quinta-feira, 26 de abril de 2012

Blogueiro convidado: Raphael Scire analisa a classe C em “Avenida Brasil”.



Depois de um instigante texto que deu o que falar sobre a metalinguagem em “Ti Ti Ti”, o blogueiro convidado Raphael Scire está de volta e dessa vez, aprofunda a tão comentada questão sobre a chamada “invasão” da classe C no mundo da teledramaturgia, relembrando alguns aspectos da trama de “Insensato Coração” e “Fina Estampa” para, finalmente, desembocar em “Avenida Brasil”. Raphael defende a naturalidade com que João Emanuel Carneiro retrata essa importante parcela da sociedade em sua trama. Confira mais esse texto instigante, arguto e muitíssimo bem escrito de nosso querido Raphael. Melão agradece mais essa participação.

O retrato natural
Por Raphael Scire



Muito se fala sobre a nova classe C e a ânsia das emissoras de conquistar esse público cada vez mais ascendente no Brasil. “Avenida Brasil”, de João Emanuel Carneiro, nem tinha estreado e uma enxurrada de reportagens já vendiam a novela como mais um símbolo desse estrato social. De fato, a trama retrata, sim, a classe média, das periferias das grandes cidades, mas não se restringe apenas a isso.
O que me espanta é que simplesmente esqueceram de que o grande público das telenovelas sempre foi composto pela classe média. A diferença é que antes, majoritariamente os ricos eram retratados no universo televisivo e, desde “Insensato Coração”, há uma tentativa de incluir a classe C como protagonista das obras (vale lembrar que Aguinaldo Silva sempre teve uma pegada no popular, sem, com isso, ser populacho).

Gilberto Braga e Ricardo Linhares, à época do lançamento de “Insensato”, declararam que a novela iria retratar esse público. Não fizeram tanto, afinal, é difícil tirar de Braga o estigma de autor do grande-monde (ninguém escreve tão bem sobre ricos como ele) e a história de Norma (Gloria Pires), depois que ficou rica e viúva, e sua ânsia por vingança fisgou o público.

Aguinaldo Silva, esse sim, fez um retrato desse novo perfil do brasileiro, ainda que caricatural. Griselda (Lilia Cabral) era a personificação dos valores morais e éticos, ficou rica depois de um golpe de sorte na loteria, mas nem por isso esnobe. Sequer contratou empregada doméstica para limpar a mansão para onde se mudara.
Já em “Avenida Brasil”, Monalisa (Heloisa Perrissé) assume o papel da self-made woman: saiu da Paraíba, foi para o Rio de Janeiro ganhar a vida, trabalhou, conquistou bens e hoje “manda no controle remoto da televisão”. O subúrbio criado por Carneiro é verossímil, apresenta personagens passíveis de serem encontrados pelas ruas e por isso gera identificação com o grande público. A cenografia do bairro é primordial para essa identificação.

O humor da história ficou deslocado para o núcleo rico, de Cadinho (Alexandre Borges) e suas desventuras conjugais. Reparem que, antigamente, muitas novelas usavam o núcleo pobre para fazer rir. Hoje, o drama foi para lá e o riso ficou com os abastados. Até mesmo “Fina Estampa”, guardada as devidas proporções, invertia essa lógica. Tereza Cristina (Christiane Torloni), com toda sua empáfia, era responsável por momentos de diversão ao lado de Crô (Marcelo Serrado) e os outros serviçais.
Mas o que mais chama atenção é a família de Tufão (Murilo Benício). Dinheiro eles têm de sobra, já refinamento, fica em falta. Basta olhar a decoração de gosto duvidoso da mansão – aqueles abacaxis de vidro que decoram a mesa de jantar parecem ter saído de “A Grande Família”. Carneiro criou uma família de classe média tal qual ela é. Falam alto, um por cima do outro, atropelam-se, vivem se cruzando nos cantos da casa, proferem barbaridades e acham que estão por dentro de todos os assuntos que são jogados em pauta. Não há mais aqueles momentos de café da manhã serenos que Manoel Carlos escreve tão bem.

Isso, no entanto, não é demérito, pelo contrário: traz ânimo (e graça, por que não?) à trama. Fora que Eliane Giardini (Muricy) e Marcos Caruso (Leleco) dão show em cena. Faz-se necessário ressaltar o figurino dos dois, brega até dizer chega.  
Outra personagem que salta aos olhos dos telespectadores é Suélen (Isis Valverde). A morena escandalosa, vulgar e gostosona não é difícil de ser encontrada pelas periferias do Brasil. É uma personagem real, que usa roupas curtas, calças coladas, unhas gigantes e pintadas de esmaltes extravagantes.



E João Emanuel Carneiro retrata tudo isso de maneira natural, sem levantar estandartes dizendo que sua novela é para a classe tal ou que tal (na verdade, nenhum autor faz isso; quem faz é a imprensa, que rotula cada um, etiquetando estilos). Sem querer, Carneiro conquista todos os públicos e cria uma história instigante, que prende o telespectador frente à tela e o faz querer acompanhar as cenas do próximo capítulo. 
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Blogueiro convidado: Raphael Scire e o "gran finale" de "Ti Ti Ti"










sexta-feira, 20 de abril de 2012

“Cheias de Charme” traz o frescor da novidade


Isabelle Drummond, Leandra Leal e Taís Araújo fazem jus ao título da novela

A mais acalorada discussão que domina o universo teledramatúrgico no momento é a que a tese de que a televisão deve atender à demanda e aos anseios da novíssima classe média, chamada de classe “C”. A verdade é que ninguém sabe ao certo quem é essa nova classe. O que querem de fato? Classe C ou não, todo mundo gosta de se identificar com algum personagem, mas ninguém gosta de se sentir menosprezado com uma história rasa e narrativa esquemática. Isso, definitivamente, não é o caso de “Cheias de Charme”, novela que marca a estreia de Filipe Miguez e Izabel de Oliveira como autores titulares. A dupla acertou em cheio, a começar pelo trio de protagonistas.

Diferentes entre si, mas igualmente encantadoras, pensou-se, a princípio, que elas seriam ofuscadas pelo brilho de Claudia Abreu e sua esfuziante Chayenne. Não que Claudia Abreu não esteja maravilhosa. Com um papel diferente de tudo o que já fez, a atriz chegou com tudo e vem dando um show em todas as cenas e parece estar se divertindo tanto quanto o público, mostrando vigor e irreverência em cada aparição. O Brasil já ama odiar Chayenne: fato! Mas o fato de Claudia Abreu ser um furacão em cena não tira o brilho do trio das três domésticas cheias de charme da trama. Taís Araújo já disse a que veio com sua Penha: o tipo mais popular das três parece já ter ganhado a torcida instantânea do público: bonita, autêntica, lutadora, despachada, que quando desce do salto bota pra quebrar, ou seja, mais brasileira, impossível. Sua trama lembra muito a trama de Fausta, personagem de Betty Faria em “Romance da empregada”, aclamado filme de Bruno Barreto, inclusive pelo fato de Penha também ter um marido malandro; já a Rosário de Leandra Leal é tão sonhadora quanto Mia Farrow em “A rosa púrpura do Cairo”, mas está longe da ingenuidade da personagem do filme de Woody Allen. Rosário é esperta, determinada e vai à luta pelos seus ideais; e à Isabelle Drummond coube o papel da Cinderela da trama, o que seria uma cilada pra uma atriz limitada, mas não é o caso. Isabelle sabe emprestar romantismo e doçura à sua Cida na dose certa, sem ser chata ou monótona. Já estamos torcendo fervorosamente pelas três, mas não por serem mocinhas sofredoras como nos folhetins tradicionais. O fato de serem domésticas poderia ser uma grande armadilha para se tornarem vítimas e as patroas seus algozes. Ao contrário, são determinadas, batalhadoras, espertas e sabem o que querem: mocinhas modernas, atuais e refletem exatamente a mulher contemporânea. Bingo!

Claudia Abreu: impagável como Chayenne
O time masculino também está dando ótima conta do recado, com destaque para Ricardo Tozzi, muito bem em seus dois personagens: o astro canastrão Fabian e o herói misterioso Inácio. Marcos Palmeira ainda não teve oportunidade de mostrar a que veio, mas a julgar pelas primeiras cenas, parece ter feito uma composição interessante e diferente de tudo o que já fez. Direção, figurino, trilha sonora e produção de arte parecem em total sintonia com a proposta da trama, conferindo identidade à novela.

E o que dizer do texto? Ágil, inteligente, popular sem ser apelativo, engraçado sem os clichês do gênero. A equipe de roteiristas está de parabéns. Sempre que começa uma novela buscamos identificar o estilo do autor. Quando são estreantes, tentamos buscar referências em autores consagrados. “Cheias de Charme”, mesmo tendo todo o jeitão de uma novela das sete, parece original, única, moderna e traz o frescor da novidade.


É inegável que a novela tem uma pegada popularíssima, com todos os ingredientes de uma trama das sete: alegre, divertida, colorida e altíssimo astral. Quem disse, afinal, que, pra ser popular, uma novela precisa ser inferior, feita nas coxas? O espectador não se sente em momento algum subestimado com uma trama previsível e burocrática. A classe C está sim representada, mas a novela diverte todas as classes, cumprindo assim, a função primordial de um produto de TV aberta: agradar  a todo tipo de público, desde a socialite da Pauliceia à dona de casa do interior de Roraima. Há tempos não ria alto com alguma cena de novela como estou rindo agora. “Cheias de Charme” é uma delícia para todos os públicos e plateias, é irreverente sem abrir mão do bom folhetim, que traz em si aquela magia que faz com que esperemos ansiosamente para conferir as cenas dos próximos capítulos. Eu não vou perder de jeito nenhum! 
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domingo, 15 de abril de 2012

Aquele Beijo: uma novela honesta




Sempre fui admirador do texto de Miguel Falabella, tanto em suas parcerias com Maria Carmem Barbosa, quanto em seus vôos solo. Falabella é, pra mim, o autor que mais se aproxima das cores de Almodóvar. Seus textos sempre exalam aquela exuberância kitsch presente nos filmes do cineasta espanhol e sempre possuem um olhar altamente irônico e sarcástico sobre os mais prosaicos dramas do cotidiano e também nas grandes tragédias, dando a elas um ar levemente divertido e patético. E seu humor nunca é fácil ou gratuito, ao contrário, provém de um olhar arguto e divertido sobre uma situação eminentemente dramática, que se torna divertida exatamente por esse viés patético que o olhar de Falabella sempre consegue captar.

Foi assim com “Salsa e Merengue”, novela que me fisgou desde o início e trouxe ao folhetim essa visão peculiar do autor e seus maravilhosos e coloridos personagens à beira de um ataque de nervos, inaugurando um novo estilo de se fazer novela. Tudo isso é pra chegar ao último capítulo de “Aquele Beijo”, um dos melhores finais de novela dos últimos tempos.

“Aquele Beijo” nunca foi um estouro de audiência, mas também esteve longe de fazer feio. Peço emprestada a expressão que Nilson Xavier usou pra falar da novela “Bambolê” para me referir a “Aquele beijo”: “uma novela honesta”. Talvez faltasse um escândalo central maior que fosse capaz de mobilizar o público. Ou, quem sabe, ganchos mais eletrizantes que tornassem o próximo capítulo imperdível, mas nada disso tira o mérito da novela, que cumpriu sua missão de entreter o público, se manteve coerente à sua proposta inicial e respeitou os princípios de um bom folhetim, sem menosprezar o espectador, sempre presenteado com um texto inteligente e criativo. A novela não fazia nossa adrenalina subir, mas era deliciosa de se acompanhar. Os personagens sempre tinham uma tirada espirituosa na ponta da língua e se envolviam em situações pra lá de hilariantes.

O elenco, em grande parte já familiarizado com o texto do autor, esteve, em sua maioria, muito à vontade, e parecia se divertir tanto quanto o espectador com as situações patéticas e rocambolescas de seus personagens. Giovana Antonelli brilhou na pele da cômica protagonista Claudia, lembrando aquelas divertidas comédias de Hollywood dos anos 60, ao lado de Ricardo Pereira, com quem teve bastante química e sintonia. Sheron Menezes, por muitas vezes, me deu a impressão de que era a verdadeira heroína da novela, pois a trama de sua personagem Sarita não tinha a mesma leveza da trama de Claudia e carregava grande parte do conteúdo dramático da novela e era, de fato, quem rivalizava com a antagonista vivida por Marília Pera, inclusive disputando o amor de um mesmo homem. Além disso, ela possuía o idealismo, digno das grandes heroínas românticas, em sua nobre missão de salvar o local onde nascera e fora criada. Definitivamente, Sarita tinha o peso de uma protagonista e Sheron soube conduzir muito bem a personagem. Outro grande mérito da novela foi valorizar atores negros, todos com ótimos e importantes personagens. Pode parecer bobagem, mas infelizmente ainda se conta nos dedos a quantidade de atores negros em nossos elencos.

Sheron Menezes e Marilia Pera: destaques positivos da novela

E o último capítulo teve todos os ingredientes de uma boa novela, me fazendo até lembrar as comédias românticas que Cassiano Gabus Mendes escrevia para o horário das sete, como “Te contei?” ou “Marron-Glacê” que, se não arrasaram quarteirão como “Ti Ti Ti” ou “Que rei sou eu?”, deixaram uma impressão muito simpática. O desfecho dos personagens sendo revelado pelo próprio autor, através de sua narração, foi divertido e coerente. Aliás, a narração foi um dos grandes acertos da trama: inteligente, inspirada, nunca didática. Além de ajudar a contar a história de forma poética e envolvente, também imprimiu à novela uma personalidade própria, tornando-a inconfundível. Destaco dois pontos altos do último capítulo: a chegada de Claudia em seu casamento em uma viatura policial e a cena de despedida de Maruschka (Marília Pera) e Ana Girafa (Luiz Salém), que foi muito, mas muito emocionante. A emoção transbordante da cena fez o público lavar a alma e acreditar na sincera redenção da vilã vivida por Marília.

E a despedida foi simpaticíssima, alto astral, extremamente criativa e divertida. É disso que o público que acompanha novela gosta: se sentir recompensado e com a sensação de que foi prestigiado com o capricho de um trabalho feito especialmente pra ele. Ao Miguel, que ainda não conheço pessoalmente, mas que já faz parte de minha vida há muito tempo, meus sinceros parabéns e aquele beijo! Parabéns a toda a equipe. Missão cumprida e já esperamos pela próxima aventura.
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“A vida alheia”: humor inteligente e ousado na TV.



sexta-feira, 13 de abril de 2012

Dossiê “Dancin’Days”: a novela que fez o Brasil dançar!




Confesso que estava um pouco receoso quando comecei a assistir ao box da novela “Dancin’Days”. Embora soubesse que a novela tinha sido um estrondoso sucesso, um dos maiores até hoje, temia que ela não resistisse a uma exibição nos “frenéticos”, cibernéticos e imediatistas dias de hoje, já que vivemos em outro ritmo de vida e praticamente tudo mudou desde os longínquos anos 1978, que já eram pra lá de “frenéticos” (com trocadilho - risos). Mas já no primeiro DVD, esse receio já foi se desfazendo e me deparei com uma história deliciosa, um texto moderno, inclusive para os dias de hoje. Claro que o ritmo das telenovelas atuais é outro, mas um bom texto e boas atuações resistem ao tempo e foi uma delícia embarcar na rotina daqueles personagens moradores de uma Copacabana que não existe mais, dividida entre a tradição e a modernidade. Me diverti muito com as diferenças linguísticas e do modo de vida comparados com a época atual. Imaginem que, naquela época, era um problema uma mulher ir ao cinema sozinha ou na companhia de outras amigas. Assim como a maioria do elenco, também deu vontade de cair na dança nas cenas de discoteca. Falando em elenco, atuações irrepreensíveis de todos. Lidia Brondi novinha, mas já com um talento descomunal, com uma naturalidade que poucos conseguem emprestar ao personagens. Lauro Corona, uma imensa e eterna saudade sempre! Gloria Pires, também um talento ascendente, que viveu uma das personagens mais mala-sem-alça da história das telenovelas (junte todas as chatinhas “manequianas” que elas não serão páreo para a chatice de Marisa), já dando provas da grande estrela que se tornaria futuramente. E um elenco de veteranos dando um show à parte (destaco uma cena emocionante entre Mario Lago e Lourdes Mayer, cujas lágrimas falavam mais que qualquer palavra). 


Mas tudo isso será dito com mais detalhes pelos nossos dois blogueiros convidados, que aceitaram gentilmente o convite do melão para falarem sobre a novela. Quis que fossem de gerações diferentes para mostrar que uma boa trama conquista qualquer tipo de público: o jovem Diogo Cavalcante e o queridão Ivan Gomes, cujos textos vocês lerão em seguida.

Enfim, terminei de assistir ao DVD de "Dancin' Days" e cheguei à conclusão de que ele é a prova cabal de que uma novela, ao contrário do que dita o senso comum, nem sempre é imediatista e descartável e pode sim ser uma obra memorável. Arte pura! Gilberto Braga, aqui estreando no horário nobre pelas mãos do diretor geral Daniel Filho e com base em uma sinopse da mestre Janete Clair, sempre foi mestre em dar para os personagens a dimensão humana que faz com que nos identifiquemos com eles. A mocinha Julia não era tão santa e a vilã Yolanda nem tão megera. Confesso que tenho saudades de personagens tão bem construídos como esses. Dá até vontade de ter vivido aquela época. Já entra para a série "novelas que gostaria de ter escrito". Pra ver e rever sempre!




Passo agora a palavra para o queridíssimo Ivan Gomes, meu amigo-irmão, que já colaborou (formal e informalmente) inúmeras vezes para o melão, entendedor e apreciador de teledramaturgia como poucos. Ivan, de forma muito pessoal e afetiva, nos dá suas impressões sobre a novela após ter assistido ao DVD. Confiram:


Dançando com as feras

Por Ivan Gomes


 Não tinha idade em 78 para acompanhar a novela Dancin’ Days, de Gilberto Braga, e graças a maravilhosa ideia da Globo Marcas de lançar em DVD novelas antigas, pude acompanhar de fato essa obra e agora que terminei de assisti-la, posso concordar com tudo o que falavam sobre ela! É uma novela maravilhosa, com um texto absolutamente primoroso e com personagens críveis e coerentes. A atmosfera disco da trama é absolutamente arrebatadora. Em DVD foi impossível parar de assistir às cenas de inauguração do Club 17 e principalmente do Dancin’ Days na volta de Júlia, deu vontade de estar la! Assim como se lê sobre a época que as pessoas iam na verdadeira Dancin’ Days, no morro da Urca, em 78, na esperança de encontrar os personagens da novela e viver um pouco desse universo tão charmoso. Uma coisa interessante é que uma novela com um tema tão aparentemente jovem tenha em seu elenco tantos atores maduros, como Mario Lago, Lourdes Mayer, Ary Fontoura, Gracinda Freire, Cleyde Blotta, José Lewgoy (todos ótimos), mas que na verdade tinha muito a ver com a temática moderna da época, principalmente no personagem de Mário (Alberico) um grande saudosista ante as novidades que surgiam.

Joana Fomm: irrepreensível como a vilã Yolanda Pratini

Muitos personagens são deliciosos: a cara de pau de Yolanda (Joana Fomm, maravilhosa) a super amiga de Júlia, Solange (Jaqueline Lawrence) que tem momentos ótimos, com sua metralhadora verbal da verdade, a complicada Áurea (Yara Amaral) e a cabeça-boa jovem e ‘’transada’’ Verinha (Lídia Brondi), desde iniciante, arrasadora! Alias as gírias da época são um divertimento à parte. Eu particularmente adoro, justamente porque perderam o sentido que tinham, como, por exemplo, ‘’transar’’ que na época significava tudo que se fazia: transar uma conversa, transar um carro, transar uma roupa...

Lídia Brondi e Gloria Pires: talentos em ebulição

E Sonia Braga , a protagonista, estava soberba. A fase em que a personagem volta da Europa, super estrela, bancada pelo personagem Ubirajara (Ary Fontoura) para mim foi deliciosa, tanto que acabei nem torcendo pelo casal Julia / Cacá (Antonio Fagundes) por mim ela continuaria daquele jeito!

Foi bom ver uma dramaturgia correta, coerente em que o sucesso só a fez melhorar, cenas longas de introspecção de personagens, hoje impossíveis de serem feitas novamente, devida a impaciência de parte do publico de hoje, mas que ajudam a o telespectador a entender melhor a ação dos personagens, coisas de um autor que sabia o que estava fazendo. Dancin’ Days é sem dúvida uma novela que mostra que a nossa dramaturgia é a melhor do mundo e que já teve dias melhores.
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 Muitíssimo jovem, Diogo Cavalcante, de apenas 17 anos, foi outro que foi fisgado pelo irresistível folhetim de Gilberto Braga. Sempre com observações inteligentes e espirituosas através do seu twitter (@diogo_cc), este jovem estudante de Recife e noveleiro inveterado, além de nos brindar com ótimas montagens que estão ilustrando esse post, também compartilha conosco suas impressões sobre a novela. Obrigado, querido Diogo, e volte sempre. Melão está às ordens!  


Novelão Macabro! - Essa expressão define Dancin’ Days

Por Diogo Cavalcante


 Por muito tempo a novela, com exceção de quem acompanhou na época, foi injustamente lembrada pelo grande púbico apenas pela discoteca.  Recentemente terminei de assistir ao Box lançado pela Globo todinho. Sinceramente? Apaixonei-me pela obra.

Gilberto Braga – mesmo que diga que não entende como pode ter feito sucesso- estreou com o pé direito no horário das 20h naquele ano de 1978.



O que falar de Júlia Matos? A heroína que luta por sua reintegração na sociedade e pelo amor da filha Marisa. Sofre ao procurar emprego, sofre com a raiva da irmã Yolanda, sofre com o preconceito enfrentado em razão de seu passado... Uma mocinha clássica... Porém, depois de sofrer tanto, viaja para o exterior com o auxílio de Ubirajara (Ary Fontoura), seu admirador e Solange (Jaqueline Laurence). Quando retorna... UAU! Agora segura de si e remodelada, volta com tudo, dando um show na inauguração da boate “Dancin’ Days”, deixando Yolanda e Marisa com a “cara na poeira” (perdoem-me a frase rs). Ótima atuação da Sônia Braga.

Sonia Braga: a protagonista Julia Mattos em dois momentos da novela.

E o Cacá (Antônio Fagundes)? Mocinho que de herói não tem nada. Frágil, inconstante, inseguro, se apaixona por Júlia no primeiro encontro dos dois - o atropelamento de um cachorro. Uma cena nada romântica rs - romance esse que teve várias idas e vindas, mas, no final dá tudo certo.

Antonio Fagundes deu vida ao mocinho Cacá

Yolanda Pratini (Joana Fomm), uma interesseira. Começa rica e casada, porém se separa do marido e dia após dia amarga a decadência, chegando a fazer empréstimo para organizar um jantarcom o objetivo de “manter as aparências” perante a sociedade. Com o tempo, a ficha vai caindo pra Yolanda, e ela vira “pessoa de bem”, se é que me entendem.

Marisa (Gloria Pires): egoísta e mimada 

Marisa (Glória Pires) nos dias de hoje seria uma nova Eduarda de Por Amor. Há momentos que ela conseguia me deixar com uma raiva tão grande... Marisa chega até a sentir recalque da amiga Verinha, quando esta vira modelo fotográfica. Após “quebrar a cara” ao procurar o pai biológico, cai em si e faz as pazes com Júlia. Cena bem emocionante!
Bem, esses quatro personagens sempre têm destaque quando se fala da novela... Mas tem vários outros que merecem ser lembrados. Vou citar alguns deles.

Seu Alberico, interpretado pelo grande Mário Lago, um senhor que já teve muito prestígio no passado, mas que hoje não tem a mesma condição financeira. Vive sonhando alto, fazendo a família sofrer, principalmente a filha Carminha (vivida pela lindíssima Pepita Rodrigues) que vive tendo que se desdobrar pra pagar as dívidas que o pai faz. Finalmente, na conclusão da novela, ele abre uma casa de shows do jeito que ele gosta – com muito glamour e requinte.

Áurea (Yara Amaral) é outra personagem que merece ser destacada. Dizem que ela foi inspirada na mãe do Gilberto Braga. Uma mulher fútil, insegura, preconceituosa... Ao perder o marido, entra em estado depressivo, e quando descobre que o homem com quem ela estava saindo é casado, tem um surto. Ao final da trama ela recupera a saúde mental e muda seus conceitos.

Trio de peso: os soberbos e saudosos Mario Lago, Yara Amaral e Claudio Correa e Castro

E o Franklin (Cláudio Correa e Castro). Casado coma ciumenta Celina (Beatriz, ou melhor, Beatrix Segall como foi creditada na abertura), ele vai apaixonando-se com o tempo por Carminha. Num acidente de carro, Celina morre e, assim, fica livre para namorar a moça. Porém, uma carta - denúncia deixada por Celina cai nas mãos de Neide, empregada obcecada pela patroa, vivida por Regina Vianna. Tempos depois, a carta para nas mãos de Carminha, que, horrorizada com o que leu, rompe em definitivo com Franklin.

Quanto à trilha sonora, pode-se dividir em músicas “normais” e músicas da discoteca. Das “normais” cito “João e Maria” de Chico Buarque, música que mais me chamou a atenção e da qual gostei muito. Caiu como uma luva para o romance jovem entre Marisa e Beto.

Algumas coisas me chamaram a atenção... Como a “modernidade” de Julia em plena época de censura – ainda que tenha sido no período da concessão da Anistia - e o consumo excessivo de cigarros... Cheguei a contar uns 10 na mesma cena...

Desculpem se o texto ficou falho, trash, didático, chato... Mas é apenas a humilde opinião de um jovem apaixonado por novelas... E que faz coro com quem aplaude essa magnífica obra. Dancin’ Days é um novelão macabro. Obrigado ao queridíssimo Vitor pela oportunidade \o/

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Obrigado, queridos! Sei que depois desses textos maravilhosos, todo mundo ficou com vontade de assistir a "Dancin' Days", não ficaram? 

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Blogueiro convidado: Ivan Gomes reverencia Ivani Ribeiro





sábado, 7 de abril de 2012

A dança dos sete véus: Walter Azevedo relembra “Salomé”.



Depois de nos brindar com um ótimo texto sobre o remake de “Selva de Pedra” e mostrar seu talento como roteirista, nosso queridão Walter de Azevedo está de volta para relembrar “Salomé”, novela das seis do início dos anos 90 que causou muita polêmica na época de seu lançamento por conta da nudez da protagonista vivida pro Patricia Pillar, o que fez com que suas qualidades ficassem em segundo plano, mas que são relembradas pelo excelente texto de Walter. Confiram e comentem! 


Bíblia e Modernismo às 6 da tarde 
Por Walter de Azevedo

Patricia Pillar viveu o papel-título da novela.
  
   Nos anos 70, a Rede Globo usava o seu horário das 18h para adaptações literárias, e Gilberto Braga era um de seus principais autores. Após o término de Dona Xepa, um grande sucesso de 1977, a emissora carioca lhe pediu uma nova sinopse, também inspirada em algum romance de nossa literatura. Gilberto já havia feito muito sucesso com Helena (1975), da obra de Machado de Assis, Senhora (1975), clássico de José de Alencar e, a mais conhecida, Escrava Isaura (1976/1977), tendo como base um obscuro livro de Bernardo Guimarães, além da própria Dona Xepa, adaptada da peça de Pedro Bloch. O romance escolhido para ser transformado em novela foi Salomé, obra do escritor Menotti Del Picchia, importante figura do movimento modernista. Acontece que Gilberto acabou sendo transferido para o horário das 20h, onde escreveu o mega sucesso Dancin’ Days (1978/1979), e Salomé ficou esquecida.

    Menotti Del Picchia transportou para a São Paulo dos anos 20/30, a história bíblica de João Batista, o profeta decapitado a mando do rei Heródes Antipas. Enfeitiçado pela sensual dança de sua enteada, Salomé, o rei promete à moça qualquer coisa que ela lhe peça. Atendendo a uma ordem de sua mãe, Herodias, Salomé pede a cabeça de João Batista, forte opositor da rainha. Mesmo contra sua vontade, Heródes cumpre o prometido. Na história de Picchia, o rei Heródes se transforma no fazendeiro Antunes, casado com a sensual Santa, mulher que se descobre atraída por Duda (o correspondente a João Batista), jovem artista envolvido com a efervescência cultural da década de 20 (uma clara alusão do autor ao movimento Modernista e seus desdobramentos). Enquanto acontece o envolvimento entre Santa e Duda (que não passa de meras insinuações), Antunes vai à França com o objetivo de trazer Salomé de volta. A jovem acabara de chocar a sociedade parisiense ao reproduzir no palco, a sensual dança dos sete véus. Ao reencontrar a filha da esposa, Antunes tem o seu desejo despertado. Está criado então, o quadrado amoroso que permeia a trama.

   Essa foi a história roteirizada por Sérgio Marques e que finalmente foi ar no horário das 18h da Rede Globo. Com Direção de Herval Rossano, Salomé estreou no dia 03 de junho de 1991, apresentando ao público uma das mais belas produções já realizadas pela emissora. Com cenários e figurinos exuberantes, perfeita reconstituição de época, gravações iniciais realizadas em Paris, além de uma inesquecível abertura inspirada na obra do pintor austríaco Gustav Klimt, Salomé tinha dois objetivos: Manter os altos índices de audiência de sua antecessora, Barriga de Aluguel, e trazer de volta ao horário as adaptações de época.

  O mito de Salomé sempre mexeu com o imaginário popular, talvez pelo seu forte conteúdo erótico e até, de certa forma, incestuoso, tornando-se uma das mais famosas passagens bíblicas. O irlandês Oscar Wilde escreveu a peça Salomé em 1893, centrando a trama não em João Batista, Herodias ou o rei Heródes, mas sim na jovem dançarina, mostrando Salomé não apenas como instrumento das intrigas da rainha, mas como uma mulher tão ou mais cruel do que ela. A crueldade da Salomé de Wilde é motivada pelo amor, o primeiro amor de uma jovem que sempre teve todos os homens aos seus pés; o primeiro amor rejeitado.

Patricia Pillar e Petrônio Gontijo: par romântico central.
  A Salomé de Sérgio Marques apresentava características da personagem de Menotti Del Picchia, mas mostrava nuances da personagem bíblica e também da de Oscar Wilde. Patrícia Pillar, linda e loira, ganhava a protagonização como prêmio pelo seu excelente desempenho em Rainha da Sucata (1990), de Sílvio de Abreu. Mais uma vez a atriz mostrava seu talento...e até um pouco mais. Logo no primeiro capítulo, Salomé faz a dança dos sete véus em um teatro parisiense e a nudez de Patrícia foi um deleite para seus fãs. Vale ressaltar a coragem e ousadia da direção, de mostrar uma cena dessas às 18h, algo impensável nos dias de hoje.

   Acontece que Salomé não era uma história de fácil digestão e teve problemas de aceitação junto ao público. O autor, que conseguiu manter o clima do romance, pecou ao fazer uma adaptação formal, deixando a trama distante dos moldes clássicos de teledramaturgia. Apesar do forte entrecho envolvendo o quarteto central, a maioria das tramas paralelas fugia das características folhetinescas. Talvez apenas a história de Mônica (Mayara Magri), ex-namorada de Duda (Petrônio Gontijo), que se vê obrigada a casar por interesse com o americano McGregor (Rubens de Falco), tivesse a linha do chamado “novelão”. Outro problema foi a escalação de elenco, muito irregular, com atores que, embora talentosos, não combinavam com os personagens para os quais foram chamados. A trama que envolvia a personagem Carmem (Andréa Veiga), jovem cantora em início de carreira e que acaba se tornando uma grande estrela do rádio, ganhou destaque na novela e foi uma das que caíram no gosto popular.


   Imara Reis, atriz que não costuma frequentar a telinha Global, criou uma Santa irrepreensível e foi um dos grandes estrelas da novela, brilhando ao lado de Carlos Alberto, ótimo como o Coronel Antunes. Outro grande destaque foi Lília Cabral, que depois de uma série de personagens cômicos, encarnava Ernestina, uma vidente com um pé na loucura. Infelizmente, com a alegação de que a personagem não caíra no gosto popular, acabou sendo limada da novela. Suzy Rêgo, vivendo Berta, melhor amiga de Salomé, também apresentou um ótimo trabalho. Mas a novela foi mesmo de Patrícia Pillar, que esbanjou talento e sensualidade.

  Infelizmente, Salomé não costuma ser lembrada, talvez por não ter sido entendida pelo grande público. Mas afinal de contas quem precisa de compreensão? Salomé nunca precisou.


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ROTEIRISTA CONVIDADO: WALTER AZEVEDO E UMA CENA PRA LÁ DE SOMBRIA



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segunda-feira, 2 de abril de 2012

MARILDA CONTA TUDO!!! Deliciosa Entrevista com KATIA MORAES!!!


Foto: site da atriz

Como já disse outras vezes, as entrevistas do melão são sempre especiais. Todas têm uma razão de ser. Como não sou jornalista, tampouco entrevistador, posso me dar ao luxo de entrevistar apenas pessoas a quem admiro muitíssimo ou com quem me identifico de alguma forma. No caso da entrevistada em questão, ela preenche plenamente esses dois requisitos. Além de admirá-la de montão como profissional, ela também me serve de inspiração como pessoa. Engraçado que tive pouquíssimas vezes com ela, mas nossos encontros sempre foram plenos de carinho e torcida mútua e nossas trajetórias artísticas, de certa forma, caminham lado a lado. Nos encontramos em um momento em que nossos destinos estavam sendo traçados e, apesar de otimistas, também estávamos incertos do que estaria por vir e nos desejamos boa sorte. Para nossa felicidade, voltamos a nos encontrar em um momento muito feliz, em que eu havia saído de uma empreitada bem-sucedida como colaborador de “O astro” e estava lançando meu primeiro livro e ela, simplesmente, ar-ra-sou como a hilariante empregada Marilda de “Fina Estampa”. Daquelas atrizes que agarram as oportunidades com unhas e dentes e fazem maravilhas com o que possuem, foi crescendo a cada capítulo até se tornar um dos destaques positivos de “Fina Estampa”. E isso é só o começo. Sei que vem mais coisa boa por aí. Mas, por hora, fiquem com essa deliciosa e, por que não dizer, emocionante entrevista. Ela fala sobre o longo caminho que percorreu, dos colegas de trabalho e de suas cenas favoritas de Marilda. Katia também se revela uma noveleira de mão cheia, destacando suas novelas e atores favoritos. Sua trajetória e garra mostram que ela veio pra ficar. Senhoras e senhores, melão orgulhosamente apresenta... Katia Moraes

Apesar de ser sua estreia na televisão, você possui uma carreira longa em teatro.  Destacaria algum trabalho favorito?
O meu trabalho favorito é e sempre será a Marilda de FINA ESTAMPA. Nenhuma personagem me trouxe tantas alegrias na vida e no "palco" como ela. É claro que me apaixonarei de novo e virão novos amores. Mas o meu primeiro amor, que me fez ser reconhecida pelo povo e pela crítica, foi ela. Amo a todas as minhas personagens, mas antes da Marilda destaco a Margarida, do Musical "Muito Barulho por nada", de Shakespeare. Foi um trabalho maravilhoso e que tudo me ensinou. Fiz parte do Grupo de Teatro Mosaico e ficamos com essa peça por três anos, viajando o país todo e com quatro temporadas bem-sucedidas no Rio de Janeiro. 

Como foi sua trajetória até chegar na Marilda de “Fina Estampa”? Fez muitos testes?  Já desanimou alguma vez?
A trajetória foi longa, comecei a estudar teatro aos 16 anos no Tablado, mas tive a sorte de estudar numa escola que tinha Artes Cênicas no quadro curricular. Então, o exercício começou quando era criança. Passei por muita coisa, minha estreia com temporada num teatro (O extinto Teatro de Lona da Barra e Anfiteatro do Morro da Urca) foi aos 19 anos como protagonista num infantil premiado chamado "Flor de Maio", onde fiquei cartaz por um ano. Fiz também um ano do preparatório da CAL. E muitas apresentações isoladas (como todo ator no início da carreira) pra citar umas: no Circo Voador, na campanha do Betinho com um grupo que se chamava Prato Feito. Veio a época do vestibular e prestei pra Artes Cênicas (lógico - risos) na UNI-RIO, onde me formei em Interpretação. Logo que entrei pra faculdade tive o privilegio de ser convidada pra integrar um grupo de teatro que eu amava (Teatro Mosaico), onde fiquei por três anos e tudo aprendi, como já relatei acima. Nós varríamos palco, montávamos cenário, nos maquiávamos e passávamos nosso próprio figurino. Além de cantar, tocar instrumentos e dançar. Ganhamos muitos prêmios em vários festivais desse Brasil todo, além das temporadas bem-sucedidas no Rio de Janeiro (Espaço dos Correios, Casa de Cultura Estácio de Sá, SESC Copacabana e Teatro Gláucio Gil). Depois o diretor-produtor do grupo voltou para o Mato Grosso do Sul, sua terra natal, e eu integrei mais cinco grupos diferentes. Um com temporada no Teatro da ABL (O Alienista), outro fazendo teatro de rua na Central do Brasil e em praças (chamado Tupinambás Urbanos), outro excursionando pontos da orla da praia (A Presença Cia de Teatro), outro fazendo temporadas em shoppings (Macacos de Imitação- era uma ralação!), outro onde eu também era produtora, e fiquei cartaz na Sala Paraíso do Teatro Carlos Gomes, dentro do projeto Nova Dramaturgia do Roberto Alvim, com a peça "Três Contos de fé ou Os Bons para o Inferno" de Fernando Borba. Além de der dado muita aula em ONGs como a Ação Comunitária do Brasil. É importante dizer também que durante as práticas de montagens na UNI RIO, aprendi com grandes mestres como Léo Jusi e José Renato. 

Bom, cada qual com seu cada um (risos), e a verdade é que vida de ator não é bolinho não! Eu tinha um sonho que era ser descoberta no teatro. Venho de uma geração onde ainda era possível se sonhar com isso. Mas a coisa não é tão simples e enfim, o mundo mudou, os recursos mudaram e pra estar em boas produções, ou seja, ser patrocinado, é fundamental que se tenha visibilidade. E isso não é tarefa fácil. Fiz alguns testes, mas não muitos, porque a verdade é que nem sempre os testes (nem vou comentar de televisão!) em teatro são abertos a todos (e nem daria devido a tanta gente no mercado). Por tudo isso, pensei, sim, em desistir muitas vezes, mas sempre vinha alguém que me trazia de volta. Como aconteceu agora em FINA ESTAMPA e foi assim também quando entrei em cartaz pela primeira vez. Não dá pra fugir do destino, e mesmo dizendo que pensei em desistir, a verdade é que nunca desisti dele.  

O que te atrai em um personagem?
O fato dele ser um personagem (risos). Quem são os personagens? São retratos de nós, que estamos aqui, ali e em toda esquina. Todos têm uma característica mais forte, que pode ser mais explorada. E eu gosto disso, de explorar as características deles. 

Como surgiu o convite para atuar em “Fina Estampa”?
Bom, num desses momentos precisando me sustentar e não me ausentar da minha carreira, fui fazer licenciatura. Eu fui professora de Artes Cênicas do Município do Rio de Janeiro por quatro anos. Sai de lá e fiquei, sabe? Sem rumo... Até que apareceu o Aguinaldo na minha vida. Eu estava passando roupa quando ele foi no Sem Censura falar da Martes Class. Eu não passei, enfim, também gosto de escrever e como disse, estava sem perspectiva. Mas a partir daí fiquei o acompanhando, me apaixonei mesmo. 
Pra encurtar a história, o Aguinaldo me observou numa palestra que ele deu sobre dramaturgia. E no dia seguinte me chamou pra fazer um teste pra novela dele. Coisas que não tem explicação, como ele mesmo me disse no lançamento da novela: "Estava escrito". E Vitor, simplificando a análise, não tem explicação, ESTAVA ESCRITO! 

Katia caracterizada de Marilda de "Fina Estampa"

Sua personagem em “Fina Estampa” começou praticamente muda em cena e, aos poucos, foi ganhando espaço até cair definitivamente nas graças do público com suas ótimas tiradas e suas caras e bocas. Que estratégias você usou para isso? Se inspirou em alguém ou em algum personagem para compor a Marilda?
Não. Eu me inspirei no texto. Quando a gente lê um livro, a gente não imagina a personagem citada? Foi exatamente assim. Quando eu recebi os textos, o que eu percebi? A patroa da minha personagem era vilã. Então, ela deveria temer a ela. E assim fui. Teve uma cena em que Marilda entrava em cena e dizia somente isso: "Chamou, Dona Tereza Cristina?" Mas creio que Marilda demonstrou tanto medo, que "Tereza Cristina" criou a cena da Marilda se escondendo por trás da pilastra. Assim as coisas vão, é uma troca eterna. A Marilda foi tomando conta de mim, vivenciando tudo, dia apos dia, como numa novela (risos). 

Como foi a recepção dos atores veteranos à sua chegada e como está sendo o processo de trabalho em conjunto?
A primeira cena que gravei foi com a Lília Cabral, ela me recebeu lindamente. Foi logo batendo texto comigo e quando acabou a cena me deu um lindo abraço de boas vindas, que jamais esquecerei. O processo de trabalho foi sempre muito intenso como vocês puderam ver na tela, nós todos estávamos realmente apaixonados e entregues completamente as nossas personagens. Então a troca era intensa tanto no ensaio quanto na gravação. A Christiane Torloni foi extremamente generosa comigo e devo muito a ela também. De cara, na nossa primeira cena, ela sugeriu ao diretor me dar um susto atrás da pilastra. E essa cena fez a Marilda, minha personagem, ir pra chamada da novela, antes dela entrar no ar. Então, nossa sintonia foi imediata e tudo indicava de prima que daria certo como deu. Ela é minha musa eterna. 

Katia em cena com Christiane Torloni
Tem alguma cena favorita da Marilda? Qual?
Tenho algumas, várias! kakakakaka! Tem a primeira, que foi quando a Marilda abriu a boca mesmooooo (risos). Que foi a primeira mostra de quem era a Marilda. Ela falava sozinha, quando a Tereza Cristina saia de perto, insinuando que o Seu Rêne tava era pulando a cerca. (risos) Marilda adorava isso. Ela dizia, puramente, as maldades que todo mundo estava pensando (risos). Nessa cena, os câmeras ficaram todos felizes, comentaram, foi o maior barato! Ninguém esperava, né? (risos) Ela a principio sempre com medo da outra, de repente soltar essa. A segunda foi logo depois, foi numa cena com o Crô, e lembro até hoje a fala: " Não é porque a rainha saiu, que você vai bancar a princesa!" , simplesmente o estúdio foi abaixo de tanta risada. Nessa cena, eu ganhei a Marilda. Lembro como se fosse hoje, o diretor, meu grande parceiro Ary Coslov, virou-se, quase em câmera lenta, me olhou e quase que me disse com o olhar: "Vai, que é sua! Pode brincar!" Outra, foi uma que amo demais, Chapliniana como gosto. Foi dirigida pelo Marcus Figueiredo, e de uma criatividade ímpar. A cena era pra o Antenor entrar na casa, ponto. Mas pra isso, Marilda tinha que sair e deixar a porta aberta. Pois ele criou toda uma mise en scene pra mim. Carregar sacos de lixo, reclamar, limpar as mãos, enfim, AMO ESSA CENA!!!!! Ele me deu OPORTUNIDADE de ser Chaplin TOTAL (e eu sou chegada nisso, risos)! E lógico, claro e evidente a minha maior cena foi: A VINGANÇA DA MARILDA! Dirigida pelo Marco Rodrigo, que foi um parceirão. Tem a cena da faca, que o Wolf criou, foi a primeira vez que vi um diretor criar cena pra mim. Foi muita coisa boa!

Você é noveleira? Se sim, quais suas novelas e atores favoritos?

Roque Santeiro: uma das novelas favoritas
Mega, hiper, totalmente noveleira. Eu amo novela e assisto todas, quando posso. Fico passada com ator que diz que não vê e não gosta de novela, como assim? (risos) Bom, eu amo novela e todos os autores, mas não dá pra citar de todos, então citarei algumas, as que por algum motivo me marcaram: FINA ESTAMPA, ROQUE SANTEIRO, VALE TUDO, PANTANAL e PÁGINAS DA VIDA . ROQUE SANTEIRO é a novela, e anseio, desejo, faço mandinga e mangalô três vezes pra que invistam em novelas desse gênero novamente. Claro que não temos mais o genial Dias Gomes, mas temos o genial Aguinaldo Silva, que escreveu a novela junto a ele, e que provou agora com FINA ESTAMPA o quanto o povo gosta desses personagens farsescos (ambientados no urbano), aliás TIETA, é outra das minhas favoritas. VALE TUDO, era outra com personagens muito bem definidos num ambiente urbano, e Maria De Fátima Forever, merecia final feliz assim como Tereza Cristina. PANTANAL é lindooooooo!!!!! Não sei se sou do mato, acho que sou (sou sim), mas nossa, eu vivia aqui lá só de assistir. E PÁGINAS DA VIDA foi num momento muito especial da minha vida, eu estava grávida, adoro aquelas conversas na cozinha refletindo sobre a vida das novelas do Manoel Carlos, eu quase que converso com as personagens (risos). Amei AMÉRICA, mas fiquei brava no final porque a Sol não terminou com o Tião (sou careta pra cacete com isso, pra mim casal que começa se amando na novela tem que terminar junto, e ponto final. risos). A única vez que abri exceção foi pro Giovanni Improtta, em Senhora do Destino, e não abri agora não, pro Guaracy. O ator é maravilhoso, mas eu queria Grizelda com Renê. adorava a Norminha da grande Dira Paes EM CAMINHO DAS ÍNDIAS. E A FAVORITA foi maravilhosa. No final eu aplaudi de pé, sério mesmo! Estava minha irmã e meu marido em casa e eu levantei pra aplaudir, mas confesso que ela me cansou no meio, não gosto de vilão que se dá bem demais. 
Atores favoritos tenho muitos, então citarei minhas musas e musos que me receberam: Eva Wilma, Christiane Torloni,  Lilia Cabral e José Mayer. Te mete? Contracenei com todos eles! Mas vou citar outra que jamais conheci e simplesmente amo o trabalho: Drica Moraes.

Que famoso personagem televisivo você teria vontade de interpretar?
Sem dúvida alguma a Marilda de FINA ESTAMPA (risos). Engraçado isso, mas sempre fui tão expectadora que nunca tive isso, de assistir uma personagem e querer interpretá-la (mentira, imitava todas as personagens da Regina Casé, nas aulas de teatro). Salvo duas vezes, uma, que foi a personagem que me fez querer fazer novela, eu tinha 7 anos. A culpada de tudo foi Elizabeth Savalla, com sua Carina, uma bailarina na novela PAI HERÓI, era minha brincadeira predileta imitá-la. E outra, é claro, a maravilhosa Perpétua interpretada pela grande Joana Fomm. Adoro também Dona Pombinha de Roque Santeiro. 

Carina (Elizabeth Savalla) em "Pai Herói" (1979):  inspiração
Já tem novos projetos após o final da novela?
SIM!!!!!!!! Meu monólogo "A REZA O RISO" DE FERNADO BORBA. Vamos excursionar pelo país e E ABALAR BANGU! QUANTO A TV, EU VOLTAREI!!!!!!!!!! KAKAKAKAKAKAKA!!!!!!

Katia, querida, muitíssimo obrigado por sua gentileza em conceder a entrevista, ainda mais nessa reta final da novela em que o tempo é bastante escasso. Saiba que fiquei muito feliz com todo esse sucesso que você está fazendo. Quem diria que, há pouquíssimo tempo atrás, estávamos voltando juntos de um evento cheio de sonhos e agora estamos conseguimos realizá-los. Te desejo muito mais sucesso e tenho certeza de que você tem uma carreira brilhante pela frente. Beijo carinhoso com gostinho de melão!

UM BEIJO ENORME PRA VOCÊ!!!! Lembro bem disso, cheio de sonhos e logo depois você foi colaborador do O ASTRO e eu atriz de FINA ESTAMPA. A vida foi boa pra gente e a gente tem que comemorar!!!!!. 

Katia e eu em "momento ternura"
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