Mostrando postagens com marcador Lua cheia de amor. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Lua cheia de amor. Mostrar todas as postagens

sábado, 8 de dezembro de 2012

Melão entrevista Ricardo Linhares: "o escritor recria a realidade a partir do seu olhar"




Ainda faltam alguns dias para o natal, mas o melão e seus leitores já ganharam um tremendo presente: uma entrevista super especial com o queridíssimo e talentoso Ricardo Linhares, que em breve vai assinar o remake de um grande sucesso de Dias Gomes, “Saramandaia”. Ele nos revela algumas novidades dessa nova versão e algumas diferenças em relação à original. Generoso, o autor nos conta toda a sua trajetória, desde o início como autor de programas educativos, o aprendizado com Doc Comparato, que o levou à Rede Globo como redator de casos especiais, passando por programas de humor como “Viva o Gordo”, as primeiras colaborações em novelas e minisséries até se tornar o autor mais jovem a assinar uma trama no horário nobre: “Tieta”, em parceria com Aguinaldo Silva e Ana Maria Moretsohn. A partir daí, foi conquistando vários êxitos em sua carreira e hoje em dia é um dos profissionais mais valorizados e respeitados de nossa teledramaturgia. Além disso, Ricardo, um noveleiro de mão cheia, relembra suas primeiras paixões televisivas, opina sobre a classificação indicativa e fala do papel da telenovela na vida do brasileiro. Tudo isso com muita simpatia e delicadeza. Além de profissional de primeira linha, Ricardo também nos encanta com sua simplicidade ao narrar uma trajetória tão vitoriosa e (por que não dizer?) inspiradora e emocionante, sobretudo para quem ama novela e trabalha no ramo. Tapete vermelho estendido, melão dá a palavra ao querido Ricardo:  



O que podemos esperar da nova versão de “Saramandaia”? Quais as novidades e o que você pretende manter em relação à versão original?

Ricardo Linhares - Os tempos são outros. De 1976 (data em que a primeira versão foi ao ar) para cá, o mundo mudou, a TV mudou e os espectadores mudaram. Hoje, há outra expectativa em relação à dramaturgia televisiva. O público era mais passivo, em parte por falta de concorrência, de conhecimento comparativo com o que era feito nas TVS de outros países. Apesar da TV não ser mais novidade, ainda tinha uma certa aura, uma certa mitificação. Era o grande veículo popular de acesso às informações. Muitas casas ainda não tinham aparelhos de televisão, a TV a cores era um luxo para poucos. Hoje, num certo sentido, a TV se banalizou. Os aparelhos estão espalhados pelos cômodos, assiste-se à TV no computador, nos ônibus, nos celulares. Eu sou espectador também, eu curto novela, assisto ao trabalho dos amigos, vibro com uma boa história. Então, me coloco no lugar do público, que está mais exigente, é ativo. É preciso acompanhar a evolução. Então, não faz sentido simplesmente reproduzir o que foi feito há quase 40 anos. É preciso recontar, recriar. A primeira versão de “Saramandaia” era uma novela atemporal, que se passava numa cidadezinha perdida no interior, ainda dominada por coronéis, como se estivessem nos anos 40. Eu trouxe a novela para o Brasil contemporâneo. Parte da história vem da novela do Dias; outra parte, eu criei especialmente para esta versão, com novos conflitos e novos personagens, alguns de realismo mágico, mas todos vivendo questões da atualidade.

Como está sendo a experiência de escrever uma novela de duração mais curta?

Ricardo Linhares - É um alívio ter 60 capítulos em vez de 185 (de “Insensato Coração”, minha novela mais recente). Por outro lado, é um desafio condensar a história em vez de espichá-la, fazer as tramas renderem por diversos meses, como habitualmente. Os escritores de telenovela não têm hábito da concisão. É estimulante. As cenas são curtas, o diálogo ágil, o ritmo intenso.

Você teve suas primeiras oportunidades como roteirista depois de fazer cursos, como o que fez na CAL ministrado por Doc Comparato e, posteriormente, na Casa de Criação Janete Clair. Considera importante iniciativas como essas para a formação do profissional como a atual oficina de teledramaturgia promovida pela Rede Globo?

Ricardo Linhares - Considero fundamental. Devo o início da minha carreira aos cursos que fiz e aos ótimos professores que tive, como Doc, Paulo José, Flávio de Campos. Além dos que você citou, eu fiz outros cursos. Entre eles, uma Oficia de Humor, na Globo. Nessa época, eu já escrevia como freelancer um programa chamado “Caso Verdade”, que ia ao ar no horário atual de “Malhação”. Havia necessidade de redatores de humor e a Globo criou esta oficina. Entre outros, estavam Alexandre Machado e Mauro Wilson, que acabou de ganhar o Emmy por “Mulher Invisível”. Éramos todos jovens... A direção gostou dos trabalhos que apresentei ao longo da oficina. E foi assim que tive o meu primeiro contrato, de 1 ano de duração, como redator do programa “Viva o Gordo”, do Jô Soares, fazendo parte da equipe do Max Nunes e do Hilton Marques. A partir daí, meus contratos foram sendo renovados. E, ao fazer a Oficina de Telenovela, na Casa de Criação, fui convidado para trabalhar como colaborador do Aguinaldo Silva em “O Outro”. Espero que a Globo faça mais Oficinas de Dramaturgia e que outras emissoras também invistam na formação de novos profissionais. Mas hoje em dia o panorama do mercado mudou, com a entrada forte das produtoras independentes na TV a cabo, com a nova legislação. E o jovem roteirista não precisa mais ter a Globo como única meta. É a maior empregadora da área no Brasil e uma empresa sólida, que valoriza seus profissionais. Tenho orgulho de trabalhar lá. Mas o leque se abriu, existem mais alternativas do que quando eu comecei. Infelizmente, Record, SBT, Band e outras emissoras não conseguem manter um investimento constante na área de teledramaturgia, o que aqueceria o mercado. Já realizaram trabalhos excelentes e de grande repercussão, gerando muitos empregos, mas avançam e recuam, não transmitem confiança a longo prazo. Por isso, considero o trabalho nas produtoras independentes o grande caminho atualmente. É difícil de entrar, ficar e conquistar um lugar na Globo. Imagino que nas produtoras também. Mas a TV fechada está iniciando uma trajetória de expansão. E um dia a TV aberta vai chegar na exaustão.

Você escreveu muitos casos especiais no início de sua carreira. Que tal o formato? O que aprendeu com eles e levou para as novelas depois?

Ricardo Linhares - O início, na Globo, quando eu tinha 21 anos, foi nos programas “Caso Verdade” e “Tele-tema”, que o sucedeu (ao mesmo tempo, eu já trabalhava como redator de programas educativos na extinta TVE, desde os 19 anos, enquanto ainda cursava faculdade de Comunicação, sou formado em Jornalismo). Ambos tinham o mesmo formato: 5 capítulos, de 30 minutos cada, com 2 intervalos comerciais, que iam ao ar de segunda à sexta-feira, no mesmo horário em que “Malhação” é exibida hoje. Era preciso ter uma história com início, meio e fim, com ganchos diários e fôlego para durar os 5 dias. Foi uma excelente escola para escrever novelas. Quando eu e Ana Maria Moretzsohn fomos convidados pelo Roberto Talma para supervisionar a primeira temporada de “Malhação”, levamos este formato para lá, com algumas adaptações, claro. Havia um núcleo central na academia de ginástica, e historinhas com personagens de participação que duravam 5 capítulos. Os 2 primeiros anos da novelinha foram um sucesso. E eu atribuo à dinâmica desse formato.

Você diria que “Tieta” representa um marco em sua carreira? Quais suas lembranças da novela?

Betty Faria na cena em que Tieta retorna ao agreste

Ricardo Linhares - Só tenho lembranças boas de “Tieta”! Há novelas especiais, em que tudo dá certo, e “Tieta” é uma delas. A parceria com o Aguinaldo e a Ana, a concepção do Paulo Ubiratan (um dos grandes diretores da nossa TV, infelizmente pouco valorizado), o elenco maravilhoso, as caracterizações, a música. Aguinaldo, Ana e eu nos reuníamos toda segunda-feira num apart-hotel, disponibilizado pela produção para os nossos encontros, e criávamos as tramas do próximo bloco. A partir da reunião, Aguinaldo fazia as escaletas, que são o resumo de cada capítulo. E cada um de nós escrevia 2 capítulos. As reuniões eram deliciosas, ríamos muito, trabalhávamos nos divertindo o tempo todo. Claro que o trabalho era puxado, embora a duração de cada capítulo fosse bem mais curta que hoje em dia. Mas o retorno foi compensador. É muito importante trabalhar com pessoas queridas, generosas e criativas. Éramos um time entrosado. É uma novela que deixou saudade no público e na equipe. Agora, a lançaram em DVD. Eu comprei a caixa, mas por conta do trabalho em “Saramandaia”, ainda não tive tempo para assistir. Vai ser o meu programa de férias!


Depois de “Tieta”, você assinou “Lua Cheia de amor” em parceria com Ana Maria Moretsohn e Maria Carmem Barbosa. Como foi essa experiência?

Francisco Cuoco e Marilia Pera em cena de "Lua cheia de amor"

Ricardo Linhares - Foi um remake de “Dona Xepa”, novela do Gilberto Braga baseada na peça homônima de Pedro Bloch. O Gilberto supervisionou os primeiros capítulos. A direção era do Talma. E o elenco era encabeçado pela Marília Pera, que fazia dona Genu, uma camelô – diferentemente da personagem original, que era feirante. Os dois filhos tinham vergonha da mãe batalhadora, mas inculta. É um tema melodramático fascinante e eterno, que recentemente fez sucesso em “Morde & Assopra” e “Fina Estampa”. Li que Gustavo Reiz vai escrever uma novela baseada na peça, para a Record. Achei uma ótima ideia e desejo sucesso a ele. Infelizmente, a minha novela não pode ser reprisada, apesar dos inúmeros pedidos dos espectadores, por uma questão jurídica envolvendo os direitos dos herdeiros de Pedro Bloch. Quem roubou a cena foi a querida Arlete Salles, que fazia a alpinista social Kika Jordão, cujo bordão “translumbrante” caiu na boca do povo. Suzana Vieira, como Laís Souto Maia, a rica chique e bom-caráter, também se destacou. A novela demorou um pouco para engrenar; por inexperiência, abrimos tramas paralelas demais no início. A partir da entrada de Francisco Cuoco, que fazia o marido malandrão da Genu, que havia a abandonado, a trama deslanchou.


Você escreveu muitas novelas em coautoria com Aguinaldo Silva e Gilberto Braga. O que destacaria de cada uma dessas parcerias?

Ricardo Linhares e Gilberto Braga: parceiros constantes

Ricardo Linhares - Eu gosto de trabalhar em parceria. Gosto de somar e compartilhar. E tive a felicidade de contar com dois companheiros como Aguinaldo e Gilberto para dividir a autoria de inúmeros trabalhos. Ambos têm muito em comum, como talento, disciplina, organização, método, criatividade e generosidade. Nunca houve qualquer tipo de desavença entre nós, nunca divergimos sobre os rumos de uma trama porque sempre houve respeito pela ideia do outro. Conversando, nós sempre chegávamos à melhor solução. Aguinaldo e Gilberto têm um universo de referência diferente e trabalhar com ambos foi enriquecedor e fundamental na minha formação. É muito bom trabalhar em dupla. É curioso que em diversas ocasiões eu havia sugerido, separadamente, ao Filipe Miguez e a Izabel de Oliveira que procurassem trabalhar em parceria, principalmente ao assinar uma trama pela primeira vez. E os dois se uniram para escrever Cheias de Charme, esse sucesso estrondoso.

Como foi ajudar a escrever “Anos Rebeldes”, uma das mais cultuadas minisséries de Gilberto Braga?

cena de "Anos Rebeldes"
Ricardo Linhares - Existem oficinas de roteiro, faculdade de Letras, mas só se aprende realmente a escrever para TV na prática. Como não existe faculdade de Teledramaturgia, cada trabalho é como um curso de formação. Colaborar com o Gilberto em “Anos Rebeldes” foi como fazer um mestrado na área. Aprendi muito com o talento dele. E tenho o maior orgulho de ter participado desse trabalho.

Em “Pedra sobre Pedra”, você retomou a parceria com Aguinaldo Silva e Ana Maria Moretsohn. O que destacaria de positivo nessa novela?

Ricardo Linhares - Continuamos grandes parceiros e grandes companheiros. Levamos mais adiante a proposta de realismo fantástico, com personagens marcantes até hoje, como Jorge Tadeu (Fabio Jr) e Sérgio Cabeleira (Osmar Prado), que era sugado pela lua cheia. Mais uma vez, Paulo Ubiratan foi o diretor responsável por altos voos de criatividade, além de saber escalar muito bem um elenco. Digo mais: esta novela mereceria um remake, com as possibilidades de efeitos especiais que temos hoje.

Sergio Cabeleira (Osmar Prado) em "Pedra sobre pedra"
“Fera Ferida” foi uma novela inspirada na obra de Lima Barreto. Em adaptações como essa, qual o limite entre seguir a obra original e a livre criação?

Ricardo Linhares - Tanto em “Fera Ferida” quanto em “Porto dos Milagres” (baseada em “Mar Morto” e “A descoberta da América pelos turcos”, de Jorge Amado) não ficou praticamente nada das obras que originaram essas tramas, além do nome de um ou outro de personagem, de uma ou outra situação. Tivemos que mudar tudo, pois não havia trama que sustentasse meses de história. Se não fosse mexido, não haveria novela. Tanto Lima Barreto quanto Jorge Amado entraram mais como uma grife, foram homenageados como os grandes escritores que são. O adaptador não pode ficar engessado na obra que serviu de ponto de partida.

Lima Duarte e Edson Celulari em "Fera Ferida"
Suas novelas-solo “Meu bem querer” e “Agora é que são elas” têm em comum o fato de serem novelas regionalistas cujas tramas se passam em cidades fictícias. Você se sente mais à vontade nesse universo?

Ricardo Linhares - Eu sou um contador de histórias. Esse é o meu ofício. Estas duas novelas foram regionais porque as ideias brotaram assim. Cada trama nasce com as suas características próprias. Eu me sinto à vontade tanto no universo urbano quanto no rural. Até hoje, não escrevi novelas de época, tirando a colaboração em “O tempo e o vento” e “Anos Rebeldes”. Gostaria muito de escrever uma trama histórica. Não gosto de ficar restrito a um estilo. Sobre cidades fictícias, a verdade é que todas as tramas se passam em locais fictícios, embora alguns pareçam reais.

Flavia Alessandra e Leonardo Brício em "Meu bem querer"

Em “Paraíso Tropical”, pudemos identificar muito do estilo de Gilberto Braga, mas também é possível identificar muitas características de suas obras como os diversos quiprocós que aconteciam no Edifício Duvivier. Até que ponto a Copacabana da novela se assemelhava com as cidades fictícias das tramas regionalistas que você escreveu?

Ricardo Linhares - Respondi acima sem ter lido esta pergunta. A Copacabana do Edifício Duvivier era tão fictícia quando o Divino de “Avenida Brasil” ou o Leblon do Manoel Carlos. O escritor recria a realidade a partir do seu olhar; senão, faria um documentário.

“Insensato Coração” foi uma novela, cuja estrutura nos primeiros 100 capítulos foi mais episódica com tramas que iniciavam e se encerravam rapidamente e personagens que entravam e saíam o tempo todo da trama. A partir da segunda metade, a novela apresentou uma narrativa mais linear seguindo o modelo clássico do formato do gênero. A que se deveu essa mudança?

"Insensato Coração": sucesso também no mercado internacional
Ricardo Linhares - Na segunda metade, pode ter diminuído um pouquinho as participações, mas a novela continuou episódica até o final. Esta era a proposta da trama, a sinopse foi criada assim. Eu sempre quis escrever uma novela em que personagens fixos contracenassem com participações. Como na vida. Quantas pessoas passam por nós, convivem algum tempo, marcam ou não nossas vidas, e depois nunca mais as reencontramos? Por que na novela temos que acompanhar todos os personagens do início ao fim? Às vezes, a trama de um núcleo já acabou, mas os atores ficam até o final, sem história. Eu e o Gilberto optamos por fazer com que eles saíssem da novela quando se esgotasse a sua função. Nos seriados americanos, esse recurso é super comum. Atores entram e participam de 2 ou 3 episódios e depois vão embora; alguns voltam 10 episódios depois e somem novamente. O público entende a dinâmica. Na novela, provocou polêmica: houve quem visse uma novidade, houve quem reclamasse que esse formato não dava tempo de gerar empatia com os personagens novos. O nosso público está cada vez mais conservador e imediatista, quer a trama mastigadinha para entender. Uma novela ousada, inteligente e sensacional como “O Casarão”, do Lauro César Muniz, que se passava em 3 épocas simultâneas, jamais poderia ser feita hoje. O espectador ficaria confuso. Enfim, eu fiquei feliz por ter podido experimentar. E considero o saldo positivo. Gilberto e eu nunca pretendemos revolucionar a telenovela. Acho que isso não existe. Mas quisemos contar aquela trama desta maneira específica. A venda da novela para outros países tem sido excelente.

Como é a divisão de trabalho entre você e seus colaboradores? Você costuma dar a liberdade a eles para criar dentro da escaleta ou sugerir novos rumos para as tramas?

Ricardo em seu escritório. Foto: Cícero Rodrigues para o livro "Autores"
Ricardo Linhares - Todos têm liberdade, claro. Somos uma equipe de amigos, de pessoas em quem se pode confiar. A opinião de cada um é importantíssima e soma no resultado final. Eu divido o trabalho por núcleos, já que cada escritor naturalmente tem mais afinidade com determinado tom: comédia, romance, ação, jovens, etc. Então, meus colaboradores costumam seguir um personagem, ou um núcleo, do início ao fim da novela. Temos sempre reuniões de criação em que conversamos sobre os rumos da trama. E hoje em dia, com a facilidade da internet, ficamos o tempo todo conectados trocando dezenas de e-mails com dúvidas e sugestões.

Você atuou como supervisor de texto em “Cheias de Charme” e, aparentemente, a novela não tinha muitas características de suas obras, ao contrário de outras supervisões em que notamos de maneira muito clara o estilo do supervisor. Até que ponto o supervisor deve intervir no trabalho do autor?

Ricardo Linhares - Cada pessoa trabalha de uma maneira diferente, não existe certo, nem errado. Na minha opinião, o supervisor não deve intervir no tom dos autores. Além de “Cheias de Charme”, da primeira temporada de “Malhação” e da penúltima temporada, já fiz outros trabalhos de supervisão, principalmente de sinopses. Como gosto de trabalhar em equipe, considero o supervisor mais um membro do time. O meu trabalho é ajudar o autor a contar a história que ele deseja contar e do jeito que ele quer. Claro que, com a experiência de 30 anos de TV que eu tenho, sei que algumas coisas devem ser bem avaliadas e dou a minha opinião e apresento alternativas. Não existe nada pior do que alguém que diz: não vai por esse caminho. E não apresenta outras soluções. Mas na TV não existem regras nem fórmulas. O que deu errado uma vez, pode dar certo em outras circunstâncias. O que faz sucesso hoje pode ser um fracasso no ano que vem, vice-versa. Então, é preciso liberdade e ousadia. Como supervisor, eu cuido, ajudo, ando de mãos dadas, tiro dúvidas, leio tudo, do início ao fim, participo das reuniões de criação, mas nunca impondo. Felipe e Izabel são dois escritores talentosíssimos, antenados, criativos e responsáveis. Ambos já tinham uma grande experiência como colaboradores com diversos autores. O sucesso que fizeram me encheu de orgulho. E fiquei muito feliz por ter feito parte da equipe deles.

"Cheias de Charme": novela de sucesso que contou com a supervisão do autor

Qual sua opinião sobre classificação indicativa?

Ricardo Linhares - Não sou contra a classificação indicativa. Acho que o espectador (principalmente os pais) tem o direito de saber a censura que o Ministério da Justiça dá a cada programa. No cinema, é assim. Sabemos se um filme tem censura livre, ou é proibido para maiores de 12, 16 anos etc. Sou radicalmente contra atrelar a classificação indicativa ao horário de exibição. É a mesma coisa que filmes com censura 18 anos só pudessem ser exibidos a partir das 22h nos cinemas. As regras da censura oficial não são claras. Programas sensacionalistas, supostamente jornalísticos, exibem nudez ao meio-dia. E em “Malhação” não podemos fazer cenas de intimidade de namorados acordando na mesma cama. É hipocrisia.

Geralmente, quando cria algum personagem, já pensa no possível ator / atriz para interpretá-lo?

Ricardo Linhares - Primeiro nasce o personagem, em função da trama. Ao elaborar a ação do personagem e suas características, já penso no ator/atriz para interpretá-lo. Ou, pelo menos, num tipo de ator, inicialmente. Por exemplo, ao começar a esboçar um perfil, posso pensar em Sophia Loren. E depois, à medida em que desenvolvo suas características, me vem à cabeça a intérprete brasileira. Na fase de sinopse, muitas vezes as escalações iniciais podem não se concretizar, por diversas razões. Mas ao escrever o diálogo dos primeiros capítulos acho importantíssimo saber o intérprete.

Você é noveleiro? Assiste a novelas desde criança ou só começou a acompanhar por força do trabalho? Quais as novelas e personagens favoritos do Ricardo Linhares espectador?

Ricardo Linhares - Sou noveleiro desde cedo. Mas na minha casa não havia o hábito de se assistir às novelas. Aliás, víamos pouca televisão em família. Tenho lembranças de novelas antigas, “Irmãos Coragem”, “Cavalo de aço”, a primeira versão de “Mulheres de Areia”, de “A Viagem”, “O semideus”, “Selva de Pedra”, “Escalada”, “Estúpido Cupido”, “Anjo Mau”, “Helena”, “Bravo”, “Corrida do ouro”. Pelo horário, eu não podia assistir às novelas das 22h porque tinha que acordar cedo para ir para o colégio. Mas sempre dava um jeitinho de acompanhar. Lembro de “O Bem-amado”, “O Espigão”, “Gabriela”, “Saramandaia”. Gostava de quando os meus pais saíam ou tinha festa em casa, porque a TV ficava liberada. Uma novela das 10 que me marcou muito foi “Os ossos do barão”. Fiquei eletrizado com “O Rebu”. Adorei “Nina”. “O grito” foi inesquecível. Enfim, são tantas... “Pecado Capital”, “Duas Vidas”, “Feijão Maravilha”, “O Astro”, “Vejo a lua no céu”, “O feijão e o sonho”, “A sucessora”, “Paraíso”, “O Casarão”, “Dancin’ Days”. Nem passava pela minha cabeça que um dia eu seria escritor e criaria novelas. Mas acho que a semente foi plantada ali.

Foto: Cícero Rodrigues para o livro "Autores"


Já pensou em escrever para outros veículos como teatro ou cinema?

Ricardo Linhares - Na verdade, comecei a escrever para teatro, aos 14 anos. As minhas primeiras leituras foram de peças teatrais, devorei os clássicos na adolescência, dos gregos a Tennessee Williams, Shakespeare, Ibsen, Arthur Miller, O’Neill, Pirandello, Nelson Rodrigues, Jorge Andrade, Dias Gomes, Ionesco, Beckett, entre dezenas de autores maravilhosos. Eu lia tudo o que podia, era rato de biblioteca. Leitura é tudo. Acho que hoje em dia as pessoas leem tão pouco... Há quem queira ser escritor e nunca tenha lido Édipo Rei, por exemplo, que é a base de toda a dramaturgia ocidental. Ganhei alguns prêmios em concursos de teatro. E pretendia seguir por aí. Nem pensava em televisão. Mas conheci uma produtora da TVE, Ana Gouveia, num curso de inglês (olha a importância dos cursos na minha vida!). É uma mulher inteligente, culta, dinâmica. Ela produzia uma série de programas educativos chamada “Qualificação Profissional”. Conversando no intervalo das aulas, eu contei que havia ganho alguns prêmios com peças de teatro. Ela me pediu para ler. E depois me convidou para escrever os roteiros da série. Eu tinha 19 anos, era estudante de Jornalismo. Foi assim que entrei para a TVE. Gostei do trabalho, soube do primeiro curso que o Doc Comparato daria na CAL, me inscrevi. Doc gostou do meu texto, me encaminhou ao “Caso Verdade”, na Globo, que era dirigido pelo Paulo José. E eu nunca mais parei, sempre emendei um trabalho no outro. Tenho 50 anos, trabalho na Globo desde 1983. Já escrevi para todas as faixas, de Malhação a minisséries e linha de show. Fui o mais novo autor de novela das 21h, aos 27 anos, ao assinar “Tieta” com Aguinaldo e Ana Moretzsohn. Entre autoria, coautoria, colaboração e supervisão, já fiz mais de 15 novelas, além de Malhação, minisséries, especiais, seriados e humor. Nesse tempo todos, várias vezes já pensei em voltar ao teatro, mas, por falta de tempo, fui adiando... e hoje não tenho mais interesse. Adoro teatro como espectador, sou assíduo. Mas guardo as minhas ideias pra TV. Anda tenho muito trabalho pela frente.

Qual o papel da telenovela na vida do brasileiro?

Ricardo Linhares - É, e acredito que sempre será, a grande fonte de emoção, risos, romances, sonhos e reflexões. É nossa querida companheira diária. Ao mesmo tempo em que entretém, a telenovela ajuda na evolução dos costumes, a diminuir o preconceito, leva informação e ilustra a vida da maioria da nossa população. É preciso sempre estar mudando para acompanhar a evolução do mundo e do comportamento, com ousadia, liberdade e responsabilidade. A novela é o espelho da vida.

Ricardo, gostaria de agradecer muitíssimo pela entrevista. É uma honra para o melão e uma alegria para os leitores. Sou muito seu fã. Te desejo muito sucesso em “Saramandaia” e fica a torcida para que possamos trabalhar juntos algum dia.

Ricardo Linhares - Valeu, querido! Eu é que agradeço a oportunidade. Um beijo grande de final de ano para os seus leitores. Feliz 2013 a todos, que seja um ano pleno de realizações! Parabéns pelo merecidíssimo Emmy de “O Astro”, e tomara que os nossos caminhos se cruzem adiante. Muito obrigado pela torcida positiva!

Eu e Ricardo em evento na PUC-Rio
_____________

LEIA TAMBÉM: 

Gilberto Braga: a cereja do bolo de aniversário do melão!!!






sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Lembranças de uma novela cheia de amor

Por Wesley Vieira
Cá estou eu de novo, nesse saboroso Melão, fazendo mais uma participação a convite do Melão-Chefe, o amigo Vítor. Resolvi falar de uma das muitas novelas que marcaram a minha infância. Será que alguém adivinha a novela em questão?

Lembra da Genuína Miranda, mais conhecida como Genu? "Vem chegando, minha gente, que já tá ficando quente... Compra madame, na minha barraca, panela bem útil e bem mais barata..." E de sua filha, a Mercedes, uma moça pobre e ambiciosa? Provavelmente a memória vai te trair em relação a essas personagens, mas se eu falar sobre a translumbrante e fofa Kika Jordão, com certeza você vai se lembrar de “Lua Cheia de Amor”, novela das 19h, exibida pela Rede Globo entre dezembro de 1990 e julho de 1991 com exatos 191 capítulos.

Escrita por Ricardo Linhares, Ana Maria Moretshon e Maria Carmem Barbosa, “Lua Cheia de Amor” era uma reedição bem disfarçada de outro antigo sucesso da emissora, “Dona Xepa”, exibida em 1977, escrita por Gilberto Braga, que nessa versão atuou como supervisor nos primeiros capítulos. A novela apostava numa inédita parceria entre Globo em co-produção com a Radio Television Espanhola e a RTSI da Suíça.

A Dona Xepa que era feirante na história original, virou Dona Genu, interpretada por Marília Pêra, uma mulher que perdeu sua loja por conta dos desatinos do marido viciado em mesas de jogos. Muito honesta e batalhadora, Genu pegou a mercadoria que restou da loja e foi para rua vender panelas e outros objetos. Virou “a dona da muamba”, tal como exemplificado na divertida música-tema de abertura, “La Miranda” cantada magnificamente por Rita Lee.

Genu é uma daquelas heroínas de novela bem simplória, quase sem instrução, mas muito sábia e generosa. Filha de mãe espanhola com pai brasileiro, ela foi muito maltratada pela vida e sem o apoio do marido, criou os dois filhos sozinha. Seu sonho é reencontrar Diego, que volta após 15 anos de sumiço sob a alcunha de Esteban Garcia. Mulherengo e amoral, Diego se envolve com várias mulheres deixando Genu cada vez mais desiludida com seu retorno. Seu filho, Rodrigo (Roberto Battaglin) namora a jovem Flávia (Renata Lavíola) e se sente na obrigação de casar com ela após a morte do sogro. No entanto, ele conhece a rica empresária Rutinha (Sylvia Bandeira) e desiste do casamento.

Mercedes (Isabela Garcia), a filha caçula, tem um pouco de vergonha do jeito pobre da mãe e a esnoba. Romântica na medida certa, seu sonho é encontrar um bom partido, mas como os corações são bastante insensatos, ela se apaixona por Augusto (Mauricio Mattar) e o rejeita por achar que ele é apenas um pobre motorista de táxi que foi morar na mesma vila onde ela vive. Mas ledo engano. O rapaz idealista e independente é herdeiro de uma das maiores agências de publicidade do Brasil. Filho de Conrado (Claudio Cavalcanti) e da sofisticada Laís (Suzana Vieira), ele não liga para o dinheiro da família e seu sonho é montar o próprio negócio tendo suas idéias revolucionárias como característica.

Sem saber a verdade sobre Augusto, Mercedes, ambiciosa ao extremo, se envolve por interesse com Douglas (Rodolfo Bottino), o enteado da tresloucada nova rica Kika Jordão, interpretada magistralmente por Arlete Salles, que queria a qualquer custo ser uma colunável como a sua ídola, a socialite Laís Souto Maia. Ao som de “Alpinista social” do então desconhecido Lenine, Kika aprontava das suas e tinha como intuito impressionar Laís. Uma de suas investidas aconteceu durante o noivado de Douglas e Mercedes, quando Kika mandou preparar strogonoff de lagosta – “Feito com muita lagosta mesmo!” – e viu todos os convidados terem dor barriga por causa da sabotagem que sua filha preparou pra se vingar do noivo, por quem era apaixonada. A festa de casamento também foi outro vexame que deixou Kika de cabelo em pé. Com um vestido cafona estilizado de Carmem Miranda, ela viu tudo ruir após refrear os ânimos de um casal briguento e acabou caindo sobre a mesa do bolo. É claro que todos os fotógrafos presentes registraram o acontecimento e publicaram notas inclementes nas colunas sociais do dia seguinte. E lá se foi o sonho de ser a mais chique da sociedade...
Mercedes, totalmente apaixonada por Augusto, resolve se render ao amor no dia de seu casamento com Douglas. Porém, Augusto, achando que ela descobriu a verdade sobre sua origem, resolve lhe dizer muitos desaforos e escurraçá-la de sua vida. Arrasada com a revelação, ela tenta convencê-lo de que não sabia de nada, mas já é tarde demais... Como novela com casal unido não tem graça, Mercedes opta por levar o casamento adiante e se casa com Douglas.

Aliás, os desencontros entre Augusto e Mercedes eram pontuados pela linda “Heal the pain” do astro George Michael. As trilhas sonoras eram recheadas de grandes sucessos dos anos 90 como "Só Você Vai Me Fazer Feliz (Can't Help Falling In Love)" do Julio Iglesias; "Luz da Lua (Prendi La Luna)" na voz da espanhola Ana Belén; "You Gotta Love Someone" do britânico Elton John; I'm Free" do The Soup Dragons e a velha boyband New Kids On the Block com “Let´s try again”. Lembro perfeitamente das inúmeras vezes que a propaganda da trilha internacional era veiculada e meu desejo era ter o disco da novela. Foram preciso 10 anos para conseguir o tão sonhado disco, ou melhor, o cd com as ótimas músicas.

Mas “Lua Cheia de Amor” também tinha outros personagens interessantes como a recalcada Emília (Bete Mendes), a “boca de aranha” que teve um caso com Diego e vivia às turras com a vizinha Genu. Wagner (Mário Gomes) era o vilão da história e sua meta era roubar a agência de publicidade de Conrado. Além disso, ele vivia infernizando a vida da esposa Isabela (Drica Moraes), a filha cleptomaníaca de Laís e apaixonada por Lourenço (Felipe Martins).

Ao final, Diego se envolve numa rocambolesca trama e todos pensam que ele morreu num acidente após perder dinheiro que trouxe da Suíça. No entanto, ele reaparece na Espanha como crupiê de um cassino, enquanto Genu refaz sua vida ao lado do dedicado Túlio (Geraldo Del Rey).

Depois de muito vai e volta, Mercedes e Augusto resolvem dar uma chance ao amor que ambos sentem. Já a translumbrada Kika consegue entrar de vez para o hall das colunáveis socialites ao lado de Laís, sua mais nova amiga de infância.

Assim, sob a luz da lua cheia de amor, casais selavam suas uniões com muitos beijos e todos foram felizes para sempre...

Prefira também: