Nunca é demais esclarecer que minhas listas não têm a pretensão de representar a opinião do senso comum. Muito pelo contrário: são sempre muito particulares. E no caso das minisséries, dizer quais foram as melhores seria uma tarefa hercúlea, pra não dizer impossível, visto que a qualidade da maioria delas é algo indiscutível. Portanto, trata-se, não das melhores, mas das que mais me marcaram como telespectador ou que me comoveram de alguma forma, seja pela inegável qualidade, seja por aludir a boas lembranças. Com o coração apertado, sinto muito ter que excluir produções que amei como “Tenda dos Milagres”, “JK”, “Os Maias”, “Desejo”, “A muralha”, “Engraçadinha”, “Lampião e Maria Bonita”, “Memórias de um gigolô” que, desde já, representam menções honrosas, além de tantas outras com as quais já estou sendo injusto logo de cara. Meu critério foi puramente emocional e afetivo como sugere o título. Vamos a elas:
10) RIACHO DOCE (1990)
Impossível não ouvir os primeiros versos de “O que é o amor?” cantado por Selma Reis e não lembrar das belíssimas e ensolaradas paisagens de Fernando de Noronha. Inspirada na obra de José Lins do Rego, a minissérie trazia uma Vera Fischer luminosa, bela, cativante, que enfrentava a tirania de Vó Manuela (Fernanda Montenegro sempre impecável) na luta por seu amor por Nô (Carlos Alberto Ricceli), sedutor neto da curandeira vivida por Fernanda, cujo corpo era fechado. Todas as mulheres que se envolviam com ele tinham um destino trágico traçado por Vó Manuela. Lembro que, aos 13 anos, fiquei impressionadíssimo com o triste destino de Terezinha (Denise Milfont), que se atirou de um rochedo e passou toda a minissérie coberta por um pano que escondia seus terríveis ferimentos que nunca eram mostrados, mas que chocavam a todos que viam. E aquilo que a gente não vê talvez impressione mais, já que a imaginação constrói as mais terríveis visões. Denise Milfont em belíssimo trabalho, tendo como recurso apenas o olhar, mas mesmo assim garantindo uma ótima e intensa interpretação. Uma minissérie bonita, romântica, que enche os olhos e prende a atenção.
9) LABIRINTO (1998)
O irresistível estilo de Gilberto Braga ao narrar a elegante decadência da sociedade carioca agora transposto para uma minissérie eletrizante cheia de mistério, agilidade, sensualidade e ótimas interpretações. Fabio Assunção esteve muito bem como o jovem André que, acusado de assassinar o empresário Otacílio Martins Fraga (Paulo José) em plena noite de réveillon (ótimo isso!), precisa, ao mesmo tempo, provar sua inocência e descobrir o verdadeiro assassino. Antonio Fagundes emprestou o charme de sempre ao vilão Ricardo. Mas quem brilhou pra valer foi o elenco feminino: Malu Mader excelente como a descolada e sedutora garota de programa Paula Lee; Luana Piovani, como a sonsa patricinha Virgínia; Betty Faria, como a sensual e perigosa Leonor, viúva de Otacílio e amante de Ricardo; Isabela Garcia, impagável alívio cômico na pele de Yoyô, perua fútil e engraçadíssima, alheia a tudo, cujo único objetivo era figurar entre as dez mais elegantes; e principalmente, Alice Borges, que arrasou como a devoradora de homens Nietinha, desprovida de beleza física, mas com uma autoestima de dar inveja a muita gente. No final descobre-se que Otacílio fora assassinado pelo próprio filho, Júnior (Marcelo Serrado). Uma minissérie deliciosa, com um quê de noir, mas, sobretudo, cheia de humor inteligente e sarcástico. Uma pena que ainda não esteja disponível em DVD.
8) RABO DE SAIA (1984)
“O chamego dá prazer, o chamego faz sofrer, o chamego ás vezes dói”... Esse delicioso forró era o tema de abertura e convidava o espectador a embarcar nas aventuras do caixeiro viajante Quequé (Ney Latorraca, excelente), que tinha três esposas, cada uma em um estado diferente do nordeste: a religiosa Santinha (Lucinha Lins, belíssima), a fogosa Nicinha (Tássia Camargo, um pitelzinho) e Eleuzina (Dina Sfat, ah Dina Sfat, que dispensa qualquer apresentação!). Quequé, mesmo cafajeste, conquistou o público, pois além do carisma do ator, o personagem era delicioso e demonstrava amar de verdade suas três mulheres. Uma minissérie que deixou muita saudade, principalmente pela presença sempre magnética de Dina Sfat, aqui no auge de sua maturidade, esbanjava o talento de sempre, emprestando uma vitalidade e uma sensualidade genuína à sua Eleuzina. Mais suspiros por Dina, com uma imensa saudade que parece nunca cessar...
7) O TEMPO E O VENTO (1985)
As lembranças dessa minissérie parecem datar da origem de minhas memórias televisivas, embora com 8 anos, já tinha assistido a muita coisa, mas me lembro dessa obra como uma das primeiras coisas que realmente me arrebataram. A música linda e marcante de Tom Jobim, os personagens grandiosos da obra de Érico Veríssimo, o grandioso elenco, enfim... lembro de assistir com a minha tia e ela, encantada com a saga de Ana Terra (Glória Pires, mostrando-se grande), a minha fase favorita da história. Aliás, não entendi o porquê de suprimirem, tanto nas reprises, quanto no DVD a fase “A Teniaguá”, com Carla Camuratti e Lilian Lemmertz. Outro arrebatamento que tive foi com a interpretação de Lélia Abramo, como Bibiana no final da vida. Mesmo não entendo muito os porquês, ali já fiquei fascinado e certo de que se tratava de uma grande atriz. Um momento vergonha própria: meu bairro de infância era muito arborizado e confesso que brincava de Capitão Rodrigo (Tarcisio Meira) a galope do meu cavalinho de pau... (risos de vexame)! E meu encantamento resistiu ao tempo, já que assisto ao DVD com o mesmo prazer da primeira vez.
6) GRANDE SERTÃO: VEREDAS (1985)
Naquele ano de 1985, considerado por muitos como o ano de ouro das produções globais (Roque Santeiro, Ti Ti Ti, A gata comeu...), essa pérola me escapou. Ao contrário de “O tempo e o vento”, que consegui assimilar e me envolver, acho que a obra de Guimarães Rosa é por demais complexa para uma criança de 8 anos. Mas revendo a minissérie em DVD recentemente, me redimi dessa falta e pude constatar e corroborar o que muitos consideram primoroso. Tony Ramos dando o eventual show como o protagonista Riobaldo/Tatarana. Mas as surpresas ficam por conta de atuação de alguns atores que, nem sempre, têm grandes oportunidades de mostrar sua versatilidade na TV como Yoná Magalhães em participação especial e intensa como Maria Mutema e Tarcísio Meira, como o grande vilão, Hermógenes. Mas o grande destaque foi Bruna Lombardi em uma impressionante composição de Reinaldo/Diadorim. Um trabalho irretocável que não deixa dúvidas da grande atriz que ela é. Durst e Avancini nos presentearam com esse primor e conseguiram traduzir a grandiosidade da obra de Guimarães Rosa, que vai muito além da temática regionalista. A minissérie soube transpor a universalidade e complexidade de sentimentos: o sertão dentro de cada um de nós, particular e infinito. Obra-prima!
5) HILDA FURACÃO (1998)
Essa minissérie tem muitos ingredientes que me agradam: os irresistíveis anos 50, o saboroso sotaque mineiro, o universo do baixo meretrício, grandes atores, ótimo texto, trilha sonora irresistível com destaque para “Resposta ao tempo”, lindo sucesso de Nana Caymmi, e a beleza estonteante de Ana Paula Arósio, estreando com o pé direito nas produções globais. O tema da menina de sociedade que vira prostituta às portas do casamento, causando furor na conservadora Belo Horizonte e ainda encantando o jovem seminarista considerado santo é um convite irrecusável para se assistir à minissérie. Soma-se a isso grandes interpretações como a de Matheus Nachtergaele, impagável como o travesti Cintura Fina; Rosi Campos como a bruta de imenso coração, Maria Tomba-Homem; Paloma Duarte exalando singeleza como a doce prostituta Leonor, Walderez de Barros, Stenio Garcia, Zezé Polessa, Debora Duarte, Claudia Alencar, Eva Todor, Rogério Cardoso, todos em grandes momentos e... Paulo Autran, um luxo para qualquer história!!! Thiago Lacerda também debutava como o galã que sonhava com Hollywood, Aramel Belo; e Danton Mello, excelente como o próprio autor Roberto Drummond, era o fio condutor da trama. Uma história de amor bonita e incomum, que se sintetiza na frase dita pela cartomante vivida pela ótima Arlete Salles: “o que Deus risca, ninguém rabisca”.
4) O PRIMO BASÍLIO (1988)
Excelente versão televisiva do mais famoso livro do célebre escritor português Eça de Queirós. Gilberto Braga e Daniel Filho conseguiram transpor com muita fidelidade o universo queirosiano, retratando com perfeição a conservadora e hipócrita Lisboa do século XIX, aqui representada pela classe média através do casal Luísa e Jorge (Giulia Gam e Tony Ramos). A protagonista Luísa, uma personagem romântica deslocada em uma saga realista, que vê sua tranquila e ordinária vida ruir após o romance com o sedutor e mau-caráter primo Basílio, foi vivida com muita verdade e intensidade por Giulia Gam. O time de atores coadjuvantes também é excelente, com destaque para Beth Goulart, como a mal falada amiga e fiel escudeira Leopoldina, que pagava um alto preço por sua liberação sexual. Marília Pera, impressionante e inesquecível como a grande antagonista da trama, a amargurada e cínica criada Juliana, entrou para a galeria das grandes vilãs da teledramaturgia, mesmo se tratando de uma minissérie. Sua interpretação foi magnífica e nos fez, ao mesmo tempo, sentir ódio e fazer rir com o sarcasmo e cinismo que emprestou à criada que chantageava e maltratava a patroa. A triste condição da natureza humana estava ali representava. Eça em sua essência.
3) UM SÓ CORAÇÃO (2004)
Uma superprodução com todos os ingredientes para atrair o público: paixão, heroísmo, guerras, batalhas, requinte e conflitos familiares. Esses ingredientes por si já seriam suficientes para se ter uma grande história. Quando essa história é a própria história da São Paulo da primeira metade do século XX então, fica irresistível, pra não dizer, obrigatório. Revoluções, Semana de Arte Moderna, imigração, coronelismo, golpes políticos, ou seja, um universo muito rico que tem como fio condutor a vida de Yolanda Penteado, grande e fascinante mulher que representa por si só todo esse espírito paulista de aventura, requinte e modernidade. Talvez Yolanda seja a grande interpretação de Ana Paula Arósio na TV, perfeita em todas as fases da trama. Além de lindíssima e do porte de grande estrela, Ana Paula aqui nos oferece uma interpretação, ao mesmo tempo grandiloquente nas cenas mais densas e sutil nos pequenos gestos, nas pequenas reações. É isso o que faz a diferença entre um bom ator e um ator espetacular. Revendo a minissérie, não pude deixar de me emocionar com a sequência da morte da menina Érica (Tamara Ribeiro), morta com um tiro durante a Revolta Paulista de 24. Grande momento de Ana Paula Arósio e Lu Grimaldi, que vivia a mãe da menina. Alguns equívocos de escalação não apagaram o brilho de um grandioso e excelente elenco, do qual seria até injusto citar alguém. Direção exemplar, reconstituição de época acurada e perfeita, texto inspiradíssimo e personalíssimo de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira que deixa transparecer todo o amor e gratidão pela Paulicéia Desvairada da qual fazem parte. Um belíssimo presente à cidade de São Paulo e a todo o público.
2) ANOS REBELDES (1992)
Recentemente, com a publicação do roteiro completo da minissérie, pude rever e me deliciar mais uma vez com essa obra-prima de Gilberto Braga. Reproduzo aqui o texto que eu mesmo publiquei na ocasião sobre a produção: “Quase 20 anos depois de sua exibição, a minissérie continua atual, ágil, cheia de frescor, enfim, uma obra que nunca envelhece. Desde às desventuras amorosas dos jovens Maria Lucia e João Alfredo (Malu Mader e Cássio Gabus Mendes) aos dilemas da bela e rica Heloísa (Claudia Abreu), a vida de todos é afetada pelas significativas mudanças de costumes da época e pelo repressivo regime político imposto pelo golpe militar de 64. Personagens inesquecíveis e atuações preciosas (como é bom ver Betty Lago linda, luminosa em sua estreia na TV fazendo drama). (...) todo o elenco está sensacional. E fica clara a sintonia do autor com Dennis Carvalho, perfeito na direção. Repleto de cenas bem feitas e emocionantes”. Acrescento a esse fragmento de texto, a meticulosa reconstituição, não só da época, como também dos fatos que marcaram aquele período e a perfeita costura desses fatos com o acontecimento da trama. Malu Mader perfeita e Claudia Abreu inesquecível. De fato, um momento ímpar, não só na teledramaturgia, mas para a cultura de nosso país como um todo.
1) ANOS DOURADOS (1986)
Se tivesse que eleger aquela história que eu gostaria de ter escrito, respondo sem pestanejar: Anos Dourados, minha favorita sempre! Mais do que uma delícia de minissérie, uma grande inspiração com grande influência no fascínio que tenho por histórias da década de 50. E em “Anos Dourados” tudo está ali: o romantismo, as canções, a beleza, a hipocrisia, o charme, o conservadorismo e, sobretudo, uma encantadora inocência. A história de amor batida, mas irresistível de Marcos e Lurdinha (Felipe Camargo e Malu Mader) e toda a sua progressão no decorrer da trama nos faz suspirar até hoje. Além disso, temos uma ótima e elogiada Betty Faria como a desquitada Glória, mãe do protagonista, que sofria o preconceito da sociedade da época. A relação franca e cheia de afeto entre mãe e filho é um dos pontos altos da trama. Taumaturgo Ferreira e Isabela Garcia, como um picante casal, fizeram perfeito contraponto com os protagonistas. Por fim, mais um show de interpretação da grande e saudosa Yara Amaral. O texto delicioso de Gilberto Braga na boca de uma atriz de mão cheia como Yara, na pele da hipócrita Dona Celeste, é pra ser apreciado de joelhos. Não canso de assistir a “Anos Dourados” e me encanto sempre com o vocabulário, os modos e costumes, a elegância e o deslumbramento dessa época que e inesquecível na vida de muita gente.
E vocês? Quais suas minisséries favoritas? Compartilhem suas lembranças!