sábado, 28 de agosto de 2010

Série Memória Afetiva: Minhas minisséries favoritas

                                                                                                                                                                 
Nunca é demais esclarecer que minhas listas não têm a pretensão de representar a opinião do senso comum. Muito pelo contrário: são sempre muito particulares. E no caso das minisséries, dizer quais foram as melhores seria uma tarefa hercúlea, pra não dizer impossível, visto que a qualidade da maioria delas é algo indiscutível. Portanto, trata-se, não das melhores, mas das que mais me marcaram como telespectador ou que me comoveram de alguma forma, seja pela inegável qualidade, seja por aludir a boas lembranças. Com o coração apertado, sinto muito ter que excluir produções que amei como “Tenda dos Milagres”, “JK”, “Os Maias”, “Desejo”, “A muralha”, “Engraçadinha”, “Lampião e Maria Bonita”, “Memórias de um gigolô” que, desde já, representam menções honrosas, além de tantas outras com as quais já estou sendo injusto logo de cara. Meu critério foi puramente emocional e afetivo como sugere o título. Vamos a elas:



10) RIACHO DOCE (1990)

Impossível não ouvir os primeiros versos de “O que é o amor?” cantado por Selma Reis e não lembrar das belíssimas e ensolaradas paisagens de Fernando de Noronha. Inspirada na obra de José Lins do Rego, a minissérie trazia uma Vera Fischer luminosa, bela, cativante, que enfrentava a tirania de Vó Manuela (Fernanda Montenegro sempre impecável) na luta por seu amor por Nô (Carlos Alberto Ricceli), sedutor neto da curandeira vivida por Fernanda, cujo corpo era fechado. Todas as mulheres que se envolviam com ele tinham um destino trágico traçado por Vó Manuela. Lembro que, aos 13 anos, fiquei impressionadíssimo com o triste destino de Terezinha (Denise Milfont), que se atirou de um rochedo e passou toda a minissérie coberta por um pano que escondia seus terríveis ferimentos que nunca eram mostrados, mas que chocavam a todos que viam. E aquilo que a gente não vê talvez impressione mais, já que a imaginação constrói as mais terríveis visões. Denise Milfont em belíssimo trabalho, tendo como recurso apenas o olhar, mas mesmo assim garantindo uma ótima e intensa interpretação. Uma minissérie bonita, romântica, que enche os olhos e prende a atenção.



9) LABIRINTO (1998)

 O irresistível estilo de Gilberto Braga ao narrar a elegante decadência da sociedade carioca agora transposto para uma minissérie eletrizante cheia de mistério, agilidade, sensualidade e ótimas interpretações. Fabio Assunção esteve muito bem como o jovem André que, acusado de assassinar o empresário Otacílio Martins Fraga (Paulo José) em plena noite de réveillon (ótimo isso!), precisa, ao mesmo tempo, provar sua inocência e descobrir o verdadeiro assassino. Antonio Fagundes emprestou o charme de sempre ao vilão Ricardo. Mas quem brilhou pra valer foi o elenco feminino: Malu Mader excelente como a descolada e sedutora garota de programa Paula Lee; Luana Piovani, como a sonsa patricinha Virgínia; Betty Faria, como a sensual e perigosa Leonor, viúva de Otacílio e amante de Ricardo; Isabela Garcia, impagável alívio cômico na pele de Yoyô, perua fútil e engraçadíssima, alheia a tudo, cujo único objetivo era figurar entre as dez mais elegantes; e principalmente, Alice Borges, que arrasou como a devoradora de homens Nietinha, desprovida de beleza física, mas com uma autoestima de dar inveja a muita gente. No final descobre-se que Otacílio fora assassinado pelo próprio filho, Júnior (Marcelo Serrado). Uma minissérie deliciosa, com um quê de noir, mas, sobretudo, cheia de humor inteligente e sarcástico. Uma pena que ainda não esteja disponível em DVD.


8) RABO DE SAIA (1984)

 “O chamego dá prazer, o chamego faz sofrer, o chamego ás vezes dói”... Esse delicioso forró era o tema de abertura e convidava o espectador a embarcar nas aventuras do caixeiro viajante Quequé (Ney Latorraca, excelente), que tinha três esposas, cada uma em um estado diferente do nordeste: a religiosa Santinha (Lucinha Lins, belíssima), a fogosa Nicinha (Tássia Camargo, um pitelzinho) e Eleuzina (Dina Sfat, ah Dina Sfat, que dispensa qualquer apresentação!). Quequé, mesmo cafajeste, conquistou o público, pois além do carisma do ator, o personagem era delicioso e demonstrava amar de verdade suas três mulheres. Uma minissérie que deixou muita saudade, principalmente pela presença sempre magnética de Dina Sfat, aqui no auge de sua maturidade, esbanjava o talento de sempre, emprestando uma vitalidade e uma sensualidade genuína à sua Eleuzina. Mais suspiros por Dina, com uma imensa saudade que parece nunca cessar...


7) O TEMPO E O VENTO (1985)

 As lembranças dessa minissérie parecem datar da origem de minhas memórias televisivas, embora com 8 anos, já tinha assistido a muita coisa, mas me lembro dessa obra como uma das primeiras coisas que realmente me arrebataram. A música linda e marcante de Tom Jobim, os personagens grandiosos da obra de Érico Veríssimo, o grandioso elenco, enfim... lembro de assistir com a minha tia e ela, encantada com a saga de Ana Terra (Glória Pires, mostrando-se grande), a minha fase favorita da história. Aliás, não entendi o porquê de suprimirem, tanto nas reprises, quanto no DVD a fase “A Teniaguá”, com Carla Camuratti e Lilian Lemmertz. Outro arrebatamento que tive foi com a interpretação de Lélia Abramo, como Bibiana no final da vida. Mesmo não entendo muito os porquês, ali já fiquei fascinado e certo de que se tratava de uma grande atriz. Um momento vergonha própria: meu bairro de infância era muito arborizado e confesso que brincava de Capitão Rodrigo (Tarcisio Meira) a galope do meu cavalinho de pau... (risos de vexame)! E meu encantamento resistiu ao tempo, já que assisto ao DVD com o mesmo prazer da primeira vez.


6) GRANDE SERTÃO: VEREDAS (1985)


Naquele ano de 1985, considerado por muitos como o ano de ouro das produções globais (Roque Santeiro, Ti Ti Ti, A gata comeu...), essa pérola me escapou. Ao contrário de “O tempo e o vento”, que consegui assimilar e me envolver, acho que a obra de Guimarães Rosa é por demais complexa para uma criança de 8 anos. Mas revendo a minissérie em DVD recentemente, me redimi dessa falta e pude constatar e corroborar o que muitos consideram primoroso. Tony Ramos dando o eventual show como o protagonista Riobaldo/Tatarana. Mas as surpresas ficam por conta de atuação de alguns atores que, nem sempre, têm grandes oportunidades de mostrar sua versatilidade na TV como Yoná Magalhães em participação especial e intensa como Maria Mutema e Tarcísio Meira, como o grande vilão, Hermógenes. Mas o grande destaque foi Bruna Lombardi em uma impressionante composição de Reinaldo/Diadorim. Um trabalho irretocável que não deixa dúvidas da grande atriz que ela é. Durst e Avancini nos presentearam com esse primor e conseguiram traduzir a grandiosidade da obra de Guimarães Rosa, que vai muito além da temática regionalista. A minissérie soube transpor a universalidade e complexidade de sentimentos: o sertão dentro de cada um de nós, particular e infinito. Obra-prima!


5) HILDA FURACÃO (1998)

 Essa minissérie tem muitos ingredientes que me agradam: os irresistíveis anos 50, o saboroso sotaque mineiro, o universo do baixo meretrício, grandes atores, ótimo texto, trilha sonora irresistível com destaque para “Resposta ao tempo”, lindo sucesso de Nana Caymmi, e a beleza estonteante de Ana Paula Arósio, estreando com o pé direito nas produções globais. O tema da menina de sociedade que vira prostituta às portas do casamento, causando furor na conservadora Belo Horizonte e ainda encantando o jovem seminarista considerado santo é um convite irrecusável para se assistir à minissérie. Soma-se a isso grandes interpretações como a de Matheus Nachtergaele, impagável como o travesti Cintura Fina; Rosi Campos como a bruta de imenso coração, Maria Tomba-Homem; Paloma Duarte exalando singeleza como a doce prostituta Leonor, Walderez de Barros, Stenio Garcia, Zezé Polessa, Debora Duarte, Claudia Alencar, Eva Todor, Rogério Cardoso, todos em grandes momentos e... Paulo Autran, um luxo para qualquer história!!! Thiago Lacerda também debutava como o galã que sonhava com Hollywood, Aramel Belo; e Danton Mello, excelente como o próprio autor Roberto Drummond, era o fio condutor da trama. Uma história de amor bonita e incomum, que se sintetiza na frase dita pela cartomante vivida pela ótima Arlete Salles: “o que Deus risca, ninguém rabisca”.


4) O PRIMO BASÍLIO (1988)

 Excelente versão televisiva do mais famoso livro do célebre escritor português Eça de Queirós. Gilberto Braga e Daniel Filho conseguiram transpor com muita fidelidade o universo queirosiano, retratando com perfeição a conservadora e hipócrita Lisboa do século XIX, aqui representada pela classe média através do casal Luísa e Jorge (Giulia Gam e Tony Ramos). A protagonista Luísa, uma personagem romântica deslocada em uma saga realista, que vê sua tranquila e ordinária vida ruir após o romance com o sedutor e mau-caráter primo Basílio, foi vivida com muita verdade e intensidade por Giulia Gam. O time de atores coadjuvantes também é excelente, com destaque para Beth Goulart, como a mal falada amiga e fiel escudeira Leopoldina, que pagava um alto preço por sua liberação sexual. Marília Pera, impressionante e inesquecível como a grande antagonista da trama, a amargurada e cínica criada Juliana, entrou para a galeria das grandes vilãs da teledramaturgia, mesmo se tratando de uma minissérie. Sua interpretação foi magnífica e nos fez, ao mesmo tempo, sentir ódio e fazer rir com o sarcasmo e cinismo que emprestou à criada que chantageava e maltratava a patroa. A triste condição da natureza humana estava ali representava. Eça em sua essência.


3) UM SÓ CORAÇÃO (2004)

 Uma superprodução com todos os ingredientes para atrair o público: paixão, heroísmo, guerras, batalhas, requinte e conflitos familiares. Esses ingredientes por si já seriam suficientes para se ter uma grande história. Quando essa história é a própria história da São Paulo da primeira metade do século XX então, fica irresistível, pra não dizer, obrigatório. Revoluções, Semana de Arte Moderna, imigração, coronelismo, golpes políticos, ou seja, um universo muito rico que tem como fio condutor a vida de Yolanda Penteado, grande e fascinante mulher que representa por si só todo esse espírito paulista de aventura, requinte e modernidade. Talvez Yolanda seja a grande interpretação de Ana Paula Arósio na TV, perfeita em todas as fases da trama. Além de lindíssima e do porte de grande estrela, Ana Paula aqui nos oferece uma interpretação, ao mesmo tempo grandiloquente nas cenas mais densas e sutil nos pequenos gestos, nas pequenas reações. É isso o que faz a diferença entre um bom ator e um ator espetacular. Revendo a minissérie, não pude deixar de me emocionar com a sequência da morte da menina Érica (Tamara Ribeiro), morta com um tiro durante a Revolta Paulista de 24. Grande momento de Ana Paula Arósio e Lu Grimaldi, que vivia a mãe da menina. Alguns equívocos de escalação não apagaram o brilho de um grandioso e excelente elenco, do qual seria até injusto citar alguém. Direção exemplar, reconstituição de época acurada e perfeita, texto inspiradíssimo e personalíssimo de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira que deixa transparecer todo o amor e gratidão pela Paulicéia Desvairada da qual fazem parte. Um belíssimo presente à cidade de São Paulo e a todo o público.


2) ANOS REBELDES (1992)

 Recentemente, com a publicação do roteiro completo da minissérie, pude rever e me deliciar mais uma vez com essa obra-prima de Gilberto Braga. Reproduzo aqui o texto que eu mesmo publiquei na ocasião sobre a produção: “Quase 20 anos depois de sua exibição, a minissérie continua atual, ágil, cheia de frescor, enfim, uma obra que nunca envelhece. Desde às desventuras amorosas dos jovens Maria Lucia e João Alfredo (Malu Mader e Cássio Gabus Mendes) aos dilemas da bela e rica Heloísa (Claudia Abreu), a vida de todos é afetada pelas significativas mudanças de costumes da época e pelo repressivo regime político imposto pelo golpe militar de 64. Personagens inesquecíveis e atuações preciosas (como é bom ver Betty Lago linda, luminosa em sua estreia na TV fazendo drama). (...) todo o elenco está sensacional. E fica clara a sintonia do autor com Dennis Carvalho, perfeito na direção. Repleto de cenas bem feitas e emocionantes”. Acrescento a esse fragmento de texto, a meticulosa reconstituição, não só da época, como também dos fatos que marcaram aquele período e a perfeita costura desses fatos com o acontecimento da trama. Malu Mader perfeita e Claudia Abreu inesquecível. De fato, um momento ímpar, não só na teledramaturgia, mas para a cultura de nosso país como um todo.


1) ANOS DOURADOS (1986)



 Se tivesse que eleger aquela história que eu gostaria de ter escrito, respondo sem pestanejar: Anos Dourados, minha favorita sempre! Mais do que uma delícia de minissérie, uma grande inspiração com grande influência no fascínio que tenho por histórias da década de 50. E em “Anos Dourados” tudo está ali: o romantismo, as canções, a beleza, a hipocrisia, o charme, o conservadorismo e, sobretudo, uma encantadora inocência. A história de amor batida, mas irresistível de Marcos e Lurdinha (Felipe Camargo e Malu Mader) e toda a sua progressão no decorrer da trama nos faz suspirar até hoje. Além disso, temos uma ótima e elogiada Betty Faria como a desquitada Glória, mãe do protagonista, que sofria o preconceito da sociedade da época. A relação franca e cheia de afeto entre mãe e filho é um dos pontos altos da trama. Taumaturgo Ferreira e Isabela Garcia, como um picante casal, fizeram perfeito contraponto com os protagonistas. Por fim, mais um show de interpretação da grande e saudosa Yara Amaral. O texto delicioso de Gilberto Braga na boca de uma atriz de mão cheia como Yara, na pele da hipócrita Dona Celeste, é pra ser apreciado de joelhos. Não canso de assistir a “Anos Dourados” e me encanto sempre com o vocabulário, os modos e costumes, a elegância e o deslumbramento dessa época que e inesquecível na vida de muita gente.


E vocês? Quais suas minisséries favoritas? Compartilhem suas lembranças!

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Betty Faria: estrela de primeira grandeza - Entrevista mais que especial!

                                                                                                                                                                   


2010 é mesmo um ano de realização de sonhos. Não bastasse todas as conquistas do melão, todas as pessoas bacanas que cederam entrevista, agora, além de ser uma honra para o blog, é a verdadeira glória para o blogueiro. Sinceramente, nesse momento, jogo a técnica para o alto e me deixo levar puramente pela emoção, pois nunca pensei que um dia fosse ter o privilégio de entrevistar simplesmente minha atriz favorita de todos os tempos.

Musa do melão de qualquer estação, uma das maiores estrelas da TV com mais de 30 novelas e sinônimo de talento, beleza e alto astral, Betty Faria, muito carinhosamente, nos fala sobre sua vida, sua carreira, sua vida de blogueira e muitos outros assuntos. A atriz se incomoda com a onda politicamente correta e declara que o Brasil encaretou, revela quais são os autores que gostaria de trabalhar, rejeita a tese de que faltam bons papéis para veteranos e relembra personagens inesquecíveis como Tieta, Lucinha e muitas outras.

Enfim, além dos autores, o melão agora abre um novo ciclo: entrevistas com atores e atrizes. E a primeira delas não poderia ser outra senão a maravilhosa BETTY FARIA! Estrela de primeiríssima grandeza e ser humano ímpar!




Inevitável não começar pelo início (risos!). Você já deve ter respondido isso muitas vezes e, inclusive, já contou em sua biografia “Rebelde por natureza” lançada pela Imprensa Oficial, mas conte-nos como tudo começou. Como aquela filha única de militar que estava destinada a ser uma bailarina enveredou pela carreira de atriz?
BETTY- O ballet foi a porta que abri no show business, mas não me realizava. Eu queria ser uma atriz que cantava e dançava. Batalhei muito fazendo cursos de teatro, conhecendo pessoas, pedindo oportunidades e chance para fazer testes, que foram muitos, até que consegui um papel na comédia “As Inocentes do Leblon” e passei no teste para o filme “Amor e Desamor”.


 Você esteve no elenco de muitas novelas de Janete Clair e até contou no espetáculo “Betty.doc” que ela foi sua fada madrinha, sobretudo lhe deu muitas chances em seu início de carreira e lhe presenteou com personagens inesquecíveis como a Lucinha de “Pecado Capital”. Quais são suas melhores lembranças da autora e das novelas dela em que esteve? Chegaram a ser amigas?
BETTY - Fiz algumas novelas de Janete, acho que cinco, e comecei com pequenos papéis que foram crescendo até chegar em “Pecado Capital”. Durante esse tempo, tive a sorte de ser reconhecida por ela, e nos tornamos amigas. Janete sempre foi muito carinhosa comigo. Um amor de pessoa, amiga e solidária.

Betty como Lucinha em "Pecado Capital" (1975). Na foto à dir. com a saudosa Elza Gomes

Tieta” foi um marco indiscutível em sua carreira. Você a compôs com uma propriedade tão grande e arrebatou o Brasil de tal forma que fica impossível imaginar a personagem na pele de outra atriz que não seja você. Além de utilizar as características da personagem escrita por Jorge Amado e adaptada para a TV por Aguinaldo Silva, quanto de Betty você emprestou a Tieta?
BETTY - Tieta tem a característica da pessoa que quer ser feliz, com talento pra isso. Acho que isso nós duas temos em comum, pois eu me esforço sempre para viver positivamente. Quando estudo um personagem e começo a fazer, empresto meu corpo e emoções pra ele. Então é o personagem, entende? Mas sou eu lá, “fazendo de conta”.





 
Uma cena marcante de Água Viva” (1980) foi a surra que sua personagem Lígia deu em Selma (Tamara Taxman) no banheiro de uma famosa casa de shows. Tanto que o autor Gilberto Braga repetiu a mesma situação anos depois em “Celebridade” (2003). A cena impressiona pelo realismo. Parece que você está batendo de verdade em Tamara. Foi difícil fazer a cena?
BETTY - Esse tipo de cena sempre preocupa, pois eu quero fazer com verdade, pra valer, e, ao mesmo tempo não machucar quem esta contracenando comigo. É o jeito de bater, a técnica, sem perder a concentração, motivação e emoção.





 “Incidente em Antares” é uma minissérie pouco lembrada, mas que contém atuações primorosas, dentre as quais destaco sua pequena, mas muito marcante participação. A cena em que sua personagem Rosinha pede que a personagem de Marília Pêra leve um recado pra Deus é das mais belas, singelas e líricas que já vi na TV. Como surgiu o convite para fazer a minissérie e que lembranças você tem dela?
BETTY - Paulo José me convidou. Em todos os trabalhos passamos por situações, às vezes, engraçadas, outras chatas, outras difíceis, mas nessa cena que você gosta, aconteceu uma coisa que todos da equipe que estavam lá, lembram até hoje. Estávamos nos preparando pra gravar , quando no fundo do cenário passou uma cadeira de rodas vazia. Não tinha ninguém sentado nem empurrando a cadeira. Ela simplesmente passou pelo cenário vazia andando, aliás, rodando. E ficamos estatelados, pois gravávamos num antigo leprosário desativado. Deu um medo! Nunca mais esqueci. Saímos de lá depois de concluído o trabalho, achando tudo que você pode imaginar. Foi forte!


Seu personagem mais recente na TV, a Amália Petroni de “Uma rosa com amor” mostrou uma Betty diferente do que o grande público está acostumado a ver pela TV, pois te deu a oportunidade de fugir do estigma de mulher sexy. Você acha que ela representou um divisor de águas em sua carreira?
BETTY - Mulher sexy nessa idade? É engraçado isso e lisonjeador, mas nem me passa pela cabeça. Fui compondo Amália com a idade dela (60anos) com a realidade que ela vivia com aquele marido, filhos, dureza de vida, e condição social. Gostei de fazer Amália, me diverti também muito com ela.

Betty como Amália Petroni em "Uma rosa com amor" (2010)


Você emprestou a Amália características de Shirley Valentine, personagem de sua atual peça que lhe rendeu uma indicação ao Shell?
BETTY - Shirley Valentine é totalmente diferente de Amália. Shirley estudou, Amália não. Shirley fala com as paredes de tanta solidão a dois, Amália sempre conformada e feliz com sua vidinha no cortiço, nunca questionou os rumos de seu casamento, fazendo doces pra fora e preocupada com a família. Shirley consegue dar a volta e sair da vida que lhe fazia tanto infeliz.

Betty em cena no espetáculo "Shirley Valentine"

Que autores de TV você nunca trabalhou e que deseja trabalhar algum dia? E dos que você já trabalhou, com quem gostaria de trabalhar novamente?
BETTY - Dos autores que ainda não trabalhei e quero algum dia fazer um trabalho posso citar João Emanuel Carneiro, Silvio de Abreu e Maria Adelaide Amaral. Eles são maravilhosos! Dos que trabalhei, posso citar Gilberto Braga, Gloria Perez e Aguinaldo Silva, claro, pois fiz muitos personagens lindos que ele escreveu.


Betty com Gilberto Braga, com quem trabalhou diversas vezes; e Sílvio de Abreu, com quem ainda não trabalhou

Tieta, Lucinha, Marina Cintra, Lazinha Chave de Cadeia, Mirandinha, Lígia, Jussara, Glória, Maria Maravilha, Lili Carabina, Walkiria... você costuma interpretar mulheres diferentes entre si, mas com uma característica em comum: são sempre mulheres fortes e batalhadoras que juntas podem formar um painel do imaginário feminino brasileiro. A que você atribui essa recorrência de personagens?
BETTY - Aconteceu. Não sei responder a essa pergunta direito.


Betty em cenas de "O espigão" (1974), "Partido Alto" (1984) e "A indomada" (1997).

Você é uma das poucas atrizes brasileiras que cantam, dançam e representam, ou seja, uma artista completa. Atrizes desse tipo são pouco valorizadas em nosso país? Por que?
BETTY - Hoje, com a frequência de grandes musicais no teatro, as atrizes que cantam e dançam já estão bem mais valorizadas.

Em sua premiada carreira no cinema, você teve oportunidade de encarnar personagens que explorassem mais sua versatilidade como nos filmes “Bye, bye Brasil”, “Romance da empregada”, “A estrela sobe”, “Chega de saudade”, entre tantos outros. Gostaria de trabalhar no cinema com maior freqüência? Quais são suas personagens favoritas?
BETTY - Gostaria sim de fazer mais cinema, mas isso não tem acontecido. É difícil dizer as personagens favoritas mas vamos lá: “A Estrela Sobe” (Leniza Mayer), “O Cortiço” (Rita Baiana), “Anjos do Arrabalde” (Dália), “Bye Bye Brasil” (Salomé) , “Romance da Empregada” (Fausta) e “Chega de Saudade” (Elza). Às vezes esqueço o nome dos personagens, por isso escrevi os títulos dos filmes.


Dois momentos de Betty no cinema: "Bye, Bye, Brasil" (1979) e "Chega de saudade" (2007)


E graças à sua carreira em cinema, você foi a representante brasileira do 38th AFI Life Achievement Award, na Califórnia em junho deste ano e teve a oportunidade de conhecer Meryl Streep. Como foi seu encontro com a atriz e o que você achou do evento?
BETTY - Foi um encontro muito agradável, simpático, conversamos muito e ela, Meryl ,me deixou a impressão de que é da “turma”. Uma atriz como todas nós. Foi uma delicia conhecê-la. O evento foi lindo, com homenagem a Mike Nichols, um grande cineasta e um cara agradabilíssimo, simples, inteligente e humilde. Ganhei 10 filmes dele e fiquei babando de felicidade. Todos que trabalharam com ele estavam lá, e foi uma noite de superstars. Um luxo! Momento inesquecível em minha vida. Valeu.


Betty Faria e Meryl Streep


 Na novela “O salvador da Pátria” (1989), sua personagem, Marina Cintra, protagonizou cenas ousadas como as que ela admitia não ter sentido prazer após uma transa ou falando sobre sexo abertamente com as filhas e outras situações inimagináveis hoje em dia em uma novela. Acha que a TV encaretou?
BETTY - O Brasil encaretou. É tudo muito politicamente correto. O que a mídia valoriza é o que vale, tipo celebridades que vão a todos os lugares, etc e tal, mas ninguém ousa transgredir ou dar uma opinião contrária ao comportamento padrão. ACHO UM SACO.

Em evento recente no CCBB, Regina Duarte declarou que não é mais chamada para atuar na TV com a mesma freqüência de antes e que, provavelmente, nunca mais fará uma protagonista. Você acha que a oferta de bons papéis diminui para os veteranos e por quê?
BETTY - O grande perigo e tentação dos contratos longos é esse: Virar móveis e utensílios de um lugar e se sentir desprestigiada. Faz mal à autoestima. Eu não posso me queixar, pois tenho feito nos últimos anos bons papéis. Então é sorte também, sei lá. Fernanda Montenegro está fazendo um papel maravilhoso

Você foi uma das celebridades que aderiu ao blog, que acabou servindo pra reunir num só espaço alguns de seus fãs, inclusive os que participam de sua comunidade no Orkut, carinhosamente chamados de “Família Betty”. O que te levou a criar um blog e que tal a experiência de blogueira?
BETTY - Fui convidada logo que começou o Bloglog e aceitei. Nunca me passou pela cabeça, mas fiquei tão feliz quando senti pessoas bacanas, carinhosas, trocando figurinhas comigo que agora não paro mais. Adoro a família Betty e me sinto orgulhosíssima por ter isso. Só acho que meu blog não bomba. Quando escrevi alguns assuntos polêmicos teve mais gente, mas também não estou a fim de escândalo, nem tomar porrada na rua. Então faço um blog light, bem comportado.


Betty com alguns de seus blogueiros ao final do espetáculo Shirley Valentine, no CCBB-SP.

 
 Em sua biografia “Rebelde por natureza”, você fala de sua vida com uma sinceridade e uma verdade poucas vezes vista em um livro, admitindo inclusive que cometeu muitos erros no passado e melhorou muito como pessoa. Isso é de uma humildade admirável. Foi o budismo que te trouxe essa serenidade?
BETTY - É um pacote. Uma pessoa que tenta se melhorar, tem que reconhecer seus erros, caso contrário fica velha chata, arrogante e burra. Claro que a filosofia budista, baseada na Causa e Efeito, tem o grande peso e valor.

Ainda explorando o título de sua biografia, quais as dores e delícias de ser “rebelde por natureza”?
BETTY - O preço altíssimo que se paga. Por isso que está todo mundo tão caretinha, arrumadinho e politicamente correto. Em 2010, ninguém mais ousa contestar. A minha rebeldia diz: Quanta hipocrisia!

Você é noveleira? Quais as novelas e personagens favoritos da Betty telespectadora?
BETTY - Sou noveleira e vejo tudo sempre que posso. Agora “Passione”, é minha favorita. Estou apaixonada por essa novela, mas estou gostando de “Ti Ti Ti”. Tem muita gente boa também.

Você recentemente comprou os direitos do musical da Broadway “Applause”. O que pode adiantar sobre o projeto?
BETTY - Ainda não da pra falar de Applause, pois tenho que resolver primeiro quem vai produzir, dirigir e traduzir. Acredito que mais um tempinho já terei uma posição a respeito.


No quadro “Arquivo confidencial” do Domingão do Faustão, seus filhos revelaram, de maneira muito emocionante, seu lado mãezona e você é frequentemente vista passeando com a neta por todos os lugares. Como é a Betty mãe, avó e mulher? O que gosta de fazer quando não está trabalhando?
BETTY - Gosto de ficar em casa, ir à praia, ao cinema, teatro e conversar com os amigos. Como mãe, avó e mulher, dou o meu melhor, mas não sei dizer como sou, pois corro o risco de ficar me elogiando e dizendo que sou bacana feito boba. Às vezes nem to agradando tanto assim, né?

Aliás, o público sente saudades de Alexandra. Ela tem planos de retomar a carreira?
BETTY - Tenho muito cuidado para não responder pelos meus filhos. Mas Alexandra hoje é uma astróloga ótima, adora e estuda com seriedade Astrologia, e acho que ela não gosta muito do meio artístico (que é competitivo, duro, com muita falsidade, lobbys, etc.). A sensibilidade dela nunca aceitou esse tipo de coisa. Talvez uma vocação maior aceitasse. Talento e estudo ela teve, mas, hoje ela está mais feliz com Astrologia. Quem sabe muda? A gente nunca sabe, né?

Querida, quero agradecer muitíssimo por seu carinho, paciência, disponibilidade e generosidade. Você está realizando, não só o sonho deste fã que vos fala, mas de muita gente que acompanha o blog que admira você e o seu trabalho. Agora mais do que nunca, é a MUSA DO BLOG!!! Parabéns, não só pela carreira vitoriosa, mas por ser essa pessoa com um talento enorme, não só na arte, mas também, como você menciona sempre, com um talento pra felicidade. Deixo sse espaço livre pra você falar o que quiser! O que não perguntei que você gostaria de dizer?
BETTY - Beijos muitos de Boa Sorte!

 
 
No vídeo abaixo, Betty canta "Esses Moços" para alguns de seus fãs:
 
 

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Blogueiro convidado: Thiago Henrick relembra "Baila Comigo"


                                                                                                                                                                   

 E o melão acaba de ganhar mais um correspondente especialíssimo. Diretamente da sucursal de Alagoas, Thiago Henrick que, além de um queridão, é um talento de rara sensibilidade, sobretudo musical. O rapaz mantém um ótimo blog chamado “EnTHulho” (www.enthulho.blogspot.com ) onde podemos encontrar os textos mais sensíveis e inspirados sobre música. Recomendo.

Além disso, Thiago também é telemaníaco de carteirinha e admirador das novelas de Maneco, dentre as quais, ele elegeu “Baila Comigo” (1981), novela de enorme sucesso que, mesmo depois de quase 30 anos, ainda permanece no imaginário popular. Mesmo quem não era nascido na época já assistiu pelos “Videos Shows” da vida a emocionante cena em que os gêmeo Quinzinho e João Victor (Tony Ramos em mais um magistral trabalho) se encontram. Estreia o autor no horário nobre como autor titular, foi nessa novela que surgiu a primeira Helena (a saudosíssima Lilian Lemmertz), liderando um elenco estelar que contava com nomes como Fernanda Montenegro, Reginaldo Faria, Raul Cortez, Betty Faria, Fernando Torres, Tereza Rachel, Christiane Torloni, Lidia Brondi, Beth Goulart, Natália do Vale, Arlete Salles, Fernanda Torres, Lauro Corona, Milton Gonçalves, Suzana Vieira, enfim, um timaço!

Sem mais delongas, curtam o maravilhoso texto de Thiago e deixem suas impressões!


A NOVELA DO MANECO É UMA VERDADEIRA TERAPIA

Por Thiago Henrick


Como grande fã do novelista Manoel Carlos, sempre tive curiosidade de saber mais sobre a novela Baila Comigo. Graças a um grande amigo, consegui terminar de assistir e, encantado, gostaria de compartilhar minhas impressões sobre a trama com os leitores do Melão.

 Na época, Manoel Carlos já havia realizado trabalhos que chamaram atenção em outras faixas de horários. Baila não foi seu maior sucesso, mas chamou muita atenção naquele ano de 1981, além de ter conseguido alguns grandes méritos: era a estreia do autor no horário nobre (antes, apenas uma colaboração um ano antes em “Agua Viva”, de Gilberto Braga); trazia Tony Ramos num papel duplo – grande feito, pois Tony era um dos mais talentosos de sua geração e desenvolveu uma perfeita composição em suas interpretações; e, por fim, iniciava então a primeira de uma série de heroínas humanas, cheias de virtudes, defeitos e conflitos, de nome Helena.

A trama era bem simples e folhetinesca: a história de gêmeos que não sabiam da existência um do outro, causando inúmeras confusões devido a essa semelhança. O diferencial, contudo, estava justamente na característica que mais marcou a grande carreira do escritor: a presença de um rico texto, com diálogos poderosos intercalados com cenas bem banais, envolvendo-nos numa maneira bem peculiar de contar sua história. Além, claro, da capacidade de criar personagens bem críveis, tão próximos e identificáveis com a nossa realidade. O estilo perdurou em trabalhos posteriores do autor

 Helena (Lilian Lemmertz) era uma personagem de classe média de vida difícil que, ao descobrir que teria gêmeos, não pôde criá-los, deixando um deles com o pai verdadeiro, Quim (Raul Cortez), e criando o outro com seu marido, Plínio (Fernando Torres). Sente-se culpada e angustiada por mentir e omitir bastante sobre o fato para todos, sobretudo pro gêmeo que ficou com ela, Quinzinho (Tony Ramos), jovem extrovertido e que adorava curtir a vida. Já o outro filho, João Vitor (Tony Ramos), foi criado com o pai em Portugal e se tornou um garoto sério e dedicado a advocacia. O destino faz com que a Quim e sua esposa Marta (Tereza Rachel, já naquela época demonstrando ser perfeita para interpretar mulheres rudes e poderosas) voltem com seus filhos João Vitor e Débora (Beth Goulart) para o Brasil, cenário onde acontecerão as peripécias causadas pela semelhança dos irmãos. O esqueleto da novela era esse. O recheio, contudo, foi o talento de Maneco de nos emocionar junto com os personagens. As brigas oriundas da crise de consciência de Helena com o bastante humano Plínio fizeram do casal um dos grandes destaques da novela: sensibilidade e riqueza para as magistrais interpretações dos atores, sobretudo a de Lilian, que criou um olhar melancólico único, sem deixar a rigidez da personagem creditá-la como mera coitadinha. Saudosa atriz...

 Nas tramas periféricas, tivemos Lúcia (Natália do Valle, no auge da beleza), jovem e competente médica, que tinha uma maravilhosa relação com a mãe (Sílvia, uma atriz, interpretada por Fernanda Montenegro), mas também vivia com o pai, o semi-inescrupuloso Caio (Carlos Zara), separado de Silvia e interessadíssimo na bela professora de dança Joana (Betty Faria). Joana, aliás, foi uma personagem que muito prometeu assim que apareceu, mas se limitou, no desenrolar da trama, a servir de alvo da disputa entre Caio, Quim e João Vitor. Pouco pra grande atriz que é Betty, mas sua beleza enfeitou a novela e estampou a capa do disco nacional. Curiosidade adicional é trazer Susana Vieira, atriz que hoje só se dedica a chamar atenção dentro e fora das tramas, num papel de coadjuvante, Paula, que tem que aturar as bebedeiras do marido Mauro (Otávio Mesquita). Mauro foi protagonista, contudo, de uma das cenas mais impactantes: enfurecido, ele joga seu avião em cima de Caio, colidindo e fazendo ambos morrerem.

No núcleo jovem, Lauro Corona interpretou Caê, amigo de Quinzinho e típico malandrinho carioca, que negociava pegar o carro da irmã para poder curtir as gatas e adorava uma baladinha. Lauro encontrou o tom certo e fez de seu namoro com a rica e sensível Débora um dos grandes trunfos da trama, sempre pontuados com “Corações a mil”, música da novata Marina estourando nas cenas de paixão dos dois. Além deles, tivemos a chatice de Mira (Lídia Brondi), obcecada por Quinzinho, mas que depois “troca de gêmeo”, passando a se interessar por João Vitor. Não foi a Lídia quem causou ojeriza na interpretação: a personagem era mimada mesmo e isso era comentado por todo o seu núcleo.

A cena mais comentada e lembrada, que foi o reencontro dos gêmeos, alcançou todos os níveis positivos possíveis graças ao talento de Tony Ramos. O ator é detentor de vários personagens de destaque em toda sua carreira, e acredito que nesse rol estejam João Vitor e Quinzinho, pois ele soube como poucos diferenciar os nuances, sobretudo nessa cena, em que o contexto pedia. Imagino que, na época, tenha mesmo parado o Brasil diante da telinha. Mateus Solano, que interpretou os gêmeos de Viver a Vida (última novela do autor) não comprometeu, mas deveria ter assistido Baila Comigo pra se aperfeiçoar mais em suas composições.


 Assistir essa novela tão rica e cheia de discursos de pessoas de tantas classes e níveis me fez perceber que, desde cedo, as novelas de Manoel Carlos são uma verdadeira terapia. Há quem não goste, que prefira uma trama repleta de cenas de ação, ou com guinadas fantásticas, sem ter oportunidade de respirar um pouco diante da telinha, mas eu admiro muito o estilo do autor de nos fazer parar e refletir sobre nossas próprias naturezas, medos, fragilidades, alegrias e aleluias. Eu vejo que Maneco escreve muito de acordo com o seu humor o dia – assim como na vida da gente, há capítulos mais alegrinhos e mais entediantes ou mal humorados. Isso faz com que conquiste mais ainda seu público, que se identifica com o cotidiano descrito em suas tramas. Por mais que suas últimas novelas não tenham agradado como deveriam, o autor tem uma grande bagagem televisiva e, acredito sim, ainda tem muito a nos oferecer. E nos emocionar.

                                                                                                                                                                                                                                            

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Ti Ti Ti: uma novela sem vergonha de ser novela.


                                                                                                                                                                  
AUTORA UNE O MELHOR DO PASSADO E DO PRESENTE EM TRAMA DIVERTIDÍSSIMA


A apreensão em torno da estreia do remake do megasucesso de Cassiano Gabus Mendes era quase tão grande quanto a expectativa, afinal, por mais talentosa que seja a autora Maria Adelaide Amaral e, mesmo sendo discípula do autor da novela original, sempre é perigoso mexer com grandes sucessos, ainda mais se tratando de personagens como Jacques L’eclair e Victor Valentim, que se tornaram quase míticos no imaginário popular. Quando foi anunciado então que a autora iria mesclar tramas de outro sucesso do autor, “Plumas e Paetês”, o receio aumentou. As comparações seriam inevitáveis e Maria Adelaide tinha um grande desafio pela frente. Como escrever uma novela que reverenciasse o passado sem cheirar a naftalina? Como agradar a nova geração sem desagradar os noveleiros mais antigos? Como criar uma história nova, com frescor que, ao mesmo tempo, preservasse a aura e o estilo das tramas do velho Cassiano? E não é que Maria Adelaide conseguiu?



A novela é uma delícia de se assistir. A autora está sabendo, com maestria, criar uma história nova, envolvente, cheia de referências ao melhor do passado e do presente, que diverte, emociona, faz rir, e entretém no melhor sentido da palavra. A opção por incluir o mote central de “Plumas e Paetês” foi um grande acerto e, por que não dizer, um gol de placa. A saga de Marcela (Ísis Valverde) trouxe os elementos do folhetim e do melodrama que justamente faltavam a “Ti-Ti-Ti”. E a trama foi apresentada primeiro,o que causou um estranhamento no início, mas que agora entendemos que foi pra mostrar que, além da comédia rasgada dos costureiros rivais, um novelão dos bons também estava por vir. E Marcela está longe de ser ume heroína chata ou previsível. Sua trama convence e emociona e seu núcleo, através do romance de Osmar e Julinho (Gustavo Leão e André Arteche), trouxe ousadia para o horário das sete e o casal gay, apresentado com muita sensibilidade e bom gosto, caiu nas graças do público. Mesmo com a morte de Osmar, a homossexualidade ainda está sendo abordada, através das conversas de Julinho com a religiosa mãe de Osmar, Bruna, vivida por Giulia Gam. Ela e André Arteche estão ótimos em cena. Diálogos inspiradíssimos, realistas e no tom certo.

 
Julinho e Osmar: empatia com o público



 A parte de “Ti Ti Ti” também começa a pegar fogo com Victor Valentim entrando em cena. Benicio e Borges estão muito bem. Ali a comédia rasgada é totalmente permitida e, diferente da primeira versão, os rivais agora estão com um tom mais infantil, mais cartoon, marca registrada da direção de Jorge Fernando. Caricatural, mas excelente, está Claudia Raia. Diferentemente da classuda Jacqueline de Sandra Bréa da primeira versão, La Raia está usando e abusando da comédia física com seu jeitão pateta e atrapalhado. A sequência dela dançando Ilariê foi uma das mais engraçada dos últimos tempos. E como se não bastasse, o texto de Jacqueline é ótimo, cheio de referências pop e tiradas inspiradíssimas e Claudia Raia está sabendo deitar e rolar. Malu Mader, mesmo parecendo fazer papel de Malu Mader, é sempre um motivo para ficarmos diante da TV. E através dela a gente percebe o ótimo clima dos bastidores. Por várias vezes, ela não consegue conter o riso quando contracena com Borges e Benício. E todos os grandes nomes do elenco estão muito bem, como Christiane Torloni, Elisângela, Dira Paes, Marco Ricca. Entre os jovens, Humberto Carrão faz um Luti diferente da primeira versão, mais calmo, mas igualmente simpático. E novela de Cassiano e Adelaide sem Mila Moreira certamente faltaria algo. Há muito tempo a atriz não tinha um papel tão bom. Esbanja o charme de sempre e merecia vir melhor creditada na abertura. A trilha sonora também é um caso à parte. Regravações deliciosas de sucessos dos anos 80, de grandes clássicos como “Let’s face the music and dance” juntamente com músicas atuais como a bela “O que eu não conheço” na voz de Maria Bethânia. As canções casam perfeitamente com a trama, que casa com a cenografia e os figurinos, que casam com a direção de arte, enfim... tudo muito inspirado. O universo da moda mudou muito desde 1980 e 1985, anos em que Plumas e Ti Ti Ti foram ao ar. E a novela acompanhou muito bem essa mudança e tudo exala e remete ao mundo fashion atual.



Enfim, com tanta coisa boa, “Ti Ti Ti” é uma grande festa e uma feliz junção do texto inspirado de Adelaide com o humor divertido e clown de Jorge Fernando. Diverte o espectador afeito a humor pastelão e não subestima os mais exigentes que prezam, sobretudo, um bom texto. A autora está sabendo como ninguém captar a essência de Cassiano e mesclar com elementos atuais, criando algo novo e absolutamente original. As referências a outras novelas do autor como a cena em que reproduziu a abertura de “Locomotivas” são emocionantes para os saudosistas. Era disso que o gênero precisava: de uma novela que não tem vergonha de ser novela e de homenagear a própria telenovela, que quase sempre pega carona em referências cinematográficas. “Ti Ti Ti”, ao contrário, é uma homenagem não só á obra de Cassiano, mas à teledramaturgia como um todo. Aplausos efusivos para Maria Adelaide Amaral e equipe, que driblaram todas as armadilhas que poderiam fazer a empreitada naufragar e já fazem de “Ti Ti Ti” já disparada melhor novela dos últimos tempos.


Pra terminar, uma das cenas mais hilárias da novela!



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