25 ANOS DE CAMBALACHO
O termo “parece que foi ontem” já está mais lugar comum do que o próprio termo “lugar comum”. Mas o que dizer quando não há nada melhor do que “parece que foi ontem” para traduzir o que sentimos a respeito de uma novela que foi tão emblemática na sua vida e permaneceu em seu imaginário por tanto tempo que realmente 25 anos parecem ter passado como um flash? Esse jubileu de prata de “Cambalacho” só vem provar que, quando uma telenovela é realmente boa, ela entra para o panteão e também se torna memorável como qualquer outra manifestação artística.
Eu tinha apenas 9 anos quando foi exibido o primeiro capítulo da novela no dia 10 de março de 1986. E o mais incrível é que tenho lembranças nítidas de grande parte desse folhetim de Sílvio de Abreu. “Cambalacho” já foi até cotada para ser novela das oito, mas foi no horário das sete que ela ajudou a consolidar o estilo do autor, responsável pelas mais hilariantes comédias de nossa teledramaturgia.
VOCÊ SABE O QUE É CAMBALACHO?
Essa era a pergunta já lançada no teaser da novela, que ajudou a popularizar o termo, usado até hoje para designar trambique, mutreta, armação, maracutaia. Com um pé na chanchada, outro nos clássicos de Hollywood, influências constantes de Sílvio de Abreu, “Cambalacho” era uma novela movimentada, divertida e visualmente diferenciada, sobretudo pelos letreiros luminosos que apareciam para mostrar passagens de tempo, onomatopeias e até mesmo comentários sobre a trama. O alto astral permanente da novela é marca registrada da feliz parceria de Sílvio com a direção de Jorge Fernando.
A trama girava em torno de Naná, em mais uma interpretação antológica de Fernanda Montenegro, uma trambiqueira de bom coração que sobrevivia de pequenos golpes, ao lado do fiel escudeiro Jejê (Gianfrancesco Guarnieri em tão boa parceria com Fernandona quanto Paulo Autran). Para aliviar sua culpa, Naná adotava crianças que recolhia na rua, enquanto sua única filha verdadeira Daniela estudava no exterior.
Mal sabia Naná que ela seria apontada como suposta herdeira do milionário Antero (Mario Lago), que descobrira recentemente que ela era sua filha desaparecida. No entanto, para tomar posse do que tem direito, Naná precisa enfrentar Andréa (Natália do Vale), viúva de Antero que planejou morte do marido durante um passeio de lancha para ficar com toda a sua fortuna.
Antero tinha outro filho, o bailarino Tiago (Edson Celulari), que acaba se envolvendo com a mecânica Ana Machadão (Debora Bloch em excelente momento), que vinha a ser filha de Jejê! Ah, as coincidências do folhetim... O inusitado romance do bailarino com a mecânica rendeu ótimos momentos, principalmente a partir da chegada de Daniela (Louise Cardoso), suposta filha de Naná, que veio completar o triângulo amoroso e também tentar se apropriar da fortuna de Antero. Mais tarde, descobrimos que se tratava de uma impostora. A verdadeira Daniela, vivida por Cristina Pereira, acabou aparecendo no último capítulo da novela.
VOCÊ ME INCENDEIA...
“Cambalacho” também é lembrada pela galeria de personagens inesquecíveis. Além dos já citados, a novela também contava a história de Albertina Pimenta, ou Tina Pepper, inesquecível personagem de Regina Casé. Sempre com o bordão “odeio pobreza” na ponta da língua, Tina vivia inconformada com sua condição social e fazia de tudo para subir na vida. Fã inveterada de Tina Turner, viu a oportunidade de se lançar como cantora. O problema é que a moça era pra lá de desafinada. Com isso, entra em ação sua mãe, Lili Bolero, verdadeiro show da excelente e saudosa Consuelo Leandro. Cantora fracassada, Lili vivia frustrada e culpava Angela Maria, que a vencera em um concurso de calouros, por sua carreira não ter decolado. Com isso, Tina só dublava enquanto Lili era quem cantava de verdade (anos mais tarde, Sílvio utilizou desse mesmo expediente em “Torre de Babel”, em que Johnny Percebe, interpretado por Oscar Magrini, fingia que cantava e era dublado por seu irmão, Boneca, vivido por Ernani Moraes).
Lili era apaixonada por Jejê e grande rival de Naná, mas também flertava com Tio Biju (Emiliano Queiroz), pacato costureiro que criou, com dificuldade, três sobrinhos: Atos (Flávio Galvão), Portos (Mauricio Mattar) e Aramis (Paulo Cesar Grande), por quem Tina era apaixonada. Uma das sequências mais engraçadas que me recordo da novela foi quando Tina roubou o livro “Os segredos da salamandra”, e fez um feitiço para que Aramis se apaixonasse por ela. Para isso, ela tinha que ferver uma cueca dele e beber o líquido depois. Tudo certo, se ela não tivesse pegado a cueca errada. Portos acabou encantado pela moça. No final, Tina alcança o estrelado usando sua própria voz. Quem não se lembra dos versos de seu megahit “você me incendeia / seu corpo serpenteia / e me deixa louca / com água na boca”, cantado por ela incessantemente durante a novela? Lili acabou desfazendo o mal entendido com Angela Maria, que fez uma participação da novela, e terminou como cantora de uma churrascaria chamada “Traseiro de Boi”.
PERIGOSA...
Voltando à trama principal, Naná precisava enfrentar a terrível Andréa. Linda e diabólica, a vilã foi um dos melhores papeis de Natalia do Vale. Apaixononada pelo cunhado Rogério (Claudio Marzo), Andréa fazia de tudo para tirá-lo de sua irmã, Amanda (Susana Vieira). É impossível ouvir a canção “Perigosa”, da banda Syndicatto, sem se lembrar de Andréa e suas armações. Falando em trilha sonora, a internacional era aquela coletânea de sucessos do momento, mas a nacional era personalíssima. As músicas foram criadas especialmente para os personagens. Por isso, apesar do tema de abertura ter sido muito marcante, talvez a que tenha ficado mais presente em meu imaginário é “Armando eu vou”, na voz de Cida Moreira, que era tocada sempre quando Naná aprontava mais um de seus cambalachos.
Além dos atores já citados, Rosamaria Murtinho, Roberto Bonfim, Joana Fomm, Marcos Frota, Andréa Avancini, Duse Nacaratti, Maria Helena Pader, Fabio Sabag, Cristine Nazareth, Leina Krespi, Osvaldo Loureiro e Luiz Fernando Guimarães (impagável como um nobre farsante) completavam o ótimo elenco.
Ao escrever esse texto e relembrar toda essa estória deliciosa, começo a perceber o porquê da novela fazer 25 anos e eu ter a impressão de que não faz tanto tempo assim. É que “Cambalacho” foi tão marcante, me divertiu tanto como espectador e me inspirou tanto como roteirista que, na verdade, ela nunca saiu do meu imaginário. Naná, Jejê, Ana Machadão, Tio Biju, Andréa, Lili e Tina Pepper permanecem no meu rol de personagens inesquecíveis. Essa é emblemática de verdade!