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sexta-feira, 1 de março de 2013

“TRANSAS E CARETAS”, UMA NOVELA TRANSADA



Por Wesley Vieira

Natalia do Vale vivia Marilia, personagem dividida entre o amor dos irmãos vividos por Reginaldo Faria e José Wilker

Minhas curiosidades em relação à nossa teledramaturgia sempre permearam por obras que, por algum motivo, foram esquecidas. Falar sobre clássicos como “Selva de Pedra” ou “Vale Tudo” nunca é demais, mas gosto de ir atrás de produtos pouco explorados no ciberespaço. Por isso meu interesse é maior em discorrer sobre novelas esquecidas e dessa forma, tentar cultivar a curiosidade dos leitores. “Transas e Caretas”, novela de Lauro César Muniz, exibida entre 09 de janeiro à 21 de julho de 1984, às 19h, é um bom exemplo. Não assisti à novela porque na época tinha apenas dois anos, mas pelas pesquisas que fiz, acho a história muito interessante e merece ser lembrada.




De acordo com o autor, “Transas e Caretas” foi uma novela leve e divertida, tendo grande aceitação no exterior (no Chile, a trama ganhou um remake, “Trampas y Caretas”, de grande sucesso em 1992). A história contrapunha dois filhos de uma mulher muito poderosa: um conservador e outro revolucionário. “Gosto muito da novela, que foi muito bem e é uma das maiores audiências do horário das 19h. Reginaldo fazia o filho bem comportado, conservador, que vivia com os padrões do passado, o careta, e o Wilker fazia o outro, transado (como se dizia na época), arrojado que vivia no futuro”, revela Lauro.
Robô Alcides: um dos grandes baratos da novela
A novela teve a difícil missão de substituir o mega-sucesso “Guerra dos Sexos”, e se não teve a mesma repercussão, não fez feio no ibope. Dados fornecidos pelo autor, mostram que “Transas e Caretas” marcou 56 pontos de média, enquanto a antecessora obteve 58. Números a parte, a novela marcou época por conta das excentricidades futuristas e cibernéticas em sua trama, sobretudo pelo Atari da abertura (novidade), o robô Alcides e pela excelente trilha internacional. Vamos relembrar a história dessa novela que é a cara dos transados anos 80?


Eva Wilma: a matriarca da família

Francisca Moura Imperial (Eva Wilma), conhecida como FMI, é uma milionária controladora e excêntrica que possui dois filhos bastante diferentes: o sisudo Jordão (Reginaldo Faria), fruto de seu casamento com Jacinto Cintra (Henrique Martins), e Tiago (José Wilker), descendente do seu relacionamento com Roberto Leme (Paulo Goulart). Enquanto o primeiro é adepto às tradições seculares e totalmente fechado em relação às mulheres, o outro é ligado às novas tecnologias e vive rodeado de fêmeas charmosas.


Logo no primeiro capítulo, Tiago resolve promover uma brincadeira com a mãe, ao descobrir que ela anda questionando sobre os rumos da família: “Preciso de um herdeiro!”. Ele marca o casamento com uma noiva misteriosa. Porém, para surpresa e perplexidade de Francisca, surge uma macaca de véu e grinalda. Tiago foi longe demais. Para se vingar da brincadeira de mau gosto do filho, ela rasga todos os documentos da doação de seus bens que faria aos herdeiros.

Imediatamente, a matriarca quer mais e decide mudar radicalmente de vida. Ela se interna numa clínica e faz uma cirurgia-plástica ficando 20 anos mais jovem e também muito mais bonita e sexy. Claro, Tiago e Jordão estranham o novo comportamento de Francisca, principalmente com a sua nova mania: fumar charutos.
Empresária de sucesso, Francisca inaugura o Centro das Artes e com a ajuda de Dusa (Tetê Medina) promove um concurso para escolher a Musa do local. Na verdade essa Musa será a mulher escolhida para se casar com um de seus filhos e o principal: lhe dar um neto.

O ANTIGO CARETA E O MODERNO TRANSADO

Jordão vive num apartamento antiquado e tem aulas de violino e cravo com a tímida e apaixonada Sofia (Renata Sorrah). Para deixar o clima ainda mais imperial, Dorinha (Zezé Motta) uma excelente amiga e serviçal, faz às vezes de mucama. Ao contrário deste, Tiago mora em um flat moderno e repleto de tecnologia. Seu mordomo é o up da modernidade: um robô chamado Alcides. Usando o novo funcionário como pretexto, Tiago atrai muitas namoradas para seu flat.

Do outro lado da história está Marília (Natália do Valle), linda e suave. Seus pais Joaquim (Joffre Soares), com sérios problemas de saúde, e Dalva (Yolanda Cardoso) passam por uma difícil situação financeira. Para completar a família, Ana (Aracy Balabanian) sofre com o machismo exacerbado do marido, Marcos (Jece Valadão).
Marília namora Dirceu Valente (Paulo Betti), um artista plástico que tenta se colocar no mercado das artes. Os núcleos se unem quando Dirceu procura Francisca para mostrar o seu trabalho. É assim que ele fica sabendo pela procura da musa e convence a namorada a se inscrever. Durante um coquetel, jurados escolhem a espevitada Catarina (Cristiane Torloni), mas Francisca não vai com a cara da moça e já de posse das suas artimanhas, elege Marília como a verdadeira vencedora.

José Wilker e Natalia do Vale em cena da novela. 
Pronto! As confusões se iniciam. Francisca faz a proposta e Marília, diante do problema de saúde do pai, aceita seduzir Jordão em troca de uma boa mesada. Ela deixa Dirceu de lado e começa um jogo de mentiras com o propósito de atrair o tímido filho de Francisca e tendo a própria empresária como mentora de todas as situações.

Francisca prepara uma festa com o intuito de formar um encontro entre Jordão e Marília, mas ocorre um inesperado: Tiago e ela se conhecem e se beijam. A bela some misteriosamente e Tiago passa a procurá-la desesperadamente. Durante um tempo, Marília namora os dois irmãos ao mesmo tempo e se mostra extremamente dividida.
Tiago, que até então se mostrava um ótimo conquistador e irredutível apaixonado, descobre que ama Marília, mas se os mocinhos não se separarem não é novela: através das armações da dupla Luciana (Lidia Brondi) e Claudia Cowboy (Monica Torres), ele descobre que Marília é a namorada de seu irmão. Magoado, ele rompe o namoro.

Não demora muito para Francisca marcar o casamento de Jordão com a musa. É nesse momento que Marília descobre estar apaixonada por Tiago e tomada por um impulso, abandona o noivo na porta da igreja. Ela e Tiago se escondem e vivem momentos de felicidade.

“Ninguém é exatamente tão careta e também nem tão moderno assim”

Na segunda parte da novela, Jordão, arrasado pelo abandono na igreja, vai curar as mágoas numa boate. No meio do caminho ele dá carona à Liana (Lady Francisco), uma dançarina vulgar e acaba dormindo em sua casa. Percebendo o interesse da mulher, Jordão decide assumi-la como namorada e diz a Francisca que vai se casar com ela. FMI é contra o casamento e investigando o passado de Liana, descobre que ela tem passagem na polícia. Com provas que a incriminam, Francisca tenta tirá-la do caminho, mas ela não se amedronta diante da poderosa sogra. Para piorar a situação, Liana decide dar um filho ao amado.

Natália do Vale, Lady Francisco e Reginaldo Faria em uma cena da novela
Após algum tempo escondidos, Tiago e Marília reaparecem e assumem o romance para todos. Luciana, ferida de amor, arma para que Tiago ache que Marília é mais uma mulher interesseira. Uma fita de vídeo, onde Marília assume que foi comprada é a prova para acabar com a sua imagem de boa moça. Então, se achando muito esperto, ele convoca um ator para se passar por juiz no intuito de promover um falso casamento com a namorada. O que ele não sabia era que Francisca pagou um juiz de verdade e o casamento foi realizado por um verdadeiro falso juíz. Esse casamento não foi o bastante para segurar os dois, que, mesmo casados, rompem o relacionamento. Essa separação veio no momento exato em que Francisca criou mais uma brincadeira: a corrida ao bebê milionário. O primeiro neto que nascer vai ganhar um bilhão.

Nesse tempo, Marília, grávida de Tiago, inicia atividades na empresa de Régis (Claudio Correa e Castro), que assim como Francisca também deseja que o seu único filho, Douglas (Claudio Cavalcanti), lhe dê um herdeiro, urgentemente. Ele percebe que Marília pode resolver o seu problema e aposta todas as suas fichas no casal.
Enquanto isso, Tiago se vê envolvido em estranhos acontecimentos com o intrépido robô Alcides: ele recebe o convite para uma viagem sem volta para o mundo cósmico. Inconformado pela perda de Marília, ele pensa em partir com o mordomo. No dia da viagem, diante da nave espacial que o levará para outro mundo, Tiago decide ficar na terra e se despede do amigo robô.

Na reta final, Marília faz uma viagem para os Estados Unidos e retorna seis meses depois com um barrigão. Ela e Liana entram em trabalho de parto na mesma época e todos apostam suas fichas: quem será a dona do bebê de ouro? Liana dá à luz a um menino, mas seu parto sofre complicações e ela vai para o CTI. Inesperadamente, ela pede para que a sua rival, Sofia, cuide do filho, caso lhe aconteça algo.
Marília ganha uma menina a quem chama de Natália. Ela e Tiago se reconciliam para o alívio de Francisca. “Agora o nome da família vai prevalecer por todos os séculos”. A matriarca, que passou a história toda sendo disputada pelos dois ex-maridos, se acerta com Roberto.

Um big casamento reúne sete casais, inclusive Liana (que conseguiu sobreviver) e Jordão. Sofia que conheceu um sósia do ex-aluno, também se casa. Para fechar a novela, uma surpresa: quem pega o buquê é a mesma noiva macaca do primeiro capítulo. Final feliz.

Final feliz para os personagens de Natália do Vale e José Wilker
Lendo esse resumão, podemos observar como “Transas e Caretas”, uma comédia romântica e despretensiosa, fugiu da temática freqüente nos trabalhos de Lauro - autor de novelas densas como “Roda de Fogo”, “Escalada”, “O Salvador da Pátria” e “Máscaras” (seu último trabalho na Record). O autor voltaria a trabalhar com esse clima em “Um Sonho a Mais” (co-autoria com Daniel Más) e “Zazá” de 1997. “Transas e Caretas” é uma novela que me desperta muita curiosidade e gostaria muito de assisti-la. Como um sonho a mais não faz mal, quem sabe o Canal Viva não se interessa em exibi-la?

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WESLEY VIEIRA é jornalista, escritor, roteirista e noveleiro dos mais apaixonados, cultos e inteligentes. Está lançando em Conselheiro Lafaiete, sua cidade natal, a revista “Olhaí”. Pelo talento do rapaz, tenho certeza de que vem coisa boa por aí. Por ser o blogueiro convidado mais constante do melão, é mais que merecedor do cargo de “Editor-Chefe da Sucursal Minas” deste blog. Conheça outros textos do autor publicados aqui no melão:



CORAÇÃO DE ESTUDANTE – Minas para o Brasil






quarta-feira, 23 de maio de 2012

Blogueiro convidado: Pedro Silva reverencia Lauro Cesar Muniz


Louros pra Lauro    

  

Por Pedro Silva

Todo mundo tem seu novelista preferido, aquele que admira mais e que numa discussão ferrenha com amigos noveleiros é objeto de discussão apaixonada.
Sou assim com o Lauro. Chamo-o assim, só pelo primeiro nome. É uma proximidade que sua obra foi me trazendo. A leitura deliciosa de Lauro Cesar Muniz solta o verbo, publicado pela Imprensa Oficial aumentou mais minha admiração e essa sensação de proximidade.
Falar que Lauro Cesar Muniz está entre nossos maiores autores é falar o óbvio. Mas como dizia aquele outro, “o óbvio também é filho de Deus”. Lauro é dos nossos autores mais ousados. Se um dia houvesse uma história da ousadia na nossa telenovela, suas obras estariam entre as principais a serem analisadas.
Lauro sempre foi o contraponto de muitos outros autores. Na década de 1970 revezou no horário das oito com a “nossa senhora” Janete Clair. Tentou de todos os modos renovar elementos da telenovela, por vezes subvertendo alguns dos pilares do gênero. Alguns dos aspectos que me chamam mais a atenção: a reflexão sobre tecnologia (em Transas e Caretas e Zazá, por exemplo), a relação entre a política e a trajetória do herói (como no clássico O Salvador da Pátria), a ordenação do tempo, a noção de moral do protagonista...
Sobre esses últimos, na questão da ordenação do tempo, surgem não só as sagas como Escalada, mas também modernidades como o tempo da ficção dentro da ficção em Espelho Mágico e o tempo do sentimento em O Casarão. Muito antes da simultaneidade à la Woolf  de As Horas, por exemplo, Lauro experimentou em horário nobre contar uma história em três épocas, simultaneamente. A história do amor que se realiza na maturidade deu origem a uma das cenas mais bonitas da história da nossa televisão:



Quanto à moralidade dos heróis, me encanta a forma como nas obras de Lauro existe um questionamento da moral como algo que não é dado, mas construído. Seus heróis não seguem uma moral formatada. Antes, se deparam com as definições dadas, questionando-as. Nessa trajetória, quem ganha é o público. Em Os Gigantes, por exemplo, havia uma Paloma perdida entre conceitos como amor e morte, necessitando se reinventar.


Eu ia escrever que jamais tivemos outro protagonista tão enredado em coisas como o poder do destino, do curso da história, quando me lembrei do Renato Villar de Roda de Fogo, trabalho de Marcílio Moraes que Lauro também escreveu.
Fico cultivando no imaginário flashes e cenas clássicas dessas novelas. Muitas delas, só conheci pelo quadro “Túnel do Tempo” do Vídeo Show.  
Como noveleiro, sofro às vezes pensando que é uma pena que não possamos ter acesso ainda a produções tão importantes como Escalada, Espelho Mágico, Os Gigantes, Transas e Caretas. Como noveleiro, e dramático que sou, elaboro meu sofrimento, mas intercalo a esperança de que com o Viva e os lançamentos da Globo Marcas, alguma coisa seja ressuscitada. Vou sonhando com a possibilidade de um dia poder ver essas novelas que povoaram o imaginário de uma época.
Desde que foi pra Record, Lauro tem tentado ser fiel á linha que lançou, fugindo da obviedade e apostando nos bons diálogos, nas tramas que mexem com o espectador, levando-o a repensar a trajetória que se vai desenhando em sua frente. Na nova emissora, Lauro contornou problemas e propôs caminhos. Sua crença é que forçou a Record a investir mais e mais na dramaturgia.



Com Máscaras, atualmente em exibição, Lauro toca de novo em polêmica. Numa estrutura diferente, vai mostrando pedaços de seus personagens, fragmentos de emoções que só farão sentido mais adiante. Nela, os universos de outras novelas suas vão surgindo aos poucos – aqui e ali é possível lembrar da angústia de Os Gigantes, dos cenários de O Casarão, das trajetórias que se cruzam de Roda de Fogo. O telespectador acostumado com o didatismo que impera atualmente na TV se sente incomodado. E como incomoda um intertexto e referências políticas numa novela, especialmente numa época marcada pela falta de opinião nos produtos culturais.
Há críticas e mais críticas a respeito (afinal, de telenovela e futebol, todo brasileiro entende), mas a verdade é que, a despeito de toda essas referências ao passado, com Máscaras, Lauro dá prova mais uma vez de seu fôlego e faculdade de criar.


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Pedro Silva, com milhões de homônimos neste Brasil, é só mais um dos 786 mil a falar por aí sobre telenovela e tv. Estudou letras e história, já foi babá, operário por um mês, entregador de panfleto, professor de português e hoje trabalha como editor de livros. Gosta de melão(!), café, literatura, vinil, novelas da Manchete, cinema nacional da década de 70. Dizem que cozinha bem. É pai da Velma e da Frida, duas gatas loucas e amorosas. Costuma se levar a sério só algumas vezes ao mês, que é quando se põe a escrever no blog Óperas de Sabão. Mas nunca se leva a sério no tumblr Coisas de Pepa. No tuírer é so chamar pelo @pedrrrinho.
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LEIA TAMBÉM: 

Com a palavra, Mestre Lauro!



Blogueiro convidado: Ronaly Júnior relembra “Chiquinha Gonzaga"




sábado, 2 de julho de 2011

Blogueiro convidado: Ronaly Júnior relembra “Chiquinha Gonzaga"



 Uma das maiores alegrias desta seção que convida pessoas a publicarem seus textos é o fato de poder contar com grandes amigos. E o nosso atual convidado é um deles (no sentido literal e, principalmente, no figurado). Da pessoa Ronaly, posso dizer que é uma das mais generosas, nobres e sensíveis que conheço. Do colunista convidado, suas credenciais também são as melhores: é daquelas pessoas que conhecem e falam de televisão com a propriedade de quem vivenciou e aprendeu assistindo à televisão, ou seja, na prática. Ronaly também é admirador e conhecedor de novelas mexicanas (o espaço também está aberto pra elas, viu?) e um dos maiores fãs de “Os normais” que conheço. Mas ele faz sua estreia aqui no melão (sim, pois espero que seja o primeiro de muitos textos) sobre “Chiquinha Gonzaga”, uma minissérie que encantou a todos, não só pela riqueza da história da compositora, mas também pela competente produção, pelo texto inspirado e pelo elenco de primeira, que contou com Regina e Gabriela Duarte, excelentes, vivendo o papel-título em fases diferentes. O melão abre alas para o queridíssimo Ronaly e brinda seus leitores com essa oportuna lembrança.


“Ô abre alas, que eu quero passar...”

Por Ronaly Reginaldi Júnior



Foi em 1999!
Engraçado falar de coisas que aconteceram no século passado, uma vez que parece que ainda nem o deixamos para trás. Imagine, então, estar próximo ao novo século e contar uma história que aconteceu no século anterior. Sim, muita loucura, mas esta foi a proposta de Lauro César Muniz e Marcílio Moraes quando apresentaram a sinopse de “Chiquinha Gonzaga” à direção da Rede Globo.

Com direção de Jayme Monjardim e com uma trilha incidental especialmente composta por Marcus Vianna, “Chiquinha Gonzaga” fazia com que o mês de janeiro de 1999 fosse bem especial. A minissérie é uma das melhores e mais bem produzidas pela Rede Globo em termos de detalhes de roupas e cenários, escalação de elenco, tramas, qualidade e fidelidade. Era o ‘padrão globo’ sendo cada vez mais aprimorado em suas minisséries. Esse ‘padrão’ já tinha sido excelente com ‘Hilda Furacão’ no ano anterior, mas em ‘Chiquinha’ houve um esmero maior!
Além desse capricho todo, sempre é interessante ver uma obra que retrata algo de nossa própria história, tendo em vista que muitos não se esforçam para conhecer ou tem memória curta para isso!
Interessante comentar sobre “Chiquinha” justo numa época (2011) em que a discussão sobre preconceitos está tão em alta, como bullying e afins. Afinal, Francisca Edwiges Neves Gonzaga foi uma mulher muito a frente de seu tempo e que sofreu toda sorte de preconceitos (ou seria azar?).


Chiquinha Gonzaga era filha de José Basileu e de Rosa Maria. O pai era coronel do exército; a mãe, uma mulata humilde. Seu nascimento acabaria por atrapalhar esse romance escondido do Coronel, que resolve entregar o fruto desse relacionamento a um convento para adoção (uma das cenas mais belas da minissérie, mostrada no primeiro capítulo, tendo a ótima atuação de Odilon Wagner e Solange Couto, nos papéis dos pais de Chiquinha). Após arrepender-se de tal ato, Coronel Basileu resolve oficializar a sua situação junto a Rosa Maria, casando com ela e criando a filha.
Os anos passam e a jovem Francisca, apesar da educação rígida de seu pai, torna-se uma adolescente com ideais muito a frente de seu tempo. Fez seus estudos normais com o Cônego Trindade e aulas de músicas com Maestro Lobo. Mas, sempre que podia, freqüentava rodas de lundu, umbigada e outros ritmos africanos, procurando sua identificação musical. Aos 16 anos, por imposição do pai, casa-se com Jacinto Ribeiro do Amaral, oficial da Marinha brasileira, que apesar de amá-la, privava Chiquinha de sua grande paixão: a música. Com Jacinto, Chiquinha teve três filhos: João Gualberto, Hilário e Maria do Patrocínio.
Devido aos seus ideais, Chiquinha acaba não suportando o autoritarismo e as humilhações do marido e se separa dele, o que foi um escândalo na época. Leva consigo apenas o filho mais velho, pois o marido e a família não permitem que Chiquinha cuidasse dos filhos mais novos (Hilário é criado pela tia de Jacinto – grande momento de Ângela Leal na minissérie, interpretando a tia-amante de Jacinto. Maria é criada como filha do Coronel Basileu, e só descobre toda a verdade já adolescente).
Ela lutou muito para ter os 3 filhos juntos, mas foi em vão. Sofreu muito com a separação obrigatória dos 2 filhos imposta pelo marido e pela sociedade preconceituosa daquela época, que impunha duras punições à mulher que se separava do marido.
Anos mais tarde, reencontra um antigo amor do passado, o engenheiro João Batista de Carvalho. Chiquinha e João Batista viveram juntos por muitos anos e tiveram uma filha, Alice Maria. Porém, devido as traições do companheiro, Chiquinha separa-se dele, e mais uma vez perde uma filha, pois João Batista não permite que Chiquinha criasse Alice. Apesar disso tudo, Chiquinha foi muito presente na vida de todos os seus quatro filhos, mesmo só criando um deles. Ela sempre estava acompanhando a vida deles e tendo contato.
Passa a viver em função da música, tocando em lojas de instrumentos musicais, dando aulas particulares de piano e apresentando-se em festas (junto com seu amigo Joaquim Antonio Callado, interpretado magnificamente pelo saudoso Norton Nascimento) para sustentar seu filho, João Gualberto. Dedicando-se inteiramente a música, obteve grande sucesso, mesmo sofrendo todo preconceito da sociedade. Foi a primeira chorona (pianista de choro), foi autora da primeira marcha carnavalesca e também a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil.
Mas sua vida, tão marcada por paixões ainda lhe reservaria uma surpresa: Chiquinha tem um intenso caso de amor com Joãozinho, um jovem com idade para ser seu filho (ela já estava com 52 anos nessa época e ele com 16). Foi com Joãozinho que ela viveu até o último dia de sua vida.

Dentro deste universo mágico que foi a vida de Chiquinha Gonzaga, os autores resolvem utilizar de um recurso extraordinário: a homenageada assiste a uma peça no Teatro Municipal, onde é contada a sua vida. O artifício dos autores serviu para passagens de tempo dentro da minissérie, porém fez com que, no último capítulo, Chiquinha Gonzaga pudesse fazer um balanço de toda a sua vida e trajetória antes de morrer. O recurso se faz interessante, pois fez com que a minissérie não fosse apenas uma biografia teledramatúrgica.

Mesmo tendo um elenco magnífico, é impossível não destacar algumas atuações: Danielle Winitts deu um show interpretando Suzette na primeira fase da trama. Infernizou o romance de Chiquinha e JB o quanto pôde! Na segunda fase, a personagem foi interpretada por Suzana Vieira e lembro-me de uma entrevista onde ela dizia que era “uma honra dar continuidade a uma personagem que fora tão bem conduzida pela Danielle Winitts, pois ela é uma bonequinha!”. Era a segunda vez que Danielle Winitts interpretava uma personagem jovem que seria vivida por Suzana Vieira. Tal fato já tinha acontecido em ‘A Próxima Vítima’.
Carlos Alberto Riccelli também defendeu bem seu personagem! Aliás, na minha opinião, é o seu último grande trabalho em tv. É impossível falar em Chiquinha Gonzaga e não lembrar da cara de cafajeste que ele fazia ao interpretar o João Batista.
Marcelo Novaes é o grande destaque dentro da trama, na minha opinião. Afinal, ele conseguiu dar vida ao oficial da Marinha Brasileira extraordinariamente! Após tantos anos atuando em comédias, participar de uma trama como um militar rígido foi um grande desafio em sua carreira e, com certeza, um divisor de águas. O interessante foi a escolha de Serafim Gonzales para interpretar Jacinto na velhice, pois o ator tem uma semelhança incrível com Marcelo Novaes.



Impossível não destacar também as atuações de Caio Blat, Christine Fernandes, Daniela Escobar e Murilo Rosa (Joãozinho, Alzira, Amália e Amadeu, respectivamente). Caio Blat e Murilo Rosa já vinham de trabalhos espetaculares: Caio Blat passou pela Globo no começo da carreira, mas se firmou em tramas do SBT, como ‘Éramos Seis’ e ‘As Pupilas do Senhor Reitor’; Murilo Rosa vinha da Manchete. Ambos brilharam com força: o primeiro, interpretando o jovem amante de Chiquinha (quando esta já tinha 52 anos), o segundo como o marginal Amadeu, capaz inclusive de cafetinar a sua namorada.
Christine Fernandes vinha de papéis pequenos. Conseguiu cativar, dando vida a Alzira, namorada de Amadeu. Sua atuação garantiu lugar em ‘Esplendor’, no ano seguinte. Daniela Escobar vinha de papéis secundários, mas teve sua carreira alavancada após interpretar Amália, uma mulher que tentava seguir o exemplo de Chiquinha Gonzaga e também ser uma mulher independente no começo do século XX.



Mas o grande momento mesmo foi de Gabriela e Regina Duarte: impecáveis como Chiquinha Gonzaga nas três fases da trama! As duas já haviam atuado juntas algumas vezes, como mãe e filha. No ano anterior, ambas protagonizaram ‘Por Amor’, mas apesar do sucesso da trama, muitos criticaram a atuação de Gabriela Duarte. Porém, a atriz provou que tem talento (e muito) ao dar vida a jovem Chiquinha. Uma das cenas mais emocionantes da minissérie é quando Chiquinha desobedece as ordens de seu marido, Jacinto, para tocar o piano... Ela senta, abre o teclado e começa a tocar. Jacinto então revolta-se com a esposa e fecha com violência o teclado do piano, machucando as mãos da pianista.
Regina Duarte... Bem... Ela dispensa comentários em sua atuação. Recebeu da filha a missão de continuar com a belíssima história de Chiquinha até os últimos dias de vida da musicista. A maquiagem e a máscara de silicone utilizada para envelhecer fizeram com que a atriz ficasse bem semelhante a Chiquinha Gonzaga.
Sendo esta a história de uma musicista, como não falar em música? Pois a música de Chiquinha Gonzaga esteve muito presente durante toda a trama. Além da trilha composta por Marcus Vianna especialmente para a minissérie, astros da MPB (como Joanna, Emílio Santiago, Daniela Mercury, Beth Carvalho, entre outros) regravaram grandes sucessos da compositora. “Lua Branca”, “Ô Abre Alas”, “Forrobodó”, “Romance da Princesa” e outros sucessos estavam na trilha sonora. Clipes musicais também foram gravados e passavam durante a exibição dos créditos finais de cada capítulo da minissérie.

Chiquinha Gonzaga foi uma mulher forte. Ensinou que devemos sempre lutar pelos nossos ideais. Ter garra, força de vontade e nunca desistir na conquista daquilo que desejamos! Mas, acima de tudo, ter respeito! Respeito por tudo e por todos! Apesar de sempre ter sido atacada pelos preconceitos da sociedade, ela sempre foi uma batalhadora pela conquista de seus ideais particulares e pelos ideais coletivos. Lutou pela liberdade dos escravos, pela república, mas lutou também para que a mulher fosse reconhecida na sociedade.
Morreu aos 87 anos, em casa, ao lado de seu querido Joãozinho, no dia 28 de fevereiro de 1935, as vésperas do carnaval. Morreu... Mas sua música e sua história será eterna!

“... E ela partiu, me abandonou assim. Ó lua branca, por quem és, tem dó de mim!”



Obrigado, Ronaly querido! O melão é todo seu. Volte sempre!!!


terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Muito além de Sassá Mutema


Relações familiares e amorosas também foram abordadas com bastante competência e sensibilidade em “O salvador Da Pátria” (1989).


Marina e João: paixão avassaladora
Quando se fala de “O salvador da pátria”, novela de Lauro Cesar Muniz, escrita com Alcides Nogueira e Ana Maria Moretsohn (que emendou este trabalho  com "Tieta"), com direção geral de Paulo Ubiratan, a lembrança que vem à tona é a trajetória do simplório boia-fria e sua impressionante escalada, de analfabeto à prefeito de Tangará (e, por um triz, presidente do Brasil). Usado como massa de manobra pelos políticos locais, Sassá Mutema (Lima Duarte, magistral) ganhou popularidade e o amor da doce professorinha Clotilde (Maitê Proença), por quem nutria um amor platônico desde o início da trama. No entanto, há outros aspectos da novela pouquíssimo lembrados, mas que também merecem destaque.

Apesar da forte temática política, Lauro César Muniz também abordou com extrema competência as complexas relações amorosas e familiares dos personagens, sobretudo das famílias dos dois poderosos da cidade e inimigos políticos: Severo Blanco (Francisco Cuoco) e Marina Cintra (Betty Faria). O entrecho criado por Lauro tinha tudo pra cair no clichê: o filho de Severo, Sérgio (Maurício Mattar) apaixona-se por Camila (Mayara Magri), filha de Marina. Mas o que poderia ser mais um insosso “Romeu e Julieta” tornou-se algo interessantíssimo, já que os personagens estavam longe de serem rasos. Eram complexos, falhos, logo, humanos.


 Camila não era uma tradicional mocinha inocente. Pelo contrário, liberadíssima sexualmente, a moça teve vários romances no decorrer da trama, inclusive chegando a confessar à mãe que gostava dessa vida, quando esta lhe pediu satisfações por ter passado três noites fora de casa na companhia de três homens diferentes. Marina conversava sobre sexo abertamente com as filhas Camila e Alice (Suzy Rego), que também tinha uma atribulada vida amorosa. As duas chegaram, inclusive a dar em cima de João/Miro (José Wilker), pretendente da mãe.

Sérgio também não era nenhum santo. Casado com Sílvia (Alexandra Marzo), ele hesitou bastante em abandoná-la para assumir seu amor por Camila. Severo tinha um caso extraconjugal com Marlene (Tássia Camargo) e a relação dos dois era sabida e tolerada por Gilda (Susana Vieira), esposa de Severo. Mas a filha do casal Rafaela (Narjara Turetta, em ótimo momento), com fixação pelo pai e inconformada com a hipocrisia da família, fez de tudo para desmascará-lo. Reprimida sexualmente, Rafaela se casa com Régis (Eduardo Galvão) e tem muitas dificuldades de se entregar a ele. Sequelas do casamento dos pais em uma trama muitíssimo bem construída pelo autor. 

Marina (Betty Faria)  e Lauro (Cecil Thiré) : relação franca

Marina, por sua vez, tinha um relacionamento com Lauro (Cecil Thiré). E em uma das cenas mais ousadas que já assisti, impossível para os caretíssimos dias de hoje, Marina confessa ao amante que fingiu prazer em todas as relações sexuais e que jamais chegara ao orgasmo com ele. Sem sensacionalismo ou apelação, a cena foi delicada e verossímil. Mais tarde, ao se envolver com o misterioso João, Marina, enfim, encontrava o prazer. Interessante que Betty Faria emendou essa novela com “Tieta”, que foi um verdadeiro furacão, mas as personagens eram muitíssimo diferentes. Marina era uma viúva de maia idade, ainda bela, mas com uma sensualidade contida que em nada lembra a esfuziante cabrita do Agreste. Betty soube construir uma Marina com nuances e sutilezas. Uma mulher dura que aos poucos ia redescobrindo o prazer e o amor nos braços de João.



Conhecido por suas tramas essencialmente masculinas, Lauro César Muniz mostrou ser ótimo conhecedor do universo feminino através dos anseios de Marina, Camila, Gilda, Rafaela e Alice e construiu diálogos primorosos, junto com Alcides e Ana Maria, colaboradores da novela na época, distantes de qualquer esquematismo ou maniqueísmo, onde tudo era dito às claras, sem didatismo nenhum, de maneira bastante natural. Os personagens da novela eram riquíssimos de qualidades e defeitos, longe de estereótipos e da tão manjada polaridade “bem contra o mal” que assola as novelas mais recentes.

Enfim, que Lima Duarte deu um show à parte com Sassá Mutema ninguém contesta. Mas é importante que “O salvador da Pátria” também seja lembrada como uma novela ousada, que abordava as relações amorosas e familiares de maneira crítica e consistente, moderna para a época e praticamente impossível para os dias de hoje com a constante patrulha moralista que ronda nossa teledramaturgia. Que o Canal Viva se lembre de reprisar essa novela, que merece ser vista pelo telespectador atual. 

Francisco Cuoco e Susana Vieira: o mulherengo Severo e a submissa Gilda.

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sábado, 5 de fevereiro de 2011

Melão circulando por aí

O que este intrépido melão anda conferindo pela cidade maravilhosa?

LAURO E LAURA: EXPOENTES DA NOSSA TV



Mesmo com um certo atraso, preciso registrar o encontro com o público realizado na semana passada no CCBB-RJ de dois grandes nomes de nossa teledramaturgia: a atriz Laura Cardoso e o autor Lauro César Muniz.
Doce e amável, Laura Cardoso foi a primeira a compartilhar suas lembranças e experiências televisivas, desde os tempos da Tupi em que, segundo ela, tudo era mais artesanal, mais trabalhoso, chegando ao ponto dos atores levarem de casa sua própria roupa para fazerem as novelas e até mesmo os pratos que os personagens comeriam em cena. O ponto alto foi quando Laura se emocionou ao lembrar da cena em que sua personagem Isaura em “Mulheres de Areia” (Globo, 1993) ficava sabendo da morte de sua filha Raquel (Glória Pires). Segundo a atriz, para que a cena ganhasse em emoção, a atriz desejou que aquela filha retornasse ao seu ventre. O público reviu a cena e constatou que a atuação de Laura foi mesmo arrebatadora. Pra terminar, Laura confessou que, embora respeite profundamente o talento de suas colegas atrizes, ela não entra em cena pra perder. Quer sempre roubar a cena e ganhar. Nós, o público, nunca duvidamos disso. Viva Laura!

Depois foi a vez do novelista Lauro César Muniz falar de suas obras e opinar sobre o atual panorama da teledramaturgia. O autor lamenta que seus colegas tão talentosos tenham que escrever aquém de sua capacidade para atender os interesses do mercado. Lauro destacou os anos 70 como os mais importantes para a história das novelas, em que o mérito artístico era mais importantes e que muitos novelistas arriscavam em obras geniais como “Saramandaia”, de Dias Gomes ou “O rebu”, de Bráulio Pedroso, inclusive o próprio com "Escalada" (foi mostrado um video delicioso com todo o elenco), "O casarão" e "Espelho Mágico" . Até Janete Clair se superou com “Pecado Capital”, segundo o autor. Muitas histórias e curiosidades foram lembradas como, por exemplo, o último capítulo de “Carinhoso” ter somente a presença do casal protagonista e os nebulosos incidentes que envolveram “O salvador da pátria”, em que sassá Mutema deveria se tornar Presidente da República, mas que não passou de prefeito de Tangará. Lauro adiantou que sua próxima novela na Record em 2012 terá muitas cenas de ação e mostrou-se animado com o novo projeto.

Enfim, uma noite memorável e preciosa para os amantes do gênero.

DÁ-LHE, VEDETES!



O melão também foi conferir o lançamento do maravilhoso livro “As grandes vedetes do Brasil”, de Neide Veneziano, em que o amigo Daniel Marano faz parte da equipe de pesquisadores. Aficcionado por vedetes e tendo na saudosa Anilza Leoni sua grande musa, Marano está de parabéns, não só pelo trabalho realizado no livro, como também pelo carinho com que trata nossas queridas vedetes, verdadeiros patrimônios nacionais. Muitas estavam lá, para a nossa alegria: Carmem Verônica e Iriz Bruzzi, também musas de nossa teledramaturgia, Esther Tarcitano, Brigitte Blair, Lia Mara, e claro, a lendária Virginia Lane, sempre irreverente a alto astral.

O livro é uma preciosidade. Ricamente ilustrado (as fotos são lindíssimas) e com histórias das vedetes mais famosas, desde as pioneiras do século XIX como Aimée, passando pelas lendárias Luz del Fuego e Elvira Pagã até as mais irreverentes como Sonia Mamed e Consuelo Leandro. Pra quem não teve o prazer de desfrutar da agradável noite de autógrafos, pode adquirir o livro e viajar no tempo até um capítulo riquíssimo de nossa memória cultural. Parabéns, Neide e equipe e sobretudo, a todas as vedetes do Brasil.

Acima, Virgínia Lane e eu. Abaixo, com o amigo Daniel Marano.
  

sábado, 13 de março de 2010

Com a palavra, Mestre Lauro!

O melão tem o orgulho de anunciar um “blogueiro convidado” mais do que especial que dispensa apresentações. Simplesmente um dos grandes mestres de nossa teledramaturgia de todos os tempos, que teve a delicadeza e gentileza de ceder seu belo artigo escrito inicialmente para o site da A.R (Associação dos Roteiristas) e que agora será compartilhado pelos leitores do melão. Quis muito publicar o texto por aqui também, não só pela figura ímpar que Lauro representa para nossa cultura, mas porque também compartilho totalmente de suas idéias e também escrevi algo parecido (salvo as devidas proporções, é claro!) no texto “Teledramaturgia atual: falta de criatividade ou motivação comercial? http://www.artv.art.br/informateca/escritos/televisao/teledrama.htm sobre a falta de ousadia e o medo de correr riscos por que passa nossa teledramaturgia. Por isso, Lauro, além de sua escrita competente e personalíssima, suas idéias também são uma inspiração para nós.
Deixo as melhores palavras para o Mestre Lauro. Obrigadíssimo, mais uma vez! Apreciem:

Teledramaturgia: "A arte como risco, aquela que ousa, afronta".


Lauro César Muniz

No Brasil, a telenovela é o produto mais cultuado pelas massas, carro-chefe da programação da nossa TV aberta. Impossível negar que a telenovela é cultura popular. Bem ou mal, reflete e dissemina nossos costumes, é ponto de referência em todos os segmentos sociais. Atrelada hoje ao megashow global, a partir da década de 1990, perdeu qualidade. Por que?

As décadas de 1970 e 80 marcam a busca de qualidade da telenovela, quando discutimos uma nova estética: a intenção deliberada de propor uma nova visão, de renovar tudo, de mexer com a cabeça das pessoas com temas e formatos mais arrojados, num claro desafio ao marasmo conservador da ditadura militar. E, na TV Globo, matriz principal dessa transformação, éramos estimulados a correr riscos, ousar e exercitar novas fórmulas com o claro apoio da direção artística, através do Boni e do Daniel Filho. Ao Boni é atribuída uma frase que define bem o que a TV buscava: “a televisão deve estar sempre um passo à frente do telespectador”. De certa forma resolvíamos muito bem a contradição entre a arte e o processo industrial.

Na década de 1990, depois do “desmanche” do império Soviético, o vitorioso sistema capitalista cunhou o eufemismo globalização, como sugestão de um final feliz para a humanidade unida. A relação entre os países passou a ser priorizada pela ação mercantilista: logo ficou claro, que a globalização tinha base mais econômica do que de interação social ou cultural. E a arte é uma vitrine dessas relações, um espelho dessa gritante infra-estrutura econômica que norteia todos os nossos passos. A tecnologia envolveu o planeta com uma malha de satélites de comunicações e gerou um megashow onipotente e onipresente que brilha na televisão, com o controle remoto nas mãos, interagindo digitalmente, conferindo ao sistema ares de democracia. A internet, multifacetada, aparentemente caótica, complementa, a varejo, o show da vida. O mundo virou um hipermercado. A arte, basicamente utilitária, está hoje a serviço dessa ideologia imperial dominante.

Na segunda metade da década de 90 e mais claramente a partir de 2001, o telespectador, bombardeado pelos blockbusters do cinema americano, exibidos fartamente na televisão, ou clicando a internet, buscando respostas imediatas e urgentes, alheios a uma reflexão maior, impacientes, parece anestesiado e disposto a aceitar uma dramaturgia que o estimule permanentemente com fortes golpes, impactos quase a nível físico. As telenovelas passam então, a repetir sempre as mesmas intenções de comunicação, os mesmos clichês: uma novela imita a outra. A nova cúpula das emissoras de televisão, adéqua-se ao mercado, não está disposta a correr risco nenhum. Em vez de correr riscos e estar um passo à frente do telespectador, a emissora coloca-se a reboque do público, valorizando as pesquisas, nivelando as telenovelas por baixo. O vilão de um lado, o herói de outro, a inter-relação maniqueísta: um grupo de personagens do bem e outro grupo dos personagens do mal. Não era assim que trabalhávamos antes os nossos personagens: eles tinham contradições internas, dúvidas, eram humanos. Os personagens de hoje não têm contradição interna nenhuma, são monolíticos, pensam de um jeito só, têm um único caminho. As cenas mais reflexivas foram substituídas por lances fortemente melodramáticos, humor fácil, ação frenética, esquemática, seguindo um modelo único, semelhante ao cinema americano mais comercial.

A avidez de impactar permanentemente, mesmo que seja com truques fáceis, gerou uma dramaturgia que levou o autor a se sentir impossibilitado de conduzir sua escrita, sozinho. Ampliou o número de colaboradores, para criar situações muito envolventes a cada capítulo. A grande preocupação dos autores não é mais o aspecto estético, mas o pleno envolvimento imediatista, mesmo beirando a inverosimilhança, o implausível. Ninguém quer correr risco: o que importa é impactar para sustentar a audiência. Via de regra, cercado de colaboradores, o autor já não coloca mais no seu trabalho as suas emoções mais genuínas, e seu estilo pessoal. Pior: grande parte dos autores está conscientemente trabalhando aquém de seu talento. Os muitos diretores dividem as cenas de um mesmo capítulo, que só vai encontrar alguma unidade, na edição. Processo semelhante a uma linha de montagem. A telenovela sofisticou-se tecnologicamente, e esvaziou o conteúdo temático. Aquele anseio de criar qualidade dos anos 70 e 80 está quase perdido. Alguma qualidade ainda está preservada pelas minisséries, jogadas estrategicamente para um horário avançado, onde é possível correr algum risco.

A televisão digital, interativa, é já uma realidade que proporciona ao telespectador-consumidor, clicar com o mouse na telona e comprar na hora o objeto dos seus sonhos. Nossas novelas logo, logo, serão vitrines para vender muitos modelos de roupa, bijuterias, objetos de decoração, geladeiras. Mas, quem sabe essa interatividade proporcione um diálogo entre a obra e o público, sem perda de dignidade.

Um trabalho feito com preocupação de grande alcance, popular, mas sem fáceis concessões aos clichês por demais explorados, pode conseguir a síntese entre dois pólos aparentemente opostos: a arte e a indústria. Se o autor/produtor focar o homem em toda sua diversidade, poderá atingir a todos indistintamente. É preciso também ter presente que uma telenovela, atingindo um universo tão amplo e diversificado, tem função e responsabilidades sociais muito fortes.

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