Relações familiares e amorosas também foram abordadas com bastante competência e sensibilidade em “O salvador Da Pátria” (1989).
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Marina e João: paixão avassaladora |
Quando se fala de “O salvador da pátria”, novela de Lauro Cesar Muniz, escrita com Alcides Nogueira e Ana Maria Moretsohn (que emendou este trabalho com "Tieta"), com direção geral de Paulo Ubiratan, a lembrança que vem à tona é a trajetória do simplório boia-fria e sua impressionante escalada, de analfabeto à prefeito de Tangará (e, por um triz, presidente do Brasil). Usado como massa de manobra pelos políticos locais, Sassá Mutema (Lima Duarte, magistral) ganhou popularidade e o amor da doce professorinha Clotilde (Maitê Proença), por quem nutria um amor platônico desde o início da trama. No entanto, há outros aspectos da novela pouquíssimo lembrados, mas que também merecem destaque.
Apesar da forte temática política, Lauro César Muniz também abordou com extrema competência as complexas relações amorosas e familiares dos personagens, sobretudo das famílias dos dois poderosos da cidade e inimigos políticos: Severo Blanco (Francisco Cuoco) e Marina Cintra (Betty Faria). O entrecho criado por Lauro tinha tudo pra cair no clichê: o filho de Severo, Sérgio (Maurício Mattar) apaixona-se por Camila (Mayara Magri), filha de Marina. Mas o que poderia ser mais um insosso “Romeu e Julieta” tornou-se algo interessantíssimo, já que os personagens estavam longe de serem rasos. Eram complexos, falhos, logo, humanos.
Camila não era uma tradicional mocinha inocente. Pelo contrário, liberadíssima sexualmente, a moça teve vários romances no decorrer da trama, inclusive chegando a confessar à mãe que gostava dessa vida, quando esta lhe pediu satisfações por ter passado três noites fora de casa na companhia de três homens diferentes. Marina conversava sobre sexo abertamente com as filhas Camila e Alice (Suzy Rego), que também tinha uma atribulada vida amorosa. As duas chegaram, inclusive a dar em cima de João/Miro (José Wilker), pretendente da mãe.
Sérgio também não era nenhum santo. Casado com Sílvia (Alexandra Marzo), ele hesitou bastante em abandoná-la para assumir seu amor por Camila. Severo tinha um caso extraconjugal com Marlene (Tássia Camargo) e a relação dos dois era sabida e tolerada por Gilda (Susana Vieira), esposa de Severo. Mas a filha do casal Rafaela (Narjara Turetta, em ótimo momento), com fixação pelo pai e inconformada com a hipocrisia da família, fez de tudo para desmascará-lo. Reprimida sexualmente, Rafaela se casa com Régis (Eduardo Galvão) e tem muitas dificuldades de se entregar a ele. Sequelas do casamento dos pais em uma trama muitíssimo bem construída pelo autor.
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Marina (Betty Faria) e Lauro (Cecil Thiré) : relação franca |
Marina, por sua vez, tinha um relacionamento com Lauro (Cecil Thiré). E em uma das cenas mais ousadas que já assisti, impossível para os caretíssimos dias de hoje, Marina confessa ao amante que fingiu prazer em todas as relações sexuais e que jamais chegara ao orgasmo com ele. Sem sensacionalismo ou apelação, a cena foi delicada e verossímil. Mais tarde, ao se envolver com o misterioso João, Marina, enfim, encontrava o prazer. Interessante que Betty Faria emendou essa novela com “Tieta”, que foi um verdadeiro furacão, mas as personagens eram muitíssimo diferentes. Marina era uma viúva de maia idade, ainda bela, mas com uma sensualidade contida que em nada lembra a esfuziante cabrita do Agreste. Betty soube construir uma Marina com nuances e sutilezas. Uma mulher dura que aos poucos ia redescobrindo o prazer e o amor nos braços de João.
Conhecido por suas tramas essencialmente masculinas, Lauro César Muniz mostrou ser ótimo conhecedor do universo feminino através dos anseios de Marina, Camila, Gilda, Rafaela e Alice e construiu diálogos primorosos, junto com Alcides e Ana Maria, colaboradores da novela na época, distantes de qualquer esquematismo ou maniqueísmo, onde tudo era dito às claras, sem didatismo nenhum, de maneira bastante natural. Os personagens da novela eram riquíssimos de qualidades e defeitos, longe de estereótipos e da tão manjada polaridade “bem contra o mal” que assola as novelas mais recentes.
Enfim, que Lima Duarte deu um show à parte com Sassá Mutema ninguém contesta. Mas é importante que “O salvador da Pátria” também seja lembrada como uma novela ousada, que abordava as relações amorosas e familiares de maneira crítica e consistente, moderna para a época e praticamente impossível para os dias de hoje com a constante patrulha moralista que ronda nossa teledramaturgia. Que o Canal Viva se lembre de reprisar essa novela, que merece ser vista pelo telespectador atual.
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Francisco Cuoco e Susana Vieira: o mulherengo Severo e a submissa Gilda. ___________________________________________________________________ |