato para lá, com algumas adaptações, claro. Havia um núcleo
central na academia de ginástica, e historinhas com personagens de participação
que duravam 5 capítulos. Os 2 primeiros anos da novelinha foram um sucesso. E
eu atribuo à dinâmica desse formato.
Você diria que “Tieta” representa um marco em sua carreira? Quais
suas lembranças da novela?
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Betty Faria na cena em que Tieta retorna ao agreste |
Ricardo Linhares - Só tenho lembranças boas de “Tieta”! Há novelas especiais, em que tudo
dá certo, e “Tieta” é uma delas. A parceria com o Aguinaldo e a Ana, a
concepção do Paulo Ubiratan (um dos grandes diretores da nossa TV, infelizmente
pouco valorizado), o elenco maravilhoso, as caracterizações, a música.
Aguinaldo, Ana e eu nos reuníamos toda segunda-feira num apart-hotel,
disponibilizado pela produção para os nossos encontros, e criávamos as tramas
do próximo bloco. A partir da reunião, Aguinaldo fazia as escaletas, que são o
resumo de cada capítulo. E cada um de nós escrevia 2 capítulos. As reuniões
eram deliciosas, ríamos muito, trabalhávamos nos divertindo o tempo todo. Claro
que o trabalho era puxado, embora a duração de cada capítulo fosse bem mais
curta que hoje em dia. Mas o retorno foi compensador. É muito importante
trabalhar com pessoas queridas, generosas e criativas. Éramos um time
entrosado. É uma novela que deixou saudade no público e na equipe. Agora, a
lançaram em DVD. Eu comprei a caixa, mas por conta do trabalho em “Saramandaia”,
ainda não tive tempo para assistir. Vai ser o meu programa de férias!
Depois de “Tieta”, você assinou “Lua Cheia de amor” em parceria com
Ana Maria Moretsohn e Maria Carmem Barbosa. Como foi essa experiência?
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Francisco Cuoco e Marilia Pera em cena de "Lua cheia de amor" |
Ricardo Linhares -
Foi um remake de “Dona Xepa”, novela do
Gilberto Braga baseada na peça homônima de Pedro Bloch. O Gilberto
supervisionou os primeiros capítulos. A direção era do Talma. E o elenco era
encabeçado pela Marília Pera, que fazia dona Genu, uma camelô – diferentemente
da personagem original, que era feirante. Os dois filhos tinham vergonha da mãe
batalhadora, mas inculta. É um tema melodramático fascinante e eterno, que
recentemente fez sucesso em “Morde & Assopra” e “Fina Estampa”. Li que Gustavo
Reiz vai escrever uma novela baseada na peça, para a Record. Achei uma ótima
ideia e desejo sucesso a ele. Infelizmente, a minha novela não pode ser
reprisada, apesar dos inúmeros pedidos dos espectadores, por uma questão
jurídica envolvendo os direitos dos herdeiros de Pedro Bloch. Quem roubou a
cena foi a querida Arlete Salles, que fazia a alpinista social Kika Jordão,
cujo bordão “translumbrante” caiu na boca do povo. Suzana Vieira, como Laís
Souto Maia, a rica chique e bom-caráter, também se destacou. A novela demorou
um pouco para engrenar; por inexperiência, abrimos tramas paralelas demais no
início. A partir da entrada de Francisco Cuoco, que fazia o marido malandrão da
Genu, que havia a abandonado, a trama deslanchou.
Você escreveu muitas novelas em coautoria com Aguinaldo Silva e
Gilberto Braga. O que destacaria de cada uma dessas parcerias?
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Ricardo Linhares e Gilberto Braga: parceiros constantes |
Ricardo Linhares -
Eu gosto de trabalhar em parceria. Gosto
de somar e compartilhar. E tive a felicidade de contar com dois companheiros
como Aguinaldo e Gilberto para dividir a autoria de inúmeros trabalhos. Ambos
têm muito em comum, como talento, disciplina, organização, método, criatividade
e generosidade. Nunca houve qualquer tipo de desavença entre nós, nunca
divergimos sobre os rumos de uma trama porque sempre houve respeito pela ideia
do outro. Conversando, nós sempre chegávamos à melhor solução. Aguinaldo e
Gilberto têm um universo de referência diferente e trabalhar com ambos foi
enriquecedor e fundamental na minha formação. É muito bom trabalhar em dupla. É
curioso que em diversas ocasiões eu havia sugerido, separadamente, ao Filipe
Miguez e a Izabel de Oliveira que procurassem trabalhar em parceria,
principalmente ao assinar uma trama pela primeira vez. E os dois se uniram para
escrever Cheias de Charme, esse sucesso estrondoso.
Como foi ajudar a escrever “Anos Rebeldes”, uma das mais cultuadas
minisséries de Gilberto Braga?
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cena de "Anos Rebeldes" |
Ricardo Linhares -
Existem oficinas de roteiro, faculdade
de Letras, mas só se aprende realmente a escrever para TV na prática. Como não
existe faculdade de Teledramaturgia, cada trabalho é como um curso de formação.
Colaborar com o Gilberto em “Anos Rebeldes” foi como fazer um mestrado na área.
Aprendi muito com o talento dele. E tenho o maior orgulho de ter participado
desse trabalho.
Em “Pedra sobre Pedra”, você retomou a parceria com Aguinaldo Silva
e Ana Maria Moretsohn. O que destacaria de positivo nessa novela?
Ricardo Linhares -
Continuamos grandes parceiros e grandes
companheiros. Levamos mais adiante a proposta de realismo fantástico, com
personagens marcantes até hoje, como Jorge Tadeu (Fabio Jr) e Sérgio Cabeleira
(Osmar Prado), que era sugado pela lua cheia. Mais uma vez, Paulo Ubiratan foi
o diretor responsável por altos voos de criatividade, além de saber escalar
muito bem um elenco. Digo mais: esta novela mereceria um remake, com as
possibilidades de efeitos especiais que temos hoje.
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Sergio Cabeleira (Osmar Prado) em "Pedra sobre pedra" |
“Fera Ferida” foi uma novela inspirada na obra de Lima Barreto. Em
adaptações como essa, qual o limite entre seguir a obra original e a livre
criação?
Ricardo Linhares -
Tanto em “Fera Ferida” quanto em “Porto
dos Milagres” (baseada em “Mar Morto” e “A descoberta da América pelos turcos”,
de Jorge Amado) não ficou praticamente nada das obras que originaram essas
tramas, além do nome de um ou outro de personagem, de uma ou outra situação. Tivemos
que mudar tudo, pois não havia trama que sustentasse meses de história. Se não
fosse mexido, não haveria novela. Tanto Lima Barreto quanto Jorge Amado
entraram mais como uma grife, foram homenageados como os grandes escritores que
são. O adaptador não pode ficar engessado na obra que serviu de ponto de
partida.
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Lima Duarte e Edson Celulari em "Fera Ferida" |
Suas novelas-solo “Meu bem querer” e “Agora é que são elas” têm em
comum o fato de serem novelas regionalistas cujas tramas se passam em cidades
fictícias. Você se sente mais à vontade nesse universo?
Ricardo Linhares -
Eu sou um contador de histórias. Esse é
o meu ofício. Estas duas novelas foram regionais porque as ideias brotaram assim.
Cada trama nasce com as suas características próprias. Eu me sinto à vontade
tanto no universo urbano quanto no rural. Até hoje, não escrevi novelas de
época, tirando a colaboração em “O tempo e o vento” e “Anos Rebeldes”. Gostaria
muito de escrever uma trama histórica. Não gosto de ficar restrito a um estilo.
Sobre cidades fictícias, a verdade é que todas as tramas se passam em locais
fictícios, embora alguns pareçam reais.
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Flavia Alessandra e Leonardo Brício em "Meu bem querer" |
Em “Paraíso Tropical”, pudemos identificar muito do estilo de
Gilberto Braga, mas também é possível identificar muitas características de
suas obras como os diversos quiprocós que aconteciam no Edifício Duvivier. Até
que ponto a Copacabana da novela se assemelhava com as cidades fictícias das
tramas regionalistas que você escreveu?
Ricardo Linhares -
Respondi acima sem ter lido esta
pergunta. A Copacabana do Edifício Duvivier era tão fictícia quando o Divino de
“Avenida Brasil” ou o Leblon do Manoel Carlos. O escritor recria a realidade a
partir do seu olhar; senão, faria um documentário.
“Insensato Coração” foi uma novela, cuja estrutura nos primeiros
100 capítulos foi mais episódica com tramas que iniciavam e se encerravam
rapidamente e personagens que entravam e saíam o tempo todo da trama. A partir
da segunda metade, a novela apresentou uma narrativa mais linear seguindo o
modelo clássico do formato do gênero. A que se deveu essa mudança?
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"Insensato Coração": sucesso também no mercado internacional |
Ricardo Linhares -
Na segunda metade, pode ter diminuído um
pouquinho as participações, mas a novela continuou episódica até o final. Esta
era a proposta da trama, a sinopse foi criada assim. Eu sempre quis escrever
uma novela em que personagens fixos contracenassem com participações. Como na
vida. Quantas pessoas passam por nós, convivem algum tempo, marcam ou não
nossas vidas, e depois nunca mais as reencontramos? Por que na novela temos que
acompanhar todos os personagens do início ao fim? Às vezes, a trama de um
núcleo já acabou, mas os atores ficam até o final, sem história. Eu e o
Gilberto optamos por fazer com que eles saíssem da novela quando se esgotasse a
sua função. Nos seriados americanos, esse recurso é super comum. Atores entram
e participam de 2 ou 3 episódios e depois vão embora; alguns voltam 10
episódios depois e somem novamente. O público entende a dinâmica. Na novela, provocou
polêmica: houve quem visse uma novidade, houve quem reclamasse que esse formato
não dava tempo de gerar empatia com os personagens novos. O nosso público está
cada vez mais conservador e imediatista, quer a trama mastigadinha para
entender. Uma novela ousada, inteligente e sensacional como “O Casarão”, do
Lauro César Muniz, que se passava em 3 épocas simultâneas, jamais poderia ser
feita hoje. O espectador ficaria confuso. Enfim, eu fiquei feliz por ter podido
experimentar. E considero o saldo positivo. Gilberto e eu nunca pretendemos
revolucionar a telenovela. Acho que isso não existe. Mas quisemos contar aquela
trama desta maneira específica. A venda da novela para outros países tem sido
excelente.
Como é a divisão de trabalho entre você e seus colaboradores? Você costuma
dar a liberdade a eles para criar dentro da escaleta ou sugerir novos rumos
para as tramas?
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Ricardo em seu escritório. Foto: Cícero Rodrigues para o livro "Autores" |
Ricardo Linhares -
Todos têm liberdade, claro. Somos uma
equipe de amigos, de pessoas em quem se pode confiar. A opinião de cada um é
importantíssima e soma no resultado final. Eu divido o trabalho por núcleos, já
que cada escritor naturalmente tem mais afinidade com determinado tom: comédia,
romance, ação, jovens, etc. Então, meus colaboradores costumam seguir um
personagem, ou um núcleo, do início ao fim da novela. Temos sempre reuniões de
criação em que conversamos sobre os rumos da trama. E hoje em dia, com a
facilidade da internet, ficamos o tempo todo conectados trocando dezenas de e-mails
com dúvidas e sugestões.
Você atuou como supervisor de texto em “Cheias de Charme” e,
aparentemente, a novela não tinha muitas características de suas obras, ao
contrário de outras supervisões em que notamos de maneira muito clara o estilo
do supervisor. Até que ponto o supervisor deve intervir no trabalho do autor?
Ricardo Linhares -
Cada pessoa trabalha de uma maneira
diferente, não existe certo, nem errado. Na minha opinião, o supervisor não
deve intervir no tom dos autores. Além de “Cheias de Charme”, da primeira
temporada de “Malhação” e da penúltima temporada, já fiz outros trabalhos de
supervisão, principalmente de sinopses. Como gosto de trabalhar em equipe,
considero o supervisor mais um membro do time. O meu trabalho é ajudar o autor
a contar a história que ele deseja contar e do jeito que ele quer. Claro que,
com a experiência de 30 anos de TV que eu tenho, sei que algumas coisas devem
ser bem avaliadas e dou a minha opinião e apresento alternativas. Não existe
nada pior do que alguém que diz: não vai por esse caminho. E não apresenta
outras soluções. Mas na TV não existem regras nem fórmulas. O que deu errado
uma vez, pode dar certo em outras circunstâncias. O que faz sucesso hoje pode
ser um fracasso no ano que vem, vice-versa. Então, é preciso liberdade e
ousadia. Como supervisor, eu cuido, ajudo, ando de mãos dadas, tiro dúvidas,
leio tudo, do início ao fim, participo das reuniões de criação, mas nunca
impondo. Felipe e Izabel são dois escritores talentosíssimos, antenados,
criativos e responsáveis. Ambos já tinham uma grande experiência como
colaboradores com diversos autores. O sucesso que fizeram me encheu de orgulho.
E fiquei muito feliz por ter feito parte da equipe deles.
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"Cheias de Charme": novela de sucesso que contou com a supervisão do autor |
Qual sua opinião sobre classificação indicativa?
Ricardo Linhares -
Não sou contra a classificação
indicativa. Acho que o espectador (principalmente os pais) tem o direito de
saber a censura que o Ministério da Justiça dá a cada programa. No cinema, é
assim. Sabemos se um filme tem censura livre, ou é proibido para maiores de 12,
16 anos etc. Sou radicalmente contra atrelar a classificação indicativa ao
horário de exibição. É a mesma coisa que filmes com censura 18 anos só pudessem
ser exibidos a partir das 22h nos cinemas. As regras da censura oficial não são
claras. Programas sensacionalistas, supostamente jornalísticos, exibem nudez ao
meio-dia. E em “Malhação” não podemos fazer cenas de intimidade de namorados
acordando na mesma cama. É hipocrisia.
Geralmente,
quando cria algum personagem, já pensa no possível ator / atriz para
interpretá-lo?
Ricardo Linhares - Primeiro nasce o personagem, em função da
trama. Ao elaborar a ação do personagem e suas características, já penso no
ator/atriz para interpretá-lo. Ou, pelo menos, num tipo de ator, inicialmente.
Por exemplo, ao começar a esboçar um perfil, posso pensar em Sophia Loren. E
depois, à medida em que desenvolvo suas características, me vem à cabeça a
intérprete brasileira. Na fase de sinopse, muitas vezes as escalações iniciais
podem não se concretizar, por diversas razões. Mas ao escrever o diálogo dos
primeiros capítulos acho importantíssimo saber o intérprete.
Você é noveleiro? Assiste a novelas desde criança ou só começou a
acompanhar por força do trabalho? Quais as novelas e personagens favoritos do
Ricardo Linhares espectador?
Ricardo Linhares - Sou noveleiro desde cedo. Mas na
minha casa não havia o hábito de se assistir às novelas. Aliás, víamos pouca
televisão em família. Tenho lembranças de novelas antigas, “Irmãos Coragem”,
“Cavalo de aço”, a primeira versão de “Mulheres de Areia”, de “A Viagem”, “O
semideus”, “Selva de Pedra”, “Escalada”, “Estúpido Cupido”, “Anjo Mau”,
“Helena”, “Bravo”, “Corrida do ouro”. Pelo horário, eu não podia assistir às
novelas das 22h porque tinha que acordar cedo para ir para o colégio. Mas
sempre dava um jeitinho de acompanhar. Lembro de “O Bem-amado”, “O Espigão”,
“Gabriela”, “Saramandaia”. Gostava de quando os meus pais saíam ou tinha festa
em casa, porque a TV ficava liberada. Uma novela das 10 que me marcou muito foi
“Os ossos do barão”. Fiquei eletrizado com “O Rebu”. Adorei “Nina”. “O grito”
foi inesquecível. Enfim, são tantas... “Pecado Capital”, “Duas Vidas”, “Feijão
Maravilha”, “O Astro”, “Vejo a lua no céu”, “O feijão e o sonho”, “A
sucessora”, “Paraíso”, “O Casarão”, “Dancin’ Days”. Nem passava pela minha
cabeça que um dia eu seria escritor e criaria novelas. Mas acho que a semente
foi plantada ali.
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Foto: Cícero Rodrigues para o livro "Autores" |
Já pensou em escrever para outros veículos como teatro ou cinema?
Ricardo Linhares -
Na verdade, comecei a escrever para
teatro, aos 14 anos. As minhas primeiras leituras foram de peças teatrais,
devorei os clássicos na adolescência, dos gregos a Tennessee Williams,
Shakespeare, Ibsen, Arthur Miller, O’Neill, Pirandello, Nelson Rodrigues, Jorge
Andrade, Dias Gomes, Ionesco, Beckett, entre dezenas de autores maravilhosos.
Eu lia tudo o que podia, era rato de biblioteca. Leitura é tudo. Acho que hoje
em dia as pessoas leem tão pouco... Há quem queira ser escritor e nunca tenha lido
Édipo Rei, por exemplo, que é a base de toda a dramaturgia ocidental. Ganhei
alguns prêmios em concursos de teatro. E pretendia seguir por aí. Nem pensava
em televisão. Mas conheci uma produtora da TVE, Ana Gouveia, num curso de
inglês (olha a importância dos cursos na minha vida!). É uma mulher
inteligente, culta, dinâmica. Ela produzia uma série de programas educativos
chamada “Qualificação Profissional”. Conversando no intervalo das aulas, eu
contei que havia ganho alguns prêmios com peças de teatro. Ela me pediu para
ler. E depois me convidou para escrever os roteiros da série. Eu tinha 19 anos,
era estudante de Jornalismo. Foi assim que entrei para a TVE. Gostei do
trabalho, soube do primeiro curso que o Doc Comparato daria na CAL, me
inscrevi. Doc gostou do meu texto, me encaminhou ao “Caso Verdade”, na Globo,
que era dirigido pelo Paulo José. E eu nunca mais parei, sempre emendei um
trabalho no outro. Tenho 50 anos, trabalho na Globo
desde 1983. Já escrevi para todas as faixas, de Malhação a minisséries e linha
de show. Fui o mais novo autor de novela das 21h, aos 27 anos, ao assinar “Tieta”
com Aguinaldo e Ana Moretzsohn. Entre autoria, coautoria, colaboração e supervisão,
já fiz mais de 15 novelas, além de Malhação, minisséries, especiais, seriados e
humor. Nesse tempo
todos, várias vezes já pensei em voltar ao teatro, mas, por falta de tempo, fui
adiando... e hoje não tenho mais interesse. Adoro teatro como espectador, sou
assíduo. Mas guardo as minhas ideias pra TV. Anda tenho muito trabalho pela
frente.
Qual o papel da telenovela na vida do brasileiro?
Ricardo Linhares -
É, e acredito que sempre será, a grande
fonte de emoção, risos, romances, sonhos e reflexões. É nossa querida
companheira diária. Ao mesmo tempo em que entretém, a telenovela ajuda na
evolução dos costumes, a diminuir o preconceito, leva informação e ilustra a
vida da maioria da nossa população. É preciso sempre estar mudando para
acompanhar a evolução do mundo e do comportamento, com ousadia, liberdade e
responsabilidade. A novela é o espelho da vida.
Ricardo, gostaria de agradecer muitíssimo pela entrevista. É uma
honra para o melão e uma alegria para os leitores. Sou muito seu fã. Te desejo
muito sucesso em “Saramandaia” e fica a torcida para que possamos trabalhar
juntos algum dia.
Ricardo Linhares -
Valeu, querido! Eu é que agradeço a
oportunidade. Um beijo grande de final de ano para os seus leitores. Feliz 2013
a todos, que seja um ano pleno de realizações! Parabéns pelo merecidíssimo Emmy
de “O Astro”, e tomara que os nossos caminhos se cruzem adiante. Muito obrigado
pela torcida positiva!
Eu e Ricardo em evento na PUC-Rio |
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12 comentários:
Olha, sou suspeito pra falar, porque adoro o Ricardo. Além de ótimo novelista, ele é simpático, super profissional, educado... e outros tantos adjetivos... Essa entrevista (excelente, por sinal) vem retificar a minha admiração por ele...
Parabéns, Vitor, pelo bate papo.
Linda entrevista. adoro a boa vontade e a disponibilidade do Ricardo , uma autor que gosta do que faz!
Não sei se posso dizer que conheci Ricardo Linhares. Foi tão rápido o encontro em uma apresentação na PUC-Rio que mal me lembro. No entanto desde antes e, muito mais agora, posso dizer da minha admiração. Ele me passa uma pessoa correta, profissional, educada, generosa, gentil...... dessas que dá vontade de ser amigo. Muito ele fez (trajetória linda)e muito ele vai fazer, pois tem competência pra isso. Torço pela continuidade de seu sucesso e espero ansioso o próximo trabalho. Parabéns Ricardo.
Vitor, você sempre muito feliz nas suas entrevistas, diria até que você tem o mesmo estilo da Marília Gabriela. Sabe extrair dos entrevistados o que eles tem de melhor a ser informado. Trabalho delicioso de ser lido. Parabéns!!
Excelente entrevista, hein Vitor!
Parabéns ao Ricardo, que já tem seu nome na história da TV por tantos trabalhos marcantes!
adorei a entrevista! Esperando ansiosamente por saramandaia no ano que vem rs.
Abraços.
Posso copiar tds palavras do Wes??rss
Olha, sou suspeito pra falar, porque adoro o Ricardo. Além de ótimo novelista, ele é simpático, super profissional, educado... e outros tantos adjetivos... Essa entrevista (excelente, por sinal) vem retificar a minha admiração por ele...
Parabéns, Vitor, pelo bate papo.
Entrevista oportuna, super ansioso pelo remake de Saramandaia.
Ricardo, como sempre, super atencioso!
Deu gosto de ler sua entrevista!
Parabéns Vítor!!
Gostei do presente. Saramandaia, com certeza, vai ser um sucesso!
Meu coração dói (rsrs) por saber que jamais teremos a chance de rever Lua Cheia de Amor... Sério. rs
ótima entrevista.
ricardo é super acessível. desejo sorte a ele em "saramandaia".
Adorei saber mais sobre as opiniões de Ricardo Linhares. Melão se superando em cada entrevista! Já no aguardo de "Saramandaia".
Que maravilha! Um presentão essa entrevista com Ricardo Linhares! Parabéns, Melão!
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