sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Roteirista convidado: Eddy Fernandes, um talento promissor!


 A cada blogueiro convidado, esse melão fica ainda mais orgulhoso de poder contar com tantos talentos nessa seção. Muitíssimo jovem, mas com um texto já super maduro, Eddy Fernandes, ou meu “sobrinho” como carinhosamente chamo, me chamou a atenção desde seu primeiro texto que li. Dono de um humor inteligente e perspicaz, esse jovem e promissor talento de Manaus, já saca tudo de roteiro. Mordaz e irônico, mas ao mesmo tempo simpático e gentil, além de um ser humano adorável do primeiro time dos queridões, Eddy possui sensibilidade, conhecimento e um talento nato para a escrita. Com certeza, irá trilhar um caminho brilhante. Tudo isso que falei a respeito dele se comprova na cena a seguir, de uma comédia romântica (sua especialidade, mas também arrasa no drama) em que nosso querido Eddy mostra todo seu potencial. Guardem bem esse nome: um dia ouviremoa falar muito dele e vou ficar feliz por ter publicado um texto de sua autoria. Orgulho do titio...rs! Com a palavra... Eddy!

EDDY FERNANDES APRESENTA “MORTA VIVA”

"A cena abaixo foi escrita há alguns meses por mim e é parte de uma sinopse que desenvolvo há pouco mais de dois anos. A história chama-se "Morta Viva" e trata-se de uma comédia dramática. O título, à primeira vista, um tanto esdrúxulo (rs), traduz completamente a história central, que está na figura de uma mulher que precisa forjar a própria morte para se proteger. A sequência que vocês lerão, no entanto, não é protagonizada pela nossa heroína e sim por Chico, o (anti?) herói. 35 anos, pai solteiro de três filhos, que é abandonado pela esposa ambiciosa logo no começo da narrativa. Especialmente para o Melão, um dos momentos-chave da história, o confronto do mocinho com sua ex". 

CENA 1/ telhado/ ambiente. Exterior/ Noite.

As meninas empurram Maria, fazendo algazarra. Ela, muito contrariada, ainda tenta segurar a porta, mas as garotas são mais rápidas e trancam por fora. Caio entra em quadro, de costas, assoprando a mão, para ver se está com mau hálito. Maria cutuca o ombro dele, impaciente.
MARIA                 — Vamo logo com isso!
Caio se volta, assustado.
CAIO                    — Mas já?
MARIA                 — Não foi pra isso que a gente veio?
E espicha os lábios. Caio recua.
CAIO                    — Espera.
MARIA                 — Já sei. Vai pôr uma bala de menta na boca.
CAIO                    — Eu não! (T) Devia?
MARIA                 — Peraí, deixa eu ver...
Maria chega perto, faz sinal para Caio tossir, ele obedece. Ela determina:
MARIA                 — Até que não. (tom) As meninas que disseram que você tinha um esgoto aí dentro...
CAIO                    — Isso é conversa da Tininha porque eu não quis enfrentar aquele aparelho.
MARIA                 — Se tiver problema, eu tiro. O meu é móvel.
CAIO                    — (bobo) Em você, fica lind... quer dizer, legal.
MARIA                 — Então, tá. Abre a boca aí.
CAIO                    — Vai ser de boca aberta?
MARIA                 — É como a gente vê no cinema.
CAIO                    — (inseguro) Eu preciso te contar uma coisa.
MARIA                 — Nunca beijou antes?
CAIO                    — Eu não sabia que era transparente.
MARIA                 — Tá suando mais que o meu pai em ônibus da Central. Eu deduzi. (T) Tá com medo?
CAIO                    — Um pouco. Eu sei que você não queria me beijar.
MARIA                 — Eu vim em busca do Jefferson, mas nem tudo é perfeito.
CAIO                    — Assim, como se fosse um favor, eu também não quero.
MARIA                 — E eu vou contar o quê, pra elas lá fora?
CAIO                    — Não precisa contar. Quer apostar quanto que elas tão ouvindo?
Corta rápido para o corredor: as meninas amontoadas na porta, de repente, retrocedem. Corte de volta para o telhado. Maria e Caio lado a lado, de costas para a câmera, recortados contra a lua. Imagem linda. Silêncio constrangedor entre eles. Caio tira um pacote de bala do bolso. Oferece.
CAIO                    — Tem de laranja e tutti-frutti.
MARIA                 — (pegando) Tutti-frutti.
CAIO                    — (mascando) Cê já quer sair?
MARIA                 — (faz que não) Tá bom aqui. Batendo um ventinho...
CAIO                    — (aponta pro céu) Aquela estrela ali, ó. Chama cassiopéia.
MARIA                 — (no deboche) Cê jura? Esse filme eu também vi.
CAIO                    — (irritado) Mas será que eu não dou uma dentro!?
MARIA                 — Desculpa, eu que tô sendo grossa. Implicância minha, vai ver a boca do Jefferson nem é lá essas coisas.
CAIO                    — Isso eu te garanto.
MARIA                 — (provoca) Já beijou ele, por acaso?
CAIO                    — Não. Mas tô com muita vontade de beijar você.
MARIA                 — E o que te leva a crer que isso vai acontecer? A aposta?
CAIO                    — A aposta eu já entreguei pra Deus. Mas tem essa sinergia...
MARIA                 — Eu topo.
CAIO                    — (engole em seco) Oi?
MARIA                 — Não precisa gastar saliva, muito menos texto decorado de filme B de ficção científica... eu topo.
CAIO                    — E não vai sair falando mal de mim se eu te decepcionar?
MARIA                 — (beija os dedos) Não.
E eles vão se aproximando, devagarzinho... de repente, Maria se ergue.
CAIO                    — Que foi?
MARIA                 — O aparelho. Eu não quero te machucar. (pede) Vira pra lá.
Caio fica de costas. Maria tira o aparelho, não sabe onde pôr, enfia no bolso. Chega nele.
MARIA                 — Onde é que a gente parou?
Caio olha para ela, sorrindo. Trêmulo, toca no rosto, deslizando lentamente pelos cabelos. Uma espécie de carícia, muito tímida. Maria sorri, meio bobinha. A sonoplastia sublinha e já podemos ouvir o piano de Leoni. No que as bocas se juntam, no beijo casto, mas avassalador, entra o refrão: “Noite e dia se completam, no nosso amor e ódio eterno...”. E nisso, a câmera vai se afastando, se afastando...

FIM

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sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Temas e Trilhas: Elis Regina




Este blog não é muito de efemérides. Mas como passar em branco os 30 dolorosos anos sem Elis Regina, a intérprete mais emocionante e emocionada do Brasil? Muitos dizem que depois dela não apareceu mais ninguém à altura. Sem querer entrar no mérito da questão, melão presta sua homenagem a essa grande estrela e promove um desfile de seus 10 temas de novelas e séries favoritos. Vamos a eles:

10) “ALÔ ALÔ, MARCIANO” em “COBRAS E LAGARTOS” (2006)



A irreverente canção de Rita Lee na voz da Elis foi tema de Zuleika (Eva Wilma)   em “História de Amor” (1995) e também do seriado “Tarcisio & Glória”, de 1988. Mas a lembrança mais marcante que temos é como tema de abertura da novela “Cobras e Lagartos”, que dizia muito sobre a trama de João Emanuel Carneiro, que abordava a desigualdade social de maneira sarcástica e bem humorada. E Elis deita e rola, deixando a canção personalíssima. Mais debochada, impossível.

9) “PARA LENNON E MC CARTNEY” EM “CORPO A CORPO” (1984)



“Eu sou da América do Sul / Eu sei, vocês nem vão saber”... Minha lembrança mais forte dessa canção é do final da novela “Corpo a Corpo” (1984), de Gilberto Braga, em que o elenco era apresentado ao som dessa música. A canção ficou no meu imaginário e nunca mais a desvinculei da novela. Graças à interpretação sempre marcante de Elis.

8) “O BÊBADO E O EQUILIBRISTA” em “QUERIDOS AMIGOS” (2008)

Hino indiscutível da anistia no Brasil, a mítica canção de João Bosco e Aldir Blanc, em interpretação definitiva de Elis também ilustrou o retorno dos personagens da minissérie ao Brasil. Além disso, a canção dizia muito sobre aquele grupo de pessoas retratadas na trama. De fato, é emblemática para toda aquela geração que viveu e sofreu os anos de chumbo. Uma ode à liberdade.

7) “REDESCOBRIR” EM “CIRANDA DE PEDRA” (2008)



Também foi tema de abertura da novela do SBT “Razão de Viver” (1996), mas foi na trama cinquentista de Alcides Nogueira que a canção entrou definitivamente para o imaginário popular ao fazer parte da bela abertura da novela. O fato do refrão tocar incessantemente faz com que a música grude como chiclete em nossa mente, mas se abstrairmos esse fato, podemos perceber uma letra lindíssima e uma interpretação arrebatadora de Elis.

6) “ME DEIXAS LOUCA” EM “A VIDA COMO ELA É” (1996)

Um dos últimos sucessos de Elis, aqui ela nos oferece uma interpretação mais que apaixonada, mas totalmente entregue, lânguida e seduzida pelo fascínio da paixão. Também foi tema da novela "Brilhante" (1981), mas minha memória afetiva me transporta diretamente para a atmosfera da série inspirada em contos de Nelson Rodrigues. Casou perfeitamente com a atmosfera erótica da série e suas cenas pra lá de quentes. As aventuras das mulheres rodrigueanas, cujo destino é sempre pecar, tinham sua mais perfeita tradução nessa música e em uma Elis em êxtase.

5) “TIRO AO ÁLVARO” EM “SASSARICANDO” (1987)

Presente na trilha sonora do remake de “Uma rosa com amor” (2010), era o tema dos personagens do cortiço. Coincidentemente, essa canção deliciosamente paulistana de Adoniran Barbosa também era o tema dos divertidos moradores do cortiço de “Sassaricando” (1987). Como não ouvir a canção e não se lembrar das aventuras de Tancinha (Claudia Raia), Dona Aldonza (Lolita Rodrigues) e de toda a família? Oficialmente, era o tema de Juana e Adonis (Denise Milfont e Rômulo Arantes), mas eu acabo lembrando de todo o núcleo. Adoro Elis solar e irreverente.

4) “COMO NOSSOS PAIS” EM “ANOS REBELDES” (1992)



Só me lembro da música ter tocado na última cena da minissérie em que Maria Lucia (Malu Mader), ao rever seu álbum de fotografias, aos prantos, constata que “minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”. Precisa dizer mais alguma coisa? A canção já era um dos maiores clássicos de Elis. E no contexto da minissérie, sua interpretação pungente e poderosa ganhou ainda mais força. Um momento antológico de nossa teledramaturgia.

3) “ATRÁS DA PORTA” EM “DE CORPO E ALMA” (1992)

Como não amar Antônia (Betty Faria), desesperada, descendo pela parede, aos prantos, pela perda do marido Diogo (Tarcisio Meira)? Quem nunca jurou vingança e cantarolou a canção após ser traído? E aqui temos uma das interpretações mais emocionantes de Elis, sobretudo na gravação ao vivo em que ela chora copiosamente e valoriza ainda mais a letra sofrida de Chico Buarque e Francis Hime. Confesso que a novela não está entre as minhas favoritas, mas já valia por ver Betty Faria pós-Tieta em um papel diferente de tudo o que ela já tinha feito, introspectiva, submissa e sofrida. Bela interpretação de Betty com uma canção que não poderia ser mais adequada.


2) “MODA DE SANGUE” EM “TORRE DE BABEL” (1998)

Apesar de pouco lembrada, esse é um dos temas que mais me emociona. Ele tem a angústia de “Atrás da Porta” e a lascívia de “Me deixas louca” e não podia ser mais adequado para o amor desesperado, doloroso e dilacerante de Clara (Maitê Proença) e Clementino (Tony Ramos) em “Torre de Babel”. Elis, mais uma vez, perfeita, conseguindo unir sua técnica irretocável com emoção à flor da pele. Para se ouvir muitas vezes sem cansar.


1)   “FASCINAÇÃO” EM “O CASARÃO” (1976)

O primeiro lugar não poderia pertencer a outra canção, senão a esse verdadeiro clássico. Elis simplesmente perfeita, esbanjando doçura e emoção a um dos momentos mais sublimes da televisão brasileira. Mesmo quem não acompanhou a novela de Lauro César Muniz, conhece e se emociona com a sequência final do reencontro de João Maciel (Paulo Gracindo) e Carolina (Yara Cortes) 40 anos depois. Sim, gostamos de sonhar, gostamos de acreditar que amores resistem ao tempo e gostamos de nos emocionar com grandes atores em cena ao som de uma trilha sonora que fala direto ao coração. Emocionante e inesquecível.





E quanto a vocês? Melão quer saber: quais são seus temas de novelas favoritos na voz de Elis? 

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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Blogueiro convidado: Edu Vieira relembra “Marron-Glacé”


Mais uma vez, este melão recorreu à memória de Edu Vieira e seu talento para relatar essas memórias. A escolhida da vez é “Marron-Glacê”, de 1979, um dos primeiros sucessos de Cassiano Gabus Mendes para o horário das sete da Rede Globo que sempre desperta saudades e quem viu e também a curiosidade de quem não assistiu, já que não há tantas informações disponíveis sobre a novela. Edu nos brinda com um texto que relembra os principais acontecimentos da novela e também revela algumas curiosidades em torno dela. Confiram!

  
Champagne no gelo...

Ary Fontoura e Sura Berditchevsky em cena de "Marron Glacê"

Lembro-me que toda vez que ouvia esse inicio do tema da novela Marrom Glacê, já estava postado à tv, cantando junto. Mais uma novela do autor Cassiano Gabus Mendes, meu autor favorito na época, que nunca me deixava na mão, sempre com várias histórias pra contar, com aquela que era sua marca registrada: temas adultos e folhetinescos embutidos numa narrativa leve e sofisticada.

Não conhecia a tal sobremesa do título- o tal marrom glacê, até a Cica lançar na época- vejam o que uma novela não faz - um produto similar à iguaria finíssima... que fez um enorme sucesso, sendo o próprio  que anunciava a novela. Cassiano, dessa vez, mostrava-nos o cotidiano da vida das pessoas que serviam uma classe abastada, os garçons, que moravam no mesmo prédio. Eles eram vividos por Lima Duarte, Armando Bogus, João Carlos Barroso e Ricardo Blat, cada um com um drama a ser contado ao longo da novela.

A trama se inicia com um elemento bem novelesco, um homem, Otávio (Paulo Figueiredo, que havia sido galã na Tupi) deseja vingar a morte da mãe (Eloísa Mafalda, em participação no primeiro capítulo), que havia morrido na miséria por culpa de uma família que, segundo ela, enganara seu pai.
O jovem não só conhece a tal família como vai trabalhar no Buffet da esposa do suposto responsável, Clotilde, conhecida como D. Clô (Yara Cortes), uma mulher muito justa, mas enérgica com seus empregados e também com suas duas filhas: Vanessa e Vânia, que não têm muito juízo e acabam aprontando sempre com a mãe, principalmente a mais nova, a apaixonante Vânia (Louise Cardoso) que logo se enamora por Otávio, tendo uma relação às escondidas. A grande ironia é que o rapaz apaixona-se de verdade, contra todas as suas expectativas de vingança, por sua irmã, Vanessa (Sura Berditchevsky), já noiva. Esta demonstra uma repugnância gratuita pelo rapaz, mas nós telespectadores já sabíamos do que se tratava...

A trama dos garçons alternava drama e comédia. Quando estavam juntos havia sempre cenas bem engraçadas, com eles zombando do exigente máitre, vivido por Laerte Morrone, que sempre desejava  colocar ordem no estabelecimento e também  do afetado e mal  humorado  cozinheiro, Nestor de Montemar. O mais velho deles, Oscar, vivido por Lima Duarte morava com duas senhoras um tanto gagás que fazia perucas para ele e este para não magoá-las fingia usá-las... essas cenas com as maravilhosas Ema D’ávila e Dirce Migliaccio, em um trabalho de composição, garantiam boas risadas. O personagem também tem um filho, Luis César (João Carlos Barroso) que trabalha com ele, porém mal fala com o pai por alguma razão do passado.

Nessa novela ainda há a estreia de uma atriz, na época modelo, começando muito bem, Mila Moreira, chamada apenas de Mila. Ela fazia Érika, secretária e braço direito de Clô. Era uma mulher sofisticada e um tanto esnobe que ganha espaço cada vez maior na trama quando o personagem de Armando Bogus, Nestor, cai de amores por ela... ela acha isso divertido e dessa situação  sai uma das muitas cenas memoráveis da novela. Querendo brincar com o garçom, aposta com as amigas fúteis que iria dar um beijo em qualquer garçom e contrata-o. Ele finge aceitar e no ato, revida um tapa no rosto da secretária, que a partir desse momento, passa a enxergá-lo. Um gancho e tanto, não? Outra cena também que ficou na história das novelas, mesmo tornando-se um clichê do gênero, é a cena em que Vanessa deixa o noivo no altar para ficar com Otávio, resultando num grande rebuliço com a mãe e principalmente a irmã, personagem que cativou o público. Muitos, na época, torciam para que Otávio se apaixonasse por Vânia, pois a mocinha, feita por Sura, era um tanto carrancuda.

Ainda, no prédio, viviam o casal feito pelos atores Ricardo Blat e Myriam Rios.  Esta fazia Shirley, uma mulher bonita que andava sempre de shorts, saias curtas, o que provocava sempre a ira do marido, o ciumento Juliano. Muitas mulheres, na época achavam mesmo o comportamento da mulher imoral, só para constar que se podia fazer uma crônica da vida real numa novela das 7. Porém o personagem vira o jogo, alegrando o público, meio machista, quando arruma uma pretendente feita por Heloísa Millet, em uma participação do meio pro final da história. Aí o feitiço vira contra a feiticeira...

No final da história, o (anti) herói acaba por descobrir que seu pai havia sido um contador que subtraíra boa parte do dinheiro do marido de Clotilde e pede perdão à ex-patroa, desejando ficar com sua filha. Vânia, no final, ganha um prêmio de consolação, está de olho em outro garçom, Mário Gomes em uma participação no último capítulo, último capítulo, aliás, que serviu de ponte para o primeiro da próxima novela Chega Mais em que a família da noiva contrata os serviços do Buffet Marrom Glacê. Mas, parafraseando o Charles Gavin, essa já é outra história...

Eduardo Vieira

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 Leia também outros textos de Eduardo Vieira para o melão:

Blogueiro convidado: Eduardo Vieira relembra “O pulo do gato”



quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Melão Entrevista o mestre MARCÍLIO MORAES!




Pra começar o ano em grande estilo, nada melhor do que um entrevistado mais do que especial. Sim, pois esse blog se dá ao luxo de entrevistar apenas os profissionais que admira. E Marcílio Moraes, certamente, é um deles. Da qualidade indiscutível de autor-roteirista, escritor e dramaturgo nem preciso falar, mas também tive o privilégio de ter sido aluno desse grande mestre e de privar de sua companhia, sempre simpática e agradável. De uma forma muito franca e honesta, Marcilio discute a questão da classificação indicativa no audiovisual, bem como a inevitável interferência das emissoras no trabalho autoral, faz um balanço de sua gestão como presidente da Associação dos Roteiristas, aborda a questão da quase inexistência de crítica televisiva em nosso país e do papel dos blogues independentes, nos conta de sua relação com seu grande mestre Dias Gomes e, claro, de seus principais trabalhos na televisão como as novelas “Essas Mulheres”, “Ribeirão do Tempo” e “Vidas Opostas” e as minisséries “Chiquinha Gonzaga” e “As noivas de Copacabana”, entre outras. Delícia de papo. Espero que curtam e feliz 2012 a todos!


Melão - Que avaliação que você faz de seu trabalho à frente da presidência da AR – Associação dos Roteiristas? Quais foram as maiores conquistas de sua gestão e quais são os maiores desafios do novo presidente, Newton Cannito?

Marcílio - Eu já escrevi um relatório da minha participação na presidência da AR, que pode ser visto no meu site pessoal, www.marciliomoraes.com.br . Em termos de avaliação, creio que a razão fundamental pela qual a AR existe foi alcançada ao longo desses dez anos: dar ao autor-roteirista brasileiro uma identidade própria, independente da empresa ou do produtor para o qual trabalhe. Graças à AR, hoje há a consciência profissional de que não basta encher o peito e dizer que é da Globo ou da Record, ou que trabalha com tal ou qual diretor.

Em termos de realizações, temos o nosso Código de Ética, fundamento da associação; a própria estruturação administrativa e legal da entidade; a presença independente e firme no panorama da política audiovisual; o respeito que obtivemos das outras entidades e das burocracias governamentais; a luta pela plena liberdade individual de expressão; a luta pelos direitos autorais, etc.

Melão -  Qual sua posição pessoal sobre a classificação indicativa?

Marcílio - Enquanto artista, enquanto autor, eu não posso admitir que alguém, seja diretor de empresa ou burocrata do governo, conheça melhor o meu público do que eu mesmo. Em função disso, sou, por princípio, contra qualquer interferência na minha obra, e por conseqüência na dos meus colegas.
Assim sendo, não posso aceitar que uma entidade que me represente assuma compromissos, seja em nome do que for, com instâncias que têm o poder real de se imiscuir no que escrevo. No caso, órgãos governamentais ou empresariais.
Na vida profissional, muitas vezes sou obrigado a aceitar interferências. Tudo bem, faz parte do jogo. Mas a entidade que me representa não pode, de nenhuma forma, legitimar essa interferência. Tem que se manter como referência de princípio, não só para os autores-roteiristas como para produtores, diretores, emissoras e governos.

Melão -Independente das limitações criativas impostas pela classificação indicativa, parte do público, surpreendentemente jovem, tem se mostrado bastante conservador com relação a cenas mais sensuais e ousadas, algo que não acontecia com tanta frequência na década passada. Pude perceber isso como colaborador de “O astro” quando lia tais declarações através do twitter. A que você atribui esse fenômeno? Acha que o público “encaretou”?

Marcílio - A televisão aberta atinge muita gente para você tomar algumas manifestações individuais como tendência. Certamente há muita caretice por aí, inclusive de jovens. Na verdade, ser jovem nunca foi sinônimo de mente aberta.
Quem costuma jogar com uma pretensa reação do público a temas e cenas mais ousadas são as direções das emissoras. Se você ler o Código de Ética que a Globo segue, que é o Código da ABERT, verá que ele é tão ou mais rígido que aquele manual de classificação indicativa usado pelo Ministério da Justiça.

Melão - “Essas Mulheres” é uma de minhas novelas favoritas de todos os tempos. Acompanhei do início ao fim e considero um trabalho primoroso, sobretudo pelo texto. Você acredita que o fato dela ter tido apenas 140 capítulos contribuiu para esse bom resultado? Novelas de menor duração possibilitam um trabalho de maior qualidade?


Marcílio - Novelas, pela sua própria natureza, são longas, o que não significa que quanto mais longa melhor é uma novela; nem o contrário, que sendo mais curta adquire mais qualidade. “Essas Mulheres” foi uma excelente novela por várias razões, pela inspiração em José de Alencar, pelo nível das pessoas que escreveram, pela produção bem cuidada, embora simples, pela direção do Colatrello, etc. A duração não determinou esta excelência. Tinha fôlego para chegar aos 180 ou mesmo 200 capítulos, sem perda de qualidade.
Mas concordo que tramas menores são mais confortáveis, não só para o autor como para toda a equipe. Permitem um maior apuro. O problema é que as emissoras faturam muito mais com os prolongamentos. É difícil se contrapor a este argumento.

Melão - Como surgiu a ideia de “Vidas Opostas”? Com o novo seriado “Chapa Quente” você pretende concluir uma trilogia abordando essa temática de violência urbana, que também contou com a série “A lei e o crime” ou ainda tem fôlego para mais histórias do gênero?

Marcílio - Em 2006, a Record me pediu uma novela. Apresentei algumas opções, que iam de uma trama de época a uma bem atual, ousada, abordando corrupção policial, tráfico de drogas, com metade dos personagens vivendo na favela, etc. A direção da emissora, acertadamente, escolheu esta última. E daí surgiu “Vidas Opostas”. O assunto não era novo para mim. Eu tinha escrito poucos anos antes uma peça, “A Demanda”, que nunca consegui montar, só fiz leituras públicas, e o romance “O Crime da Gávea”, que tratam do mesmo universo.
A idéia de que pode ser uma trilogia não tinha me ocorrido. Interessante você ter pensado nisso. Mas não vejo “Chapa Quente” fechando um ciclo. Na nova série vou trabalhar sobre o mesmo universo, mas de uma perspectiva diferente. O gênero policial tem fôlego praticamente infinito. Veja a literatura, o cinema americano e europeu, as séries americanas. É um gênero popular e pode ser muito sofisticado. Ainda tenho fôlego para escrever muitas outras séries sobre o assunto.

Jacson (Heitor Martinez) em "Vidas Opostas"
Melão -  Jacson (Heitor Martinez), antagonista de “Vidas Opostas”, foi aos poucos ganhando a simpatia e torcida de parte do público. A que você atribui esse fato? Como dar dimensão humana ao antagonista fugindo do maniqueísmo, mas ao mesmo tempo manter a torcida do público pelo herói?

Marcílio - Eu sempre procuro evitar que a função dramática dos personagens se sobreponha a sua dimensão humana. Construí o Jacson não como um vilão malvado, mas como alguém que se posiciona na vida de uma forma não acomodada. Ele viveu uma circunstância social perversa e reagiu a isso se revoltando, assumindo a violência como postura de vida. Não parti de um julgamento moral ou político sobre ele, nem sobre nenhum outro personagem. O fato dele ter ganhado a simpatia do público prova que fui bem sucedido. O espectador foi levado, pelo menos em parte, a ver o mundo do ponto de vista dele.
Claro que numa novela, você, em algum momento, tem que decidir a direção para onde quer levar o público. Eu não podia levar a identificação do espectador ao ponto da novela terminar com a vitória do marginal. Daí incluí algumas ações em que o Jacson se mostrou de fato perverso, mau, arrogante. Cortei, por assim dizer, a empatia dele com o público, para não correr o risco de me acusarem de apologia às drogas... rs. Mesmo assim, mantive a ambigüidade até o fim. Quando Jacson morre, ele cai nos braços de Joana, que o ampara ao mesmo tempo em que dá a mão a mão ao namorado mauricinho, que acabou de ser espancado por ele.

Melão - “Ribeirão do Tempo” foi uma novela que inaugurou um novo estilo dentro da Record, uma crônica de costumes repleta de crítica social e política em que uma pequena cidade fictícia serve de metáfora e metonímia do nosso país. Seu trabalho como colaborador em “Roque Santeiro” serviu de inspiração para criar essa história?

Bianca Rinaldi e Jacqueline Laurence em cena de "Ribeirão do Tempo"
Marcílio - “Inspiração” propriamente não. Foi uma influência, claro. O Dias Gomes foi um mestre para mim. Ele criou um plot inigualável e insuperável em “Roque Santeiro”. Eu nem me atreveria a tentar alguma coisa semelhante.
Minha intenção em “Ribeirão do Tempo” era outra. Queria, antes de tudo, brincar com os mitos da geração anos sessenta, a minha geração, especialmente a revolução socialista. Mas a turma, especialmente a imprensa, parece que não curtiu muito, porque ninguém falou no assunto. Daí não ter dado para desenvolver o tema como eu havia imaginado. Pena. Mais uma vez se comprova que questionamentos políticos, no Brasil, são difíceis de emplacar.

Melão - Dias Gomes foi um de seus parceiros mais constantes. Como era trabalhar com ele e que lições aprendeu com esse grande mestre?

Marcílio - Como já disse, o Dias foi meu grande mestre na televisão. Aprendi o que era de fato uma novela, não uma novela qualquer, mas uma novela crítica, naqueles primeiros 50 capítulos iniciais escritos pelo Dias.
Mas o fato de ter sido um mestre e um amigo não significa que não tivéssemos divergências. Em “Mandala” chegamos mesmo a ficar estremecidos, porque eu achei que ele tinha largado uma bomba de cem megatons na minha mão. Eu também era muito arrogante naquela época. E a novela provocou uma celeuma tal que, para qualquer pessoa envolvida, era difícil manter a cabeça fria.  Mas depois fizemos as pazes e voltamos a trabalhar juntos em “Noivas de Copacabana” e outras obras.

Vera Fischer e Nuno Leal Maia em cena de "Mandala"

Melão - “Mico Preto”, novela que escreveu em coautoria com Euclydes Marinho e Leonor Bassères, tinha um texto bastante ousado em que uma relação homossexual era discutida abertamente em pleno horário das 19 horas. Na época vocês sofreram algum tipo de censura ou resistência com relação à abordagem dessa temática?

Marcílio - “Mico Preto” foi a novela mais conflituosa que escrevi, em termos de bastidores. Não quero entrar em detalhes porque isso mexe com muita gente que ainda está por aí e não vale a pena.
A sinopse foi criada por mim. De fato, era bastante ousada, irônica, corrosiva. E engraçada. Entre outras, havia a história de um deputado, gay enrustido, que se casa com uma moça para tentar disfarçar sua condição. Mas não dá certo e ele acaba se juntando a outro gay, que era feito pelo Falabella, que se passa por mulher. Para complicar, um político machão, o Osvaldo Loureiro,  se apaixona pela pretensa mulher. E por ai ia.
A novela foi massacrada, não pelo público, mas internamente na Globo. Alguns figurões tinham forte interesse em derrubar a iniciativa. Naquela época a censura tinha acabado e ainda não havia a tal classificação indicativa, de forma que o governo não meteu o bedelho. O problema foi interno.



Melão - “Chiquinha Gonzaga”, minissérie que escreveu em co-autoria com Lauro César Muniz é, até hoje, um de seus trabalhos mais elogiados e foi a grande responsável por revelar aos mais jovens a vida e obra de uma de nossas figuras históricas mais importantes. Quais os cuidados que se deve ter em contar uma a história de uma personagem que existiu de fato? Qual o limite entre o ficcional e o biográfico?

Regina e Gabriela Duarte em dois momentos de "Chiquinha Gonzaga"

Marcílio - Foi uma honra ter sido convidado pelo Lauro para escrever junto com ele essa minissérie. No entanto, minha participação não foi grande. O mérito do trabalho é do Lauro.
Creio que “Chiquinha Gonzaga” é bem o exemplo de como adaptar a vida de uma personagem real às necessidades de uma obra dramática, sem trair os dados  biográficos e criando os conflitos e desenvolvimentos fictícios necessários para despertar e manter o interesse do telespectador.  O limite entre o ficcional e o biográfico se encontra na fronteira entre a chatice fiel e o interesse do público.

Melão -  Como é a divisão de trabalho entre você e seus colaboradores? Você costuma dar a liberdade a eles para criar dentro da escaleta ou sugerir novos rumos para as tramas?

Marcílio - Eu costumo escrever sozinho a sinopse e os 30 primeiros capítulos, quando se trata de uma novela. A partir daí, aos poucos, vou passando cenas para os colaboradores dialogarem, até que se familiarizem com os personagens, sua maneira de falar, etc.
A partir daí, foi cada vez mais me restringindo a fazer uma escaleta detalhada, deixando para eles a tarefa de dialogar. E faço uma revisão final do capítulo. Também costumo promover reuniões periódicas para discutir as tramas e os rumos da história.
De um modo geral, sou bastante centralizador. Dentro da escaleta, não dou margem para nenhum vôo do colaborador. Nas reuniões, ouço todas as sugestões e críticas e absorvo as que me parecem procedentes.

Melão -  Que conselho daria a alguém que pretende seguir a carreira de roteirista de televisão?

Marcílio - Se ele quer escrever novelas, aconselho a ler os clássicos da literatura, especialmente do século XIX.  

Melão - Você considera o gênero “telenovela” como algo menor se comparado ao cinema ou teatro? Qual o papel da telenovela na vida do brasileiro?

Marcílio - Geralmente não se atribui o status de obra de arte a uma telenovela, enquanto um filme ou uma peça de teatro podem aspirar a essa dignidade. Mas eu creio que também uma telenovela pode se tornar arte, ou pelo menos ter momentos de pura arte.
O que restringe o escritor, neste caso, são as exigências empresariais, comerciais  e da própria audiência.  É difícil escapar do sensacionalismo apelativo e se ater ao desenvolvimento dramático. Mas como disse, é possível.
A audiência brasileira está viciada em telenovelas. Creio que em nenhuma outra parte do mundo se tem todo o horário nobre da TV coberto por telenovelas. Isso só é bom para as empresas, que faturam mais com poucos riscos. Para os artistas e para o público, embora este muitas vezes não perceba, é uma prática muito restritiva. A TV brasileira precisa de novos formatos, novos desafios, mais polêmica. Só assim vamos  ampliar o mercado de trabalho e ter uma programação mais instigante e inteligente.

Melão -  Como você avalia a crítica televisiva em nosso país e qual a importância dos blogs e sites que fazem um trabalho paralelo, mas sem o vínculo institucional que possuem os críticos “oficiais”?

Marcílio - A crítica televisiva praticamente não existe no Brasil. De um modo geral, se confunde com o “colunismo”. A tradição monopolista, que ainda sobrevive, leva a isso. Raramente vejo análises pertinentes e um pouco mais profundas da dramaturgia de televisão. Na universidade surgem, de vez em quando, um ou outro trabalho mais aprofundado, mas que não chega ao público.  Neste sentido, o trabalho dos sites e blogs independentes é muito valioso. Dificilmente, por exemplo,  me pediriam uma entrevista como esta que estou dando num órgão da grande imprensa. É sempre tudo muito ligeiro, os jornalistas de modo geral são mal informados, não sabem o que você já fez, etc.

Melão - Pra terminar, que novela ou série você mais gostou de escrever e qual novela de outro autor que gostaria de ter escrito?

Marcílio - “Vidas Opostas” foi uma novela que gostei muito de escrever, porque rompi com alguns tabus da telenovela, porque falei de uma porção de assuntos e personagens que tinha vontade, etc. “A Lei e o Crime” também foi muito gratificante. Dos tempos da Globo, “Roda de Fogo” foi um desafio muito grande. Ali eu provei que era capaz de escrever uma novela. Também tenho ótimas recordações de “Noivas de Copacabana”.

Patricia Pillar e Miguel Falabella em "As noivas de Copacabana"
Mestre Marcílio, É uma grande honra poder contar com sua participação no melão e um privilégio ter tido você entre meus professores. Obrigado por tudo e sucesso sempre!



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