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sábado, 25 de junho de 2011

Os astros invadem o melão!!!





A expectativa para a estreia de “O astro” é cada vez maior! Aqui no melão então, nem se fala! Por isso o meu talentosíssimo amigo, designer oficial do blog, FELIPE RIBEIRO, me presenteou com o novo banner do melão: Francisco Cuoco, o Herculano Quintanilha da primeira versão da novela de Janete Clair, e Rodrigo Lombardi, o novo astro! Transbordando de orgulho, apresento o novo banner.

Nunca é demais agradecer ao Felipe por tantos banners maravilhosos criados exclusivamente para o blog. O rapaz também é responsável pelo atual layout do melão, que promete novidades em breve. Obrigado, Felipe, por sua gentileza, disponibilidade e talento sempre à disposição deste humilde melão!

A PRIMEIRA VEZ A GENTE NUNCA ESQUECE

Tarcísio Lara Puiati e eu (colaboradores), Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro (autores) e Roberto Talma (diretor geral)


E já que estamos nesse astral maravilhoso, preciso dizer que o dia 21 de junho de 2011 talvez tenha sido um dos mais felizes da minha vida. Pela primeira vez, participei de uma entrevista coletiva como roteirista de tevê. Participar é modo de falar, pois entrei mudo e saí calado, lógico (risos), mas só em estar na presença dos autores Alcides Nogueira, o Tide, e Geraldo Carneiro; de meu querido Tarcísio Lara Puiati, o Tatá, também colaborador; dos diretores Noa Bressane, Fred Mayrink e Alan Fitterman; do diretor geral Mauro Mendonça Filho; e do diretor de núcleo, o lendário Roberto Talma, é algo que nunca vou esquecer. O que dizer da emoção que senti quando meu querido Tide apresentou a mim e a Tarcísio a todos, rasgando altos elogios e palavras pra lá de carinhosas. Ser aplaudido com entusiasmo por aquele elenco maravilhoso foi uma das maiores emoções de minha vida. Se pudesse congelaria esse momento para sempre.



Mas vamos ao que interessa: a coletiva em si. Pude constatar com meus próprios olhos a empolgação de todos para com “O astro”. A alegria de todos os envolvidos era evidente. Conversamos com grande parte do elenco, todos simpaticíssimos e demonstrando alegria com seus personagens.


A queridíssima Tuna Dwek fez as honras iniciais, nos apresentando para alguns colegas. Sempre afetuosa e elétrica. Um furacão em forma de mulher. Esfuziante nos bastidores e concentradíssima em cena. Daquelas atrizes que sabem aproveitar cada detalhe, cada gesto.


Ellen Rocche, além da evidente beleza, é uma pessoa absolutamente encantadora e cativante. Nos mostrou em seu celular um ensaio de um número de mágica em que sua Valéria contracena com Herculano pra lá de surpreendente. De cair o queixo. Mas as aventuras de Valéria não se resumirão aos espetáculos da Boate Kosmos. A personagem promete muita coisa boa!


Simone Soares, uma fofa! Está dando vida (e que vida!) à Laura, irmã mais velha de Lili (Alinne Moraes) e submissa esposa do cafajeste Neco (Humberto Martins). Outra personagem deliciosa, que oferece mil e uma possibilidades de crescimento e promete revelar o grande talento dessa moça.


Rosamaria Murtinho, felicíssima em dar vida à Tia Magda. Segundo a atriz, finalmente saiu de seu “monotema” de bela mulher madura que se envolve com garotão. A solitária e misteriosa Magda promete cenas surpreendentes, que só podiam ser encenadas por uma atriz do calibre de Rosamaria, que foi só carinhos para conosco.


Regina Duarte dispensa qualquer apresentação. Estar diante daquela que já é tão íntima de todos os brasileiros foi a materialização de um sonho. Igualmente emocionante foi ouvi-la falar do processo de composição de sua Clô. Em poucos minutos, Regina nos deu altas dicas dos caminhos de sua personagem, que incorporou durante alguns instantes de maneira mágica e comovente. Tivemos a nítida confirmação do porquê de sua grandeza. Além de uma craque da interpretação, é de uma sensibilidade genial. Ninguém se torna Regina Duarte à toa.

Penha Fashion, salão de beleza onde tudo acontece
Como se não bastasse esses momentos únicos, tivemos mais confirmações da excelência do trabalho realizado quando Tatá e eu permanecemos para assistir à gravação de algumas cenas. Primeiro, no estúdio, no escritório de Amanda Assunção (Carolina Ferraz), que contracenou com Guilhermina Guinle (Beatriz) e Tuna Dwek (Nilza), dirigidas por Fred Mayrink. Depois, fomos dar um pulinho até à Penha cenográfica para acompanhar algumas cenas no Penha Fashion, salão de Neco (Humberto Martins), palco de muitos conflitos da série. Primeiro, uma cena ótima entre Cleiton (Frank Menezes) e Lili (Alinne Moraes). Para nossa surpresa, era uma cena escrita por Tatá, o que fez aumentar nossa empolgação. E Frank deu um show, indo da comédia ao drama, de maneira comovente. Anotem esse nome: vai dar o que falar.

Tatá e eu, com o adorável Frank Menezes

Incansável, a linda e talentosa Alinne ainda protagonizou um barraco daqueles com Neco (Humberto Martins). Os dois atores esbanjaram vigor e entrosamento. Rodrigo Mendonça e Antonio Calloni também participaram das gravações, dirigidas por Alan Fitterman (um gentleman) com a mesma competência.

Fim da jornada, Tatá e eu voltamos à realidade para escrever novas cenas

Enfim, um dia de sonho, do qual nunca mais vou esquecer. O sucesso é sempre algo imprevisível e imponderável, mas uma coisa posso garantir: “O astro” está sendo preparado com todo carinho e esmero e sua produção faz jus totalmente à enorme expectativa que vem causando. Estreia, dia 12 de julho, após “Insensato Coração”.

Fiquemos com o clipe de apresentação, que deixou encantados todos os presentes. Que Nossa Senhora das Oito nos abençoe e nos proteja!



sábado, 18 de junho de 2011

Entrevista especial - TUNA DWEK: “A arte nos captura a despeito de nós mesmos”


Tuna Dwek, revelada por Fernando Torquato.

Mais uma vez, anuncio com imensa felicidade um “post” de luxo, pois a nova entrevistada do melão é classe A em todos os sentidos. Ela está em todas: desde embalagens de margarina a eventos internacionais. Ela é multi-talentosa: atriz, intérprete, tradutora, jornalista, escritora, biógrafa, enfim... não há limites para os domínios de Tuna Dwek, com quem estou tendo o imenso prazer de trabalhar em minha estreia como roteirista de televisão. Tuna nos fala um pouco sobre sua personagem, a enigmática secretária Nilza, de “O astro” e logo após nos concede uma rica e deliciosa viagem por sua vida pessoal e profissional, que contou com a participação especialíssima de Alcides Nogueira, que contribuiu com uma pergunta. Uma trajetória emocionante e inspiradora que os leitores do melão vão ter o prazer de acompanhar. Vamos deixar que a entrevista fale por si e, parafraseando Caetano, nos revele “a voz de uma pessoa vitoriosa”. Com vocês, Tuna Dwek, de corpo, alma e coração!

Melão - Primeiramente, não posso deixar de perguntar sobre “O astro”.  Quais são suas expectativas para o remake? Fale um pouco sobre a Nilza, sua personagem.



Tuna - É tanta minha empolgação com “O Astro” que qualquer objetividade me parece impossível. Evito a palavra “expectativa” na minha profissão, mas baseada em algo concreto como o alto nível de qualidade dos capítulos que tenho recebido, ouso intuir tanto uma enorme receptividade por parte do público como sua recíproca  satisfação pessoal, especialmente porque a série mantém a essência da grande Janete Clair, sua dramaturgia, seu ritmo, na conjunção  de uma trama contemporânea com elementos cativantes de drama, humor, amor, tragédias, alegrias e tristezas, golpes, falcatruas, desavenças e reencontros e muita paixão, assim como é na vida cotidiana, com um texto sólido e instigante do ponto de vista dramatúrgico esculpido com a maestria de Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro (e seus colaboradores Tarcisio Lara Puiati e Vitor de Oliveira). Com direção de Allan Fiterman, Fred Mayrink, Noa Bressane, direção geral de Roberto Talma e Mauro Mendonça Filho e uma equipe talentosa com quem já tive a sorte de trabalhar, você pode imaginar o estado emocional em que me encontro.


Quanto a Nilza, a cada capítulo, descubro uma faceta. Não se trata de uma personagem monolítica, pelo contrário, é uma secretária dedicada, cheia de energia e vivacidade que em vários momentos apresenta uma certa ambiguidade, um olhar furtivo, algo não manifesto. Ela permanece um mistério para mim porque vejo que talvez ela não seja o que parece, mas não saberia detectar por quê . Então vou embarcando nela à medida do que vou lendo nas cenas e sou um tipo de atriz que se entrega à direção, não cristalizo nada, a Nilza é uma obra aberta e, provavelmente, essa “perfeição” toda também tenha seus mistérios. Sua relação com Amanda é sólida e já nas leituras com Carolina Ferraz estabelecemos uma cumplicidade deliciosa. Gosto de personagens palpáveis, reais, com seus paradoxos, sua humanidade e a riqueza que a aparência nem sempre traduz. Me apaixono sempre por minhas personagens, visto a camisa e defendo até a última cena.

Melão - Quantos idiomas você fala? De onde vem essa facilidade em aprender línguas diferentes? 

Tuna - Falo cinco idiomas e meio. No programa do Jô, ele perguntou: “e meio? Tem alguma língua que você fala só três vezes por semana?” Foi hilário, mas expliquei que estou aprendendo a falar árabe, mas são anos e na realidade, embora de família síria só comecei a me interessar pela língua depois de adulta. Consigo me comunicar na Síria, no Líbano, no Egito ou na Jordânia, mas ainda falta muito para afirmar que falo. Seria pretensão. Além disso, os judeus sírios têm expressões bastante características em árabe. Essa facilidade , como você diz, venha talvez de alguns fatores:

- me alfabetizei em francês, em São Paulo, portanto desde criança alternava português e francês, como ia muito ao cinema (era meu refúgio por assim dizer, na adolescência) o inglês foi se incrustando nos meus ouvidos.
- talvez tenha um certo ouvido musical como se diz. Registro sons, cadências, inflexões e me interesso profundamente pela comunicação com os outros.
- a Necessidade faz a Arte. Tive que viver um tempo fora do Brasil e não tive escolha senão aprender a língua do país, como o italiano, por exemplo e por não saber se ou quando voltaria para cá, tive que me aprimorar. Além disso, gosto de treinar sotaques, acho divertido passear por eles, fazer variações entre eles e vários personagens que interpretei me deram essa possibilidade. 

Tuna foi intérprete da atriz Catherine Deveuve em evento recente.
Uma vez que trabalho como intérprete também (de vários atores, diretores de teatro, cinema, música) continua o treino poliglota, sou observadora e  gosto de me esforçar para me comunicar na língua dos outros em vez de vê-lo se acabar para falar português. O fato de falar idiomas, inclusive, me abriu vários caminhos como atriz. Não é nada fácil conservar o vocabulário em outras línguas, quantas vezes nos perguntamos se é assim mesmo que se fala numa ou noutra língua? Especialmente quando as sonoridades são similares.

Melão - Quando você percebeu que gostaria de se tornar atriz e qual foi o marco inicial de sua de sua carreira?

Tuna - A coisa menos clara que tenho é se houve algum momento especifico em que eu percebi que gostaria de me tornar atriz. Foi algo natural na adolescência, mas só se solidificou depois de ter tido uma infinidade de experiências humanas e profissionais. Mas acredito em vocação, por mais que fujamos dela e não saibamos detectar o que é realmente essa força que nos impulsiona quase que à revelia, em direção à Arte. Ela nos captura a despeito nós mesmos. Há, acredito, indícios, mesmo se eles se alojam no inconsciente muitas vezes. E fatos que despertam essa vocação. Muitas vezes sentimos uma falta que nada preenche e isso é o estopim...

Desde pequena, na escola, declamava os clássicos e os poetas franceses na aula de Literatura Francêsa e os brasileiros e lusitanos nas aula de Literatura Portuguesa, num  palquinho na classe, na frente de todos, era de se desmaiar de medo porque as professoras eram rígidas, não se podia errar e a classe era a plateia. Era também muito prazeroso e permanece presente em mim aquele coração pulsando, a adrenalina excitante e mal sabia eu que teria que fazer isso tantas e tantas vezes nos últimos 25 anos! Sempre adorei ir ao teatro e não perdia na TV um Teleteatro que fosse, com Cacilda Becker (com Homero Kossac, Xandó Batista e Barbara Fazio).Pequena , meu  pai nos levava a mim e meu irmão ao teatro aos domingos de manhã, acho que o bichinho estava incubando dentro de mim. Dos 17 aos 19 anos fiz Teatro Amador, parei por muitos anos, ao morar fora não exerci a atividade e só retomei nos anos 80, entrando na EAD (Escola de Arte Dramática) onde pude estudar, ler, encenar, desde clássicos gregos a autores contemporâneos. Estreei com o espetáculo “Divinas Palavras”, de Ramon Del Valle -Inclán, com direção de Iacov Hillel, fazendo uma substituição, com Laura Cardoso, Rodrigo Santiago, Imara Reis, Maria do Carmo Soares e Paulo Gorgulho. Foi um batismo inesquecível e um aprendizado que eu levaria para todos os segmentos da atividade artística. Perseverar é muito difícil porque uma vez no universo profissional, manter-se é atividade hercúlea, mas ser ator é tão irreversível e vital quanto respirar para viver.

Melão - Entre os seus múltiplos talentos, está o de biógrafa. Qual é o desafio em contar a história de pessoas cujas experiências de vida são tão ricas, como Alcides Nogueira, Maria Adelaide Amaral e Denise Del Vecchio?

Tuna - Obrigada pelo comentário generoso. Desafio é a palavra certa. Antes de mais nada, se eu não tiver uma relação muito próxima e de imenso afeto, admiração e respeito pelo biografado, não sai uma linha de mim. De tão ricas que são as vidas dessas três queridas pessoas, eu precisava me aproximar com a máxima delicadeza do universo interior de cada um e tecer um bordado quase em que nada ficasse de fora, fatos importantes assim como detalhes que fazem a diferença e que traduzisse quem é aquela pessoa, que história ela tinha para contar dentro de suas características únicas. O grande desafio é escrever na primeira pessoa com a voz do biografado, dar meu tratamento literário e por vezes poético ao fluxo caótico da memória manifesta. Penetrar na alma de cada um sem invadir as emoções que isso traz. Foram processos estupendos posso dizer sem reservas nem pudor. Foram meses de trabalho e convivência para o livro, mas anos de convivência com os amigos que são. Tive a honra e a alegria de ouvir que cada um se reconhecia em meus livros, salvo o ajuste de um ou outro fato, uma ou outra data, meus textos foram impressos tal qual os compus, a descrição que faço no prefácio de cada um deles e da minha relação específica com cada um é um depoimento indelével de como na se pode escrever sobre alguém ou dar voz a esse alguém com verdade se não se tiver convivido, compreendido, abraçado essa pessoa tal como ela é, em sua plenitude, idiossincrasias, vulnerabilidades, paixões, sua história, respeitando o tempo de cada um, a disponibilidade. Muitas vezes, era muita emoção, era mexer em muita coisa, precisava decantar, dar um tempo, metabolizar para retomar o processo.

Nos três vejo uma coerência de atitudes que permanece até hoje. Os três lutando sempre pela liberdade de expressão, pela especificidade de cada um, os três sempre se posicionaram contra a Ditadura Militar, os três tem em sua Arte uma posição humana e humanista que obstáculo algum foi capaz de esmorecer. Havia momentos de pânico em que eu achava que não conseguiria mais escrever, tudo parecia tão grande, mas eu tinha em mim a solidez das relações construídas ao fio dos anos com essas pessoas tão fortes em minha vida.

Tide e Tuna: biografado e biógrafa.
Foram três processos muito ricos. No caso do Alcides, no reuníamos na casa dele, muitas vezes falávamos de madrugada ao telefone até, o silencio da madrugada em volta estimulava a memória de certa forma, mexer nas fotos de sua infância e trajetória tinha um efeito muito forte emocionalmente para ele, e dávamos intervalos sem prazo até retomarmos as conversas. Porque eram conversas no sofá e não entrevistas com perguntas formais, eram viagens que exploravam a memória e o afeto. Como sempre digo, abordava sua alma com as pinças da delicadeza e ele não se furtou a nada.

Com Maria Adelaide, foi uma vivencia cotidiana, rodeada pela natureza maravilhosa, em sua casa de campo. Fomos para lá no Ano Novo, festejando com amigos e lá permaneci com ela, após caminhadas matinais com a cadela Nina, que eu adorava e  faleceu tempos depois, mergulhávamos em sua história com direito a muita emoção, lágrimas e risos porque sem essa entrega a gente acaba indo pelo caminho mais fácil, palatável, e a Adelaide é uma pessoa exposta, diz o que sente, o que acha, não calcifica suas ideias, consegue administrar vários pensamentos ao mesmo tempo e se emociona cotidianamente como boa canceriana, levanta  e agradece a Deus por mais um dia de saúde e de vida. Tendo viajado, me deixou em sua casa com seu material todo, recolhido em nossas conversas e escrevi o livro em seu computador, no mesmo em que ela cria os personagens que interpretamos. Foi quase místico.

Com Denise, que achava que sua vida não daria um livro, eu poderia escrever vários volumes. Sua trajetória pessoal - e ideológica -se mescla com a história do teatro das últimas décadas. Nos reuníamos em  minha casa ou na dela, e até que ela encontrasse as fotos que ilustram o livro foram meses em que aproveitamos para explorar ao máximo sua vida e  seu pensamento. Como ambas tínhamos nossas atividades profissionais, cada encontro tinha que ser otimizado e, muitas vezes, tínhamos que parar e retomar outro dia porque de certa forma é tudo quase que uma sessão de psicanálise, um desnudamento sem volta em que o biografado precisa sentir que está em terreno seguro, que é uma zona de confiança e despudor.

Tuna e Denise del Vecchio
Meus três livros são divisores de águas, são passos irreversíveis e documentos que traduzem os biografados sim, mas através da escolha das minhas palavras traduz a mim também. Levei um tempo para me dar conta, mas um dia o Alcides disse: “ nós vivemos, mas você escreveu”. A resposta que tive dos meus biografados depois de prontos os livros é algo que vou guardar dentro de mim como um tesouro, ouvi coisas preciosas e generosas que continuam pautando minha atitude perante a vida.

Alcides Nogueira pergunta: "Você trafega, com uma desenvoltura impressionante, pelo teatro, televisão e cinema. Em qual desses veículos você se sente mais inteira, como atriz?”.

Tuna - Querido, sempre generoso em seus comentários. Obrigada pelo que você diz. Se eu escolher um veículo serei injusto com o outro. Vou tentar destrinchar.
Meu amor por representar apesar de todo o pânico que antecede entrar em cena, é tamanho que onde eu estiver atuando estarei inteira. Amo ser outra pessoa, dar voz corpo alma a uma personagem, compor outro ser. Preciso da evasão, preciso ser outra e em outra realidade até para não enlouquecer de lucidez frente à realidade. Não é algo terapêutico, que fique claro, é o que eu sou, alguém que pode ser outro. Que pode viver essa esquizofrenia por assim dizer e ser eu mesma. Voltar para casa depois de dar voz a alguém que existiu no palco por algumas horas e se comunicou com os outros. Seja no palco, no cinema, na televisão. O teatro é algo indescritivelmente poderoso, a respiração da plateia que reage quase que sem respirar por momentos, explodindo de rir ou de chorar, a catarse de viver coletivamente algo que une o individual com o universal, a resposta imediata, o momento que não volta mais, superar o medo de errar, de esquecer texto, de dar branco e ao mesmo tempo a felicidade de estar ali, com seres vivos no ato que se concretiza naquele momento, isso é algo que o teatro dá e não tira.

Nos três, gosto de ser dirigida, de ver a escolha que o diretor irá fazer de um repertório infinito que traz um ator, em gestos, inflexões, resultados de uma intenção clara, mas a manifestação dessa intenção ou de uma emoção, formalmente, é o diretor que irá selecionar, registrar, reter.

No cinema e na televisão, o rigor na composição de uma personagem é o mesmo para mim, trabalhar em equipe, a cumplicidade que se estabelece apesar dos aspectos técnicos, as falas novas a cada dia, o desenrolar de uma história que pode ser gravada sem ordem cronológica são desafios que me instigam e mais uma vez, é atuar que me fascina, que faz com que eu me sinta inteira. A plenitude se dá de forma diferente e em momentos diferentes. No cinema e na Tv você vai ver o resultado depois, e não sabe o que seu trabalho estará preservado na edição, em função de um ritmo ou de outros fatores que independem da própria obra, no teatro é o tal “aqui e agora” e não dá para corrigir nada, é aquilo que é, que foi, e nos três casos, permanece em cada um que faz e que assiste a semente de uma reflexão, de uma transformação, de algo que a nunca mais ninguém vai ser, porque interpretar provoca isso, não sermos mais os mesmos a cada instante. Amo os três veículos, as pessoas que se entregam para contar uma história, ir além da imagem através da imagem.

Melão - Na sua carreira em TV, um de seus trabalhos mais marcantes foi a Marinete Prado de “Um só coração”. Que lembranças tem dessa personagem e que tal a experiência em ajudar a contar para o público, parte de uma história real da própria cidade em que vive?

Tuna - Com relação à Marinete Prado, tenho uma enciclopédia de coisas boas para contar. A começar pelo teste. Por ter existido e ser francesa e falar português com sotaque, havia o desafio não só da fidelidade a quem tinha sido como tornar inteligível o francês mesclado com o português. O teste tinha um texto sofisticado, como tudo o que Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira com seus colaboradores, escrevem e como foi toda a minissérie, uma das mais informativas e refinadas de todas as da Tv Globo. Haviam testado muitas atrizes já e eu cheguei aos 45 do segundo tempo, só faltava a Marinete para fechar o elenco. Estudei bastante para o teste porque queria achar essa verdade e se a gente não faz a personagem o sotaque não vem fica falso, e como eu disse, é preciso saber dosar quando falar em Francês e quando em português com sotaque. Passei no teste, pulava de alegria feito uma cabrita, assumo, e começou uma experiência riquíssima. No elenco havia muitos atores do Teatro Paulista, amigos antigos, outros que não conhecia, a união entre os atores de São Paulo e do Rio foi sensacional. Digo isso porque iríamos contar uma história basicamente paulista, o que não fez a menor diferença porque as pessoas se prepararam e a convivência era muito prazerosa e lúdica. Íamos gravar em externa na fazenda de Yolanda Penteado, as gravações no estúdio naquela sofisticação da direção de Arte e contando uma história de pessoas que viveram tudo aquilo e um período extremamente fértil no país e em São Paulo, do ponto de vista da arte, da cultura, do pensamento, da política, sem falar da emoção de falar sobre a cidade onde cresci e vivo.
Recriamos entre nós atores a atmosfera que os personagens na época viveram. A amizade, a cumplicidade, sem jamais as brigas dos mesmos, claro. Ana Paula Arósio, Eliane Giardini, Betty Goffman, Selma Egrei, Pedro Paulo Rangel, Jose Rubens Chachá, Pascoal da Conceição, Claudio Fontana, Antonio Calloni, Erik Marmo, Fernanda Paes Leme e tantos outros, um time inesquecível, mas preciso destacar Tato Gabus, que fazia meu marido Paulo Prado. A generosidade desse ator e amigo, que me ensinou passos preciosos no fazer televisivo.
Para se ter uma ideia de nossa convivência, nos reuníamos, parte do elenco, no quarto de algum ator, no hotel para assistirmos juntos aos capítulos da minissérie. Era mesmo “Um só coração”!
Como a minissérie cobria o período entre os anos 20 e os anos 50, e o comprimento do meu cabelo chegava até o meio das costas, tive que fazer um corte radical, Chanel curtíssimo com franja. A partir de Marinete, engatei vários trabalhos. Participei de “JK”, “ Ciranda de Pedra”, “A favorita”, “Tempos Modernos”, “ Ti Ti Ti “, e agora “O Astro”.

Melão - De que forma você construiu a personagem Olímpia, uma dona de bordel em “JK”?
Tuna - Voce me pergunta sobre uma das personagens mais prazerosas, ricas de histórias e de nuances que interpretei. Tenho paixão por esse trabalho, de complexa composição interna e externa. Além de ter uns figurinos e maquiagem como poucas vezes eu vi, crédito seja dado a Emilia Duncan e Marlene Moura, que pesquisam incansavelmente a fidelidade ao real.

Para a sua construção, inicialmente contextualizei a minissérie e a personagem na época em que ela existiu, o que acontecia historicamente, mas também como era a mentalidade da época tanto nas elites como nos outros segmentos da sociedade brasileira. Especialmente no que diz respeito à sexualidade e a uma certa hipocrisia social que até hoje impera de modo globalizado, ainda que se observe uma  imensa evolução nos costumes e  nos discursos, ainda há muito para caminhar em  direção à satisfação dos desejos humanos. Reli “O livro das Cortesãs”, de Susan Griffin, um precioso documento.

Olímpia Garcia seria retratada durante três décadas praticamente. Por ser uma personagem real, que existiu e da qual pode-se contar muitas histórias que ocorreram, eu não poderia “ inventar” uma Olímpia, mas teria que aprofundar o que ela representava na época com seu cabaré, frequentado na juventude por Juscelino Kubistchek e seus amigos. Olimpia era dona do cabaré mais famoso e elegante de Minas. Políticos, coronéis, jovens abastados frequentavam suas meninas, tratadas com luxo e mão de ferro ao mesmo tempo. Olímpia tinha um gosto refinado, espanhola de Viga, conhecia os requintes da vida e as fantasias masculinas. Seu cabaré era bem cuidado, as moças escolhidas a dedo, a decoração suntuosa e o ambiente de total liberdade e discrição garantiam a lotação esgotada todas as noites.
Entretanto, todo esse glamour tem um preço: o lado B. Decidi, então, ao voltar de uma viagem à Espanha, onde em Madri pude treinar a pronúncia espanhola, uma vez que os sons das letras Z e S são muito específicos, ver o que se passava na noite paulistana, em locais menos elegantes digamos assim. Por mais refinado que seja o ambiente, não se pode esquecer que trata-se de pessoas que dependem de seu corpo, que o vendem para viver, que muitas vezes se submetem a situações de dominação por parte do cliente, humilhação e outras coisas não declaradas. E seguem regras rígidas. Visitei locais no Centro de São Paulo onde, por exemplo, via claramente o esquema de incitar o consumo dos clientes na casa, oferecendo bebida, mas as moças tomavam chá como se fosse uísque. Vi cubículos separados por uma parede onde os casais sem inibição alguma davam vazão a seus desejos, enfim, quis “desglamourizar” o que eu teria que trabalhar na personagem para poder, a partir da realidade, sem descaracterizar, colocar o brilho, a beleza, a leveza que o cliente busca em ambientes como o cabaré de Olimpia Garcia.

Quanto à pronúncia exata e o sotaque espanhol ao falar português, eu sempre digo que para se fazer um sotaque é necessário interpretar a personagem antes de mais nada, com verdade, é o único modo para que o sotaque venha de maneira orgânica. Entretanto, se não houver um cuidado com a técnica e a perfeição do sotaque, corre-se o risco e fazer uma caricatura ou ter uma interpretação falsa em que o sotaque se separa da personagem, o que torna ambos inverossímeis.

Tive a meu favor além de uma trama envolvente e um  texto primoroso, de Maria Adelaide Amaral, Alcides Nogueira, Geraldo Carneiro, Leticia Mey e Rodrigo Amaral, o fato de falar a língua e de conhecer a pronúncia do espanhol da Espanha, completamente diferente da pronúncia nos outros países de língua espanhola.

Melão - Em “Tempos Modernos”, sua personagem Justine também se comunicava em vários idiomas. A personagem foi construída especialmente pra você?

Tuna - Justine era poliglota sim e se comunicava no mesmo diálogo  em vários idiomas. Numa das cenas, por exemplo, ela diria uma palavra em vários idiomas ou a mesma frase igualmente. Era um exercício delicioso e efetivamente a personagem foi escrita para mim, o que me deixou muito honrada. Bosco Brasil e Maria Elisa Berredo conheciam meu trabalho como atriz e como intérprete de eventos internacionais,  de atores, cantores de ópera, diretores de teatro, cinema, enfim, sabiam que eu transitava por várias línguas , traduzia coletivas de Imprensa, montagens de palco enfim, conhecia  minhas  diversas vertentes profissionais  e me deu esse saboroso personagem. Eu faria uma participação especial de alguns capítulos, e me fizeram uma surpresa maravilhosa: permaneci até o final da novela e adorei. É muito gratificante quando uma personagem tem essa aprovação e se pode explorar outros limites, usar a experiência pessoal para enriquecer sua expressão.

Melão - Você se inspirou em alguém para compor a hilária Sueli Pedrosa, apresentadora sensacionalista em “Ti Ti Ti”?


Tuna - Obrigada por achá-la hilária! Eu adorava fazer a Sueli e armar uns bons barracos. Numa das rubricas de Maria Adelaide Amaral estava escrito “praticamente um homem”, e claro ela era uma mistura de vários apresentadores sensacionalistas, um tipo difundido na TV do mundo inteiro. Explorar a miséria humana, chorar na frente das câmeras, invadir a privacidade dos entrevistados, exagerar os dramas de terceiros para fazer aumentar a audiência, alimentar o imaginário mórbido do público, tudo isso se mesclava em Sueli, representante fiel desse tipo de jornalismo e seu estilo permitia uma grande liberdade na interpretação sem receio de parecer excessiva porque ela era real, ela existe como personagem porque existe na vida. A repercussão foi surpreendente e ocorreram alguns fatos divertidos como, por exemplo, um dia cheguei a uma recepção grande e um casal muito simpático veio “brincar” com Sueli dizendo “nós achamos que você iria invadir a sala e já começar a perguntar um monte de coisas”, porque adoravam a personagem, ou na rua pessoas me paravam dizendo” a Sueli chegou gente!”, ou seja, isso é reflexo de que ao me basear em vários tipos que existem, isso chega diretamente no inconsciente coletivo e as pessoas reconhecem o que estão vendo. Há vários programas vespertinos em que as pessoas armam barracos como os da Sueli.

Melão - Você é noveleira? Se sim, quais suas novelas favoritas como espectadora?

Tuna - Pode-se dizer que sim, na medida em que gosto do gênero, mas não é sempre que sigo uma novela todos os dias por causa do trabalho que muitas vezes não deixa tempo nem de ver pela internet.  Mas há algumas que me hipnotizam. Como passei alguns anos no exterior, há várias que não vi, mas me lembro que ao voltar me deparei coma reprise de “A Sucessora”, de Manoel Carlos, grudava na TV, assim como com “Água Viva”, de Gilberto Braga e “ Força de um desejo”, de Gilberto Braga e Alcides Nogueira. Adorei “O Clone”, de Gloria Perez, mas novelas que nunca mais esqueci... há algumas da extinta TV Excelsior, como “Sangue do meu Sangue”, de Vicente Sesso, “A Muralha”, “Beto Rockfeller ‘, de Bráulio Pedroso, “Que Rei sou eu?”, de Cassiano Gabus Mendes, e outras como “Roda de Fogo”, de Lauro Cesar Muniz. Gosto muito de “Dono do Mundo”, a primeira versão de  “Mulheres de Areia” e “Selva de Pedra”, e a imbatível “Vale Tudo”, assumo o vício! A primeira novela que vi por exemplo foi “ A moça que veio de longe” com Rosamaria Murtinho e aí o bichinho pegou. Afinal nasci em tempos de “O Direito de Nascer”, “Redenção”, “O preço de uma vida” (até hoje me lembro de Sergio Cardoso, o Dr Valcourt, chamando a Tula, de Nivea Maria). O final dos anos 60 trouxe um tipo de folhetim que, quando seguido o modelo hoje, acaba seduzindo o espectador de modo irreversível. Mesmo uma fantasiosa e criativa “Saramandaia”, ainda que subvertendo certos ícones conquistou o público, “O Bem amado”, “Tieta”, “Éramos Seis”, “ O Rebu”, “O grito”, tantos títulos me voltam à memória . Há um tema musical emblemático para mim: “What a wonderful world” cantado por Louis Armstrong na maravilhosa “Pigmalião 70” com Tonia Carrero e Sergio Cardoso encantando a todos.


Melão - Como é sua rotina quando está fora das telas e dos palcos? O que a Tuna curte fazer nos momentos de lazer?

Tuna - Como acho que até não fazer “nada” é fazer algo, mesmo dormindo se sonha... Lazer é para mim não ter rotina, não me obrigar a nada, mas procuro fazer o que não tenho tempo quando estou trabalhando, como ir ao teatro, ao cinema , nadar se o clima permitir, caminhar, mas essencialmente fazer o que tenho vontade como por exemplo, ver do começo ao fim um seriado. Ultimamente peguei o box da fantástica série “Mad Men”  que quero devorar até o último episódio que espero, irá ocorrer num futuro bem distante. Então alterno atividades fora de casa e outras dentro de casa, faço arrumações, termino de ler um livro começado e claro, atualizo minhas conversas e vejo os queridos amigos que não tenho tempo de ver quando estou trabalhando muito.

Melão - Diante de seu talento para escrita, nunca teve vontade de escrever para televisão?

Tuna - Mais uma vez agradeço seu generoso comentário, mas jamais me atreveria a fazer algo que não sei, é quase uma temeridade não ter experiência e escrever para o veículo. Acho uma leviandade. Confesso que nunca senti essa vontade, mesmo agora com sua pergunta, não me vem esse desejo. Prefiro contar uma ideia ou contar uma história verdadeira para alguém que a escreva. Já escrevi para jornal, escrevo em sites e publiquei três livros, mas compor diálogos, montar essa arquitetura sofisticada da escrita televisiva, é atividade para quem tem essa vocação. Tenho claro que a minha é a de dar vida que vocês, com tanto talento, criam para nós, atores.

Melão - Existe algum personagem ou tipo específico que você ainda gostaria de interpretar?

Tuna - Tenho fascínio, veneração pela tragédia grega, por ópera, pelas manifestações artísticas dos sentimentos mais profundos e os paradoxos humanos. Quando entrei na EAD (Escola de Arte Dramática) interpretei minha personagem predileta, a Cassandra, de “As Troianas”. Mais de vinte anos depois é um ícone para mim. Uma megera domada, uma vilã com suas vulnerabilidades são sempre interessantes. Personagens pouco óbvios me atraem, mas igualmente uma comédia rasgada, deliciosa, preciso mesmo é de personagens que gerem empatia, palpáveis, reais, sejam dramáticas ou cômicas, elas têm que ser universais, nas quais eu e o público nos reconheçamos. Eu de qualquer forma, me apaixono e defendo minhas personagens. Cada uma é no fundo, alguém que faria qualquer coisa pelo que acredita. Gosto de personagens que vivem situações-limite e  o que elas são capazes de fazer do que fizeram delas.
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Tuna, querida, não tenho palavras para agradecer por sua generosidade e dedicação ao conceder essa entrevista tão rica e repleta de carinho e intensidade e histórias deliciosas de toda uma vida. Desejo a você todo sucesso do mundo e que “os astros” possam nos reunir muitas outras vezes! 


sexta-feira, 2 de abril de 2010

Tide, só tinha de ser com você!!! - Entrevista especial com ALCIDES NOGUEIRA!!!


Sim, meus queridos, é isso mesmo! Tide, ou melhor, Alcides Nogueira, também prefere melão!!! Hoje é o dia que eu deixo toda a modéstia e a humildade de lado pra dizer que temos um post sensacional! Tinha mesmo que inaugurar essa nova fase com chave de ouro. Pensei numa big entrevista. E logo me veio à cabeça esse entrevistado tão especial. Na verdade, TINHA que ser com ele! Não só pelo grande escritor que é, mas por ser um ser humano ímpar, de uma delicadeza rara, de uma gentileza cativante e de uma simpatia poucas vezes vistas para alguém tão importante. Agora, mais do que nunca, é o MUSO OFICIAL desde humilde melão!!! (rs...) Tide costuma chamar de “príncipes” as pessoas que gosta. Por isso, me sinto muito à vontade pra dizer que ele é um rei e eu, um súdito declarado. Este melão vai ser sempre devedor a essa pessoa pela belíssima entrevista. Quem ler até o fim vai conhecer Alcides Nogueira em sua essência: pândego, delicado, generoso, mas também muito franco e honesto. De sua infância em Botucatu, passando por seus êxitos em teatro e Tv, pincelando por sua vida pessoal e dando uma prévia de seu próximo trabalho, eis Alcides Nogueira de cabo a rabo. O melão e seus leitores agradecem emocionados! Sem mais delongas, respeitável público, eis Alcides Nogueira falando COM EXCLUSIVIDADE para todos nós!

EU PREFIRO MELÃO - Em sua biografia escrita por Tuna Dwek, “Alma de Cetim”, lançada pela Imprensa Oficial, você narra de forma comovente e marcante suas memórias e experiências da infância, bem como as raízes de sua cidade natal, Botucatu. De que forma essas vivências contribuíram para a formação do escritor que você é hoje? Já transpôs alguma experiência vivida nessa época para alguma de suas obras?

 ALCIDES - Eu sempre digo que a Tuna Dwek foi extremamente sensível quando transpôs nossas conversas para o papel. Eu vivi e ela escreveu. Botucatu tem um papel muito importante em minha vida. Minha família está naquela cidade desde que ela era uma vila (parte de uma fazenda de jesuítas – traduzindo: final do século XVII). E, se for calcular, eu já morei mais tempo fora do que lá. Estou com 60 anos e saí de Botucatu para estudar Direito em São Paulo (com 18 anos). Mas o que foi vivido por meus ancestrais, a minha infância, a minha adolescência... tudo ficou registrado de forma indelével em meu coração. Não acho que ela seja a melhor cidade do mundo, e dificilmente voltaria a morar lá. Mas aquela serra demarca meu primeiro espaço físico no mundo. Isso não é pouco. Sem dúvida, muito do que vivi lá foi transposto para a minha obra – tanto teatral quanto televisiva. Mesmo em novelas de outros autores (onde eu fui co-autor), como no caso das cinco em que estive com Sílvio de Abreu, há referências marcantes. Dona Armênia (de “Rainha da Sucata” e “Deus nos Acuda”, vivia se referindo a “Baitatatu”, e à goibada-cascão da dona Calica (que realmente existe, é uma grande doceira, e foi vizinha de minha família). Em “O Amor está no Ar” coloquei muito das cidades do interior de São Paulo (diferentes das de todo o Brasil). E em “Ciranda de Pedra” eu citei amigos e pessoas de lá. O mais importante foi o legado que recebi de minha família, e isso poderia ter acontecido em qualquer outra cidade. Tive a sorte de nascer em uma casa onde sempre foi privilegiada a cultura.

EU PREFIRO MELÃO - O que diferencia o Alcides dramaturgo do Alcides autor de televisão? E o que um acrescenta ao outro?

ALCIDES- As diferenças são imensas. No teatro, eu solto meus bichos sem pudor algum. A cena suporta isso. Mergulho fundo nas minhas dúvidas e esmiúço a minha visão de mundo. Tanto que meu teatro é bastante visceral, cheio de referências, fruto da pós-pós-pós modernidade, carnavalizado e enraizado na intertextualidade. Na televisão, sou um autor mais realista, ou totalmente realista, próximo ao naturalismo, buscando retratar o dia-a-dia, sem grandes vôos poéticos (de vez em quando eles acontecem, mas são, basicamente, marca registrada de meu teatro). Gosto muito dos dois veículos, mas tive que aprender a conviver com as diferenças entre eles. Antigamente eu dizia que gostava mais de teatro. Bobagem. A televisão também tem sua magia. Resta descobrir qual é e como usá-la.

EU PREFIRO MELÃO - De suas três novelas-solo (“De quina pra lua”, “O amor está no ar” e “Ciranda de Pedra”) qual a sua favorita e que aprendizado você adquiriu com cada uma delas?

              Pela ordem: "De quina pra lua" (1985), "O amor está no ar" (1997) e "Ciranda de Pedra" (2008)

ALCIDES - A melhor é, sem dúvida, “Ciranda de Pedra”. É uma obra madura. Apesar de ter sido, muitas vezes apedrejado (principalmente nos blogs da internet), fui MUITO fiel ao livro da Lygia. A prova foi o apoio que ela me deu o tempo todo. O problema de remakes e adaptações é, sempre, a memória afetiva que o telespectador guarda da primeira obra. Muitas vezes ele nem sabe do que e porque gostou tanto da versão anterior, e já rejeita a nova. No caso de “Ciranda”, embora eu não tenha visto a adaptação do Teixeira Filho, de 1981, mas somente lido os capítulos (ainda estava morando na Suíça, e cheguei ao Brasil no final desse ano, para lançar no teatro “Lua de Cetim”), eu nem chamo de remake. Foram adaptações completamente diversas uma da outra. O Teixeira, com todo o talento dele, optou por uma visão mais horizontal, focando nas diferenças sociais entre os universos expostos – Vila Mariana e Jardim Europa; eu fiquei com a estrutura lygeana, vertical, psicológica, contando a história a partir do desagregamento familiar provocado pelo casamento infeliz de Laura e Natércio, o amor quase impossível de Daniel e Laura, e as vidinhas das três meninas: Otávia, Bruna e Virgínia. Fui muito atacado por Ana Paula Arósio fazer o papel de Laura. Disseram que ela era muito jovem etc... Isso é bobagem. Estrela não tem idade! A própria Ana Paula já tinha feito, em “Um Só Coração” (minissérie assinada por Maria Adelaide Amaral e por mim), a Yolanda Penteado, desde a saída da adolescência até quase 60 anos. E ninguém reclamou!!!!! Choveram elogios. A mesma coisa aconteceu com Lucélia Santos, que fez Virgínia na adaptação do Teixeira. Lucélia é das maiores atrizes deste país e, sem medo de exageros... do mundo! Digo isso com convicção, pois ela está fazendo uma peça minha – “As Traças da Paixão”. Lucélia é o máximo! Tem talento que não acaba mais, fora o carisma. Mas ninguém venha me dizer que ela tinha a idade de Virgínia, de uma adolescente de 13/14 anos, em 1981. Mais: ao mesmo tempo em que ela fazia essa menina na telinha, na telona encarnava Luz Del Fuego, com a MESMA verdade! Volto a repetir: isso não tem a menor importância!!!! Estrelas de verdade fazem qualquer papel, como Ana Paula e como Lucélia. Acontece que os fãs de Lucélia são xiitas. Eu já disse isso a ela, e também ao Aladim Miguel, presidente do fã-clube da nossa querida atriz... Na época, recebi muitas muitas cartas para que escalasse Lucélia de novo, ou como Virgínia (!!!!!!) ou como Laura. Tenho certeza de que nem a própria Lucélia gostaria disso. Voltando à novela em si: o livro de Lygia Fagundes Telles é denso, duro, trata de muitos assuntos polêmicos, como doença mental, eutanásia, suicídio, impotência sexual masculina, lesbianismo... Como colocar tudo isso às 18 horas, ainda mais com a classificação etária? O Teixeira deixou tudo de lado, a não ser a doença de Laura e a impotência de Conrado (que, na adaptação dele, tinha outro nome). Eu também enfoquei a doença de Laura e transformei a impotência sexual de Conrado (que hoje já não é mais um problema insolúvel) em impotência afetiva, emocional, que poderia dar muito mais estofo ao personagem. E, com cuidado, na base da sutileza, usando metáforas, acabei colocando a eutanásia praticada por Daniel, o suicídio dele, o lesbianismo de Letícia etc... Sei que muita gente não entendeu muito bem o final da novela... mas o jornal O Estado de São Paulo publicou que tinha sido o último capítulo mais ousado de uma novela das 18 horas. Adorei!!!!! Não posso deixar de mencionar os autores maravilhosos que estavam comigo (Mario Teixeira, Lúcio Manfredi e Cristiane Dantas) e a direção-geral de Carlos Araújo, um cúmplice, um artista superlativo, um grande companheiro de trabalho. E, em momento algum (que isso fique bem claro) fui pressionado pela Rede Globo. Mesmo com a novela não atingindo a audiência esperada. A qualidade do produto pesou mais. “De Quina pra Lua” serviu para mostrar que o apressado come cru. Eu não tinha bagagem suficiente para segurar aquela novela, ainda mais porque a sinopse do Benedito Ruy Barbosa era mínima, sem aprofundar nada... e não pintou a tão necessária dobradinha com a direção (a não ser com Mario Marcio Bandarra, amigão e um diretor maravilhoso). O elenco eu adorava. Só que eu escrevia a novela sozinho. Isso mesmo, sozinho! Sem computador (não havia na época), sem colaborador, sem pesquisador, sem nada... Era a época da Casa de Criação Janete Clair. Eu tinha um leitor, que acompanhava os capítulos e com quem trocava figurinhas. Para minha sorte, esse leitor era o Sergio Marques que, depois, veio a se tornar um ótimo autor. O Sergio foi meu porto seguro durante esse trabalho complicadíssimo. Fora o estresse provocado pelo Benedito, que tendo entregado a sinopse a mim, continuava me telefonando todo dia, para reclamar disso e daquilo. Quando cheguei ao capítulo 60, não tive dúvida: fui para o Rio, procurei o Dias Gomes e disse que estava entregando a novela. Houve uma reunião difícil, complicada... Eu estava rastejando, a ponto de nunca mais sair do buraco. Aí, o grande amigo Walter Negrão entrou na jogada. Não para escrever, mas para ficar comigo, com toda a sua experiência. E o Benedito parou de me perturbar. Em tempo: tenho enorme respeito pelo Benê, mas ele estava atravessando uma péssima fase, e não deveria ter feito isso comigo. Acho que ele nem se lembra mais dessa história, e é bom... MAS EU ME LEMBRAREI ATÉ O FINAL DOS MEUS DIAS!!!! O Benedito é um autor tão importante, que não precisa disso em seu currículo. Linda foi a postura do elenco, que ficou o tempo todo comigo. Adoro todos eles!!!!! “O Amor está no Ar” poderia ter sido uma grande novela. A trama era bacana, o Silvio de Abreu era o meu supervisor... Mas houve um miscasting horrendo! Ao lado de atores e atrizes que “vestiam” com perfeição os personagens, como Rodrigo Santoro, Natália Lage, Betty Lago, Isabela Garcia, Caco Ciocler, Luiz Mello, Thierry Figueira, Tuca Andrada, Natália do Vale, Georgiana Goes e tantos outros e outras... havia nomes que não tinham nada a ver... e que foram impostos (impostos mesmo) sem que eu ou o Silvio pudéssemos fazer nada. Fora isso, houve um desentendimento sério entre Wolf Maya (diretor do núcleo) e Ignácio Coqueiro (diretor-geral), e a coisa respingou na novela. Eu adoro os dois, mas fiquei no meio do tiroteio!!!! O Ignácio acabou mostrando todo o seu talento em “Poder Paralelo”... e o Wolf não precisa provar nada. Mas, naquele momento, eu tinha de ser preservado! A minha sorte foi estar com Bosco Brasil e Filipe Miguez, grandes e talentosos amigos e companheiros... Aliás, até hoje não entendo porque o Filipe não fez uma novela. Ele é o máximo!!!! De tudo isso, aprendi que não se pode dar o passo maior que a perna, e que todo autor deveria fazer o curso do Itamaraty para administrar tantos problemas. Mas não me arrependo de nada!

EU PREFIRO MELÃO - Você costuma dizer que aprendeu o “be-a-bá” da teledramaturgia com o Walther Negrão e se “pós-graduou” com o Sílvio de Abreu, mas também colaborou com outros autores como Lauro César Muniz e Gilberto Braga. Qual é o grande desafio do trabalho de colaboração? O que você aprendeu com eles no que diz respeito à rotina e divisão do trabalho que aplica no trato com seus próprios colaboradores?

Trabalhos de Alcides como colaborador / co-autor: "Livre para voar", de Walther Negrão, sua estreia em 1984; "O salvador da pátria" (1988), de Lauro César Muniz; e "A próxima vítima" (1995), de Sílvio de Abreu

ALCIDES - Como contei, já escrevi uma novela sozinho. Loucura total!!!! Não desejo isso a ninguém. Os colaboradores e co-autores são fundamentais. Eles alimentam a novela, sugerindo tramas, descobrindo caminhos, criando características fortes para os personagens. Sem dúvida, o rumo da história não pode sair do controle do autor-titular. Mas o sucesso da obra está nas mãos dessa equipe toda. Há autor que nem cita quem está criando com ele. É um absurdo, uma mentira! Fico muito bravo com quem “esconde” os nomes de co-autores e colaboradores. Para que um ego tão inchado? Felizmente trabalhei com autores do bem... pessoas generosas, que me ensinaram muito, como Negrão, Silvio, Gilberto e Lauro... São todos grandes autores e sempre colocaram o know-kow à diposição dos que estavam na equipe. Claro que aproveitei para aprender tudo o que era possível. O processo de trabalho em equipe é muito complexo. Há quem prefira equipes pequenas e enxutas, como Silvio, Negrão e Lauro... (eu me incluo nessa categoria), e outros que preferem equipes maiores (como Gilberto e Linhares). Eu brinco com eles dizendo que se trata de uma administração de condomínio. O grande desafio que cabe ao autor-titular é manter a sua marca e, ao mesmo tempo, absorver a colaboração dos outros membros do grupo. Nem sempre é fácil. Há também a questão da administração da própria novela, que cabe ao titular. É muito desgastante, porque isso “rouba” o tempo da criação: é preciso falar com a empresa, com a direção, com mídia (geralmente perversa e fofoqueira), com atores, com a produção (e suas diversas equipes)... A única forma de sobrevivência é delegar funções. De todos os autores com quem trabalhei, Silvio e Gilberto são os mais organizados. O Lauro possui uma maneira muito própria de criar, e é necessário um tempo para se acostumar com ela... mas ele é MUITO generoso. Com Negrão, é pura alegria! No computador ou fora dele, o Negrão é aquela pessoa que está sempre de bem com a vida. Foi bom você tocar nesse assunto. Digo, por experiência própria, que alguém só se torna um bom autor passando por todas essas fases. Novela, hoje, é um produto MUITO complexo, no qual foi investido muito dinheiro, e o retorno, em termos de audiência, é uma necessidade. Mas o titular que não enxergar a novela como resultado do esforço de toda uma equipe está equivocado... profundamente equivocado.

EU PREFIRO MELÃO - “Força de um desejo” (cuja sinopse é de sua autoria), que escreveu em parceria com Gilberto Braga, foi uma novela primorosa e, considerada por muitos apreciadores do gênero como uma das melhores novelas do horário das seis de todos os tempos. Como foi criar uma novela tão boa mantendo o estilo de dois autores tão especiais como você e Gilberto?

ALCIDES - Não vou dar uma de falso modesto: adoro “Força de um Desejo” e concordo que foi uma novela primorosa. Tenho certeza de que poderia ter sido exibida (naquela época, 1999/2000) no horário das 20 horas. A história da sinopse já é uma novela em si. Eu a escrevi, tomando como plot um livro muito pouco conhecido do Visconde de Taunay – “A Mocidade de Trajano” – e adaptei da maneira mais livre possível. Entreguei a sinopse ao Paulo Ubiratan. Ele morreu (infelizmente, pois faz um falta imensa) e a sinopse sumiu. Tempos depois, o Marcos Paulo achou a própria e mandou para a Marluce Dias da Silva (que comandava a emissora na época). Eu estava com o Silvio e o Bosco Brasil em “Torre de Babel”. Para resumir a ópera, a sinopse foi parar nas mãos do Gilberto, que gostou bastante dela (apesar de achar que, de Taunay, não tinha nada kkkkkk) e propôs um segundo tratamento, a quatro mãos. Foi assim que nasceu a novela, e não se pode deixar de lado a importância de Sergio Marques, que ajudou muito na nova versão da história. Enquanto eu terminava “Torre de Babel”, a minha querida Leonor Bassères (uma das minhas amigas mais queridas lá na Globo), assumiu meu posto na escrita. Deixou sua marca indelével, junto com Ângela Carneiro, Lilian Garcia, Eliane Garcia, Márcia Prates e Sergio Marques. Uma equipe dos sonhos. Sem dúvida isso colaborou muito para que a novela tenha sido tão bonita. Além de estar no núcleo de Marcos Paulo, com direção-geral de Mauro Mendonça Filho. A direção de arte foi um primor, assim como cenários, figurinos, iluminação, tudo... E a sintonia que sempre houve entre Gilberto e eu desta vez foi total. Como somos dois vampiros, trocávamos figurinhas às quatro horas da manhã (rsrsrsrs). Usando o meu bordão, Gilberto é um príncipe! E um mestre! Apesar de imensa (foi uma das novelas mais longas da Globo), a equipe toda criou sempre num clima bom, sem pressão, sem brigas... E com aquele elenco – um dream team – só podia dar certo! Tenho muito orgulho da “Força”, principalmente por ter estado com todas essas pessoas tão especiais!


EU PREFIRO MELÃO - Momento “Caras” (risos): como é seu dia-a-dia quando não está escrevendo? Sei que você é um grande apreciador de cinema, por exemplo, e que ama viajar. O que o “Tide” faz nos momentos de lazer?

ALCIDES - Já fui muito baladeiro. Ia pra rua de segunda a segunda. Vejam só: acabei caseiro. Saio pouco, muito pouco. Gosto de ir tomar café de madrugada, com amigos (a Tuna Dwek é minha parceira constante – sorvete e café), vou ao cinema e ao teatro... Vou a livrarias, galerias de arte e lojas de discos (ADORO música e tenho uma coleção bem bacana)... Leio, leio, leio... Vejo muito DVD... Às vezes, dois filmes por noite... até o sol raiar. E gosto de viajar. Tenho minhas cidades preferidas, como Paris (principalmente), Londres, Madrid, Lisboa... e procuro sempre conhecer um lugar novo (no ano passado fui parar na Cracóvia e em Auschwitz!!! Em São Paulo, curto um jantarzinho (afinal, a culinária maravilhosa desta cidade é uma tentação)... E passeio pela cidade: centro velho, Jardins, Higienópolis... Sou consumista: adoro comprar desde roupa até bobagens que nunca irei usar, mas que são bonitas... Mas o que me dá maior prazer, fora as viagens, é andar de carro pela cidade, de madrugada, sem destino, ouvindo música. Principalmente rock e electro... Gosto imensamente de São Paulo! Apesar de todos os defeitos e problemas de uma megalópolis desvairada, eu me sinto acolhido por esta cidade.

EU PREFIRO MELÃO - Você já pensou em adaptar alguma obra teatral sua para a TV?

ALCIDES - Não. Como disse lá no comecinho, teatro é teatro e tv é tv. Eu mutilaria uma obra teatral e não faria um bom programa para a telinha. A única pessoa que conheci que fazia isso brilhantemente foi o Walter Durst. Mas, claro, sempre acabo usando um personagem ou uma situação de minhas peças em novelas. Comecei a escrever primeiro para o teatro e depois para a televisão. Aconteceu algo muito bom: a linguagem de um veículo ajudou a do outro. Hoje sei que meu teatro ganhou agilidade por causa da televisão e esta ganhou maior estofo na criação de personagens e cenas por causa do teatro.

EU PREFIRO MELÃO - Suas minisséries em parceria com Maria Adelaide Amaral (“Um só coração” e “JK”) primam pela reconstituição de época perfeita e rico panorama histórico de nosso país. Como é a responsabilidade de contar histórias de personagens reais? Já pensou em escrever alguma minissérie que fuja a essas características em que os personagens sejam totalmente fictícios?

ALCIDES - Sempre digo e nunca vou me cansar de repetir: trabalhar com Maria Adelaide é um sonho! E não é tão difícil entender isso: temos uma amizade que começa lá atrás, na Editora Abril, uma história teatral, muitoooooooooooooos amigos em comum... e, quase sempre, gostamos dos mesmos filmes, das mesmas peças, dos mesmos livros.... Freqüentamos o mesmo universo aqui em São Paulo. É muita afinidade! Além de sermos (os dois) crias do Silvio de Abreu. Com ele escrevemos “Próxima Vítima “ e “Deus nos Acuda”, e ele foi supervisor da Maria Adelaide e meu. O Trio Parada Dura! Voltando às minisséries históricas: Maria Adelaide é uma super historiadora. Além do que conhece, ela pesquisa a fundo. Isso dá gosto, puxa a gente, motiva... Nas duas minisséries, os temas eram complexos: em “Um Só Coração”, a história de São Paulo, contada pelo ponto de vista cultural, da Semana de Arte Moderna (1922) até o IV Centenário da cidade (1954), tudo focado no casal Yolanda Penteado e Ciccilo Matarazzo ... e, em “JK”, a trajetória do presidente, de seu nascimento em Diamantina (1902) até a sua morte, em um acidente de carro na Dutra (1976), em plena Ditadura Militar. É MUITO complicado contar a vida de pessoas reais, mesmo quando deixamos claro que, ainda que baseada em fatos reais, a obra é ficcional. Estamos tratando de pessoas que existiram (muitas foram ícones)... e isso exige uma responsabilidade ética, um rigor histórico muito grande. Mas toda história é uma boa história. E foi assim que em “Um Só Coração”, com Lúcio Manfredi e Rodrigo Arantes do Amaral... e em “JK”, com Geraldo Carneiro, Letícia Mey e Rodrigo Arantes do Amaral, conseguimos retratar dois momentos tão importantes da vida brasileira. Mais uma vez contamos com preciosos pesquisadores e equipes de primeira linha para direção de arte, figurinos, cenários... Não tenho dúvida de que esses trabalhos estão entre os melhores já produzidos e exibidos pela rede Globo. Quanto a uma minissérie com personagens totalmente fictícios, ainda não pensei nisso. É uma bela idéia que você está me dando. Many thanks!

EU PREFIRO MELÃO - Você pode adiantar detalhes de seu novo projeto para a Rede Globo? O que podemos esperar dessa vez?

ALCIDES - Entreguei uma sinopse para uma novela das 18 horas. É assinada por mim e por Mario Teixeira. Afinal, nós construímos uma ótima dobradinha em “Ciranda de Pedra”. Queremos contar uma bela história de amor, folhetinesca mas moderna, ambientada no novo universo rural – principalmente o do estado de São Paulo – onde corre muiiiiiiito dinheiro, e as pessoas têm um nível de vida muito elevado. E problemas também, claro. Há muitas armações, muitas maracutaias e muito humor. Deve entrar na grade de 2011, pois as próximas produções já estão fechadas. Isso é bom. Temos mais tempo para trabalhar nas tramas. Eu e Mario fomos retirando nossas histórias dos baús e acho que chegamos a uma boa trama! A vilã é maravilhosa kkkkkk.

EU PREFIRO MELÃO - Você é noveleiro? Que novelas (não valem as suas...rs!) você mais gostou como telespectador?

ALCIDES - Antes de começar a escrever para a telinha, eu via pouquíssima coisa na televisão. Novelas, as das 22 e, de vez em quando, alguma coisa das 20 horas. Não tinha muito interesse. Mas não perdi “Escalada”, do Lauro, que considero a melhor telenovela brasileira. E “O Rebu”, muitas outras... Depois, a coisa mudou e comecei a ver tudo: as das 18, das 19, das 20, das 22, seriados etc... Hoje, não. Até porque, lendo o belo artigo do Lauro César Muniz que o blog publicou, concordo com ele: a televisão perdeu a ousadia. Por que não há mais programas como “O Casarão”, “Roque Santeiro”, “Nina”, “Malu Mulher”, “Ciranda, Cirandinha”, “Armação Ilimitada” (eu era apaixonado pela Zelda!!!!)???? Claro que há histórias que me prendem. Adorei “A Favorita”, acho que “Passione” e “Ti-Ti-Ti” vêm com tudo, gostei muito de “Paraíso Tropical”, com Bebel e Olavo arrasarando!!... CACHORRA!... Curtia bastante “Desejo Proibido” e achei ruim terem encurtado... Mas fico mais com as minisséries (“Desejo”, “Hoje é dia de Maria” – o primeiro, o segundo foi insuportável - , “Labirinto”, “Dalva e Herivelto” me comoveram) e com os seriados (“Cinquentinha” foi um achado). Juro que não sou saudosista, mas a televisão ficou careta!

EU PREFIRO MELÃO - Você considera o gênero “telenovela” como algo menor se comparado ao cinema ou teatro? Qual o papel da telenovela na vida do brasileiro?

ALCIDES - De maneira alguma!!! (CARA DE INDIGNADO!). Sem essa de ser menor... A telenovela, hoje, é o grande entretenimento do brasileiro, que não pode comprar livro ou disco, ir ao cinema ou teatro, porque NÃO TEM dinheiro... mesmo o país tendo melhorado bastante. Fora a questão do entretenimento, a televisão avançou na discussão de muitos temas: homossexualidade, a questão racial, a questão da mulher, prostituição, drogas, exclusão social, a questão dos portadores de deficiências... a discussão das maracutaias políticas... Por ter um feedback muito rápido, a novela consegue se ajustar ao que o telespectador busca. Isso não é uma posição passiva, não! Trata-se de assumir, de vez por todas, que a novela é SIM uma obra aberta.

EU PREFIRO MELÃO - Pra terminar, que conselho daria a um jovem roteirista que aspira a trabalhar na TV?

ALCIDES - Muitos só enxergam o glamour da profissão. Garanto que é o que menos existe. Conta é o trabalho exaustivo. A vida para quando se está escrevendo uma novela. Mas, para quem quer ir adiante, aconselho a nunca deixar de perseguir o sonho, por mais distante que ele possa parecer. E vá acumulando experiências: veja novelas, filmes, seriados, minisséries... e leia leia leia leia! Não há bagagem mais preciosa! Leia de bula de remédio a Proust... mas leia!

EU PREFIRO MELÃO - Que pergunta que não fiz que você gostaria de responder?

ALCIDES - Nenhuma. Você é inteligente, respeitoso e muito elegante. Eu é que pergunto: qual resposta você acha que eu não deveria ter dado?????????


Imagina! TODAS as respostas foram essenciais. Sem mais, termino confessando: “Alcides, quando crescer quero ser igual a você”.

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