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domingo, 15 de abril de 2012

Aquele Beijo: uma novela honesta




Sempre fui admirador do texto de Miguel Falabella, tanto em suas parcerias com Maria Carmem Barbosa, quanto em seus vôos solo. Falabella é, pra mim, o autor que mais se aproxima das cores de Almodóvar. Seus textos sempre exalam aquela exuberância kitsch presente nos filmes do cineasta espanhol e sempre possuem um olhar altamente irônico e sarcástico sobre os mais prosaicos dramas do cotidiano e também nas grandes tragédias, dando a elas um ar levemente divertido e patético. E seu humor nunca é fácil ou gratuito, ao contrário, provém de um olhar arguto e divertido sobre uma situação eminentemente dramática, que se torna divertida exatamente por esse viés patético que o olhar de Falabella sempre consegue captar.

Foi assim com “Salsa e Merengue”, novela que me fisgou desde o início e trouxe ao folhetim essa visão peculiar do autor e seus maravilhosos e coloridos personagens à beira de um ataque de nervos, inaugurando um novo estilo de se fazer novela. Tudo isso é pra chegar ao último capítulo de “Aquele Beijo”, um dos melhores finais de novela dos últimos tempos.

“Aquele Beijo” nunca foi um estouro de audiência, mas também esteve longe de fazer feio. Peço emprestada a expressão que Nilson Xavier usou pra falar da novela “Bambolê” para me referir a “Aquele beijo”: “uma novela honesta”. Talvez faltasse um escândalo central maior que fosse capaz de mobilizar o público. Ou, quem sabe, ganchos mais eletrizantes que tornassem o próximo capítulo imperdível, mas nada disso tira o mérito da novela, que cumpriu sua missão de entreter o público, se manteve coerente à sua proposta inicial e respeitou os princípios de um bom folhetim, sem menosprezar o espectador, sempre presenteado com um texto inteligente e criativo. A novela não fazia nossa adrenalina subir, mas era deliciosa de se acompanhar. Os personagens sempre tinham uma tirada espirituosa na ponta da língua e se envolviam em situações pra lá de hilariantes.

O elenco, em grande parte já familiarizado com o texto do autor, esteve, em sua maioria, muito à vontade, e parecia se divertir tanto quanto o espectador com as situações patéticas e rocambolescas de seus personagens. Giovana Antonelli brilhou na pele da cômica protagonista Claudia, lembrando aquelas divertidas comédias de Hollywood dos anos 60, ao lado de Ricardo Pereira, com quem teve bastante química e sintonia. Sheron Menezes, por muitas vezes, me deu a impressão de que era a verdadeira heroína da novela, pois a trama de sua personagem Sarita não tinha a mesma leveza da trama de Claudia e carregava grande parte do conteúdo dramático da novela e era, de fato, quem rivalizava com a antagonista vivida por Marília Pera, inclusive disputando o amor de um mesmo homem. Além disso, ela possuía o idealismo, digno das grandes heroínas românticas, em sua nobre missão de salvar o local onde nascera e fora criada. Definitivamente, Sarita tinha o peso de uma protagonista e Sheron soube conduzir muito bem a personagem. Outro grande mérito da novela foi valorizar atores negros, todos com ótimos e importantes personagens. Pode parecer bobagem, mas infelizmente ainda se conta nos dedos a quantidade de atores negros em nossos elencos.

Sheron Menezes e Marilia Pera: destaques positivos da novela

E o último capítulo teve todos os ingredientes de uma boa novela, me fazendo até lembrar as comédias românticas que Cassiano Gabus Mendes escrevia para o horário das sete, como “Te contei?” ou “Marron-Glacê” que, se não arrasaram quarteirão como “Ti Ti Ti” ou “Que rei sou eu?”, deixaram uma impressão muito simpática. O desfecho dos personagens sendo revelado pelo próprio autor, através de sua narração, foi divertido e coerente. Aliás, a narração foi um dos grandes acertos da trama: inteligente, inspirada, nunca didática. Além de ajudar a contar a história de forma poética e envolvente, também imprimiu à novela uma personalidade própria, tornando-a inconfundível. Destaco dois pontos altos do último capítulo: a chegada de Claudia em seu casamento em uma viatura policial e a cena de despedida de Maruschka (Marília Pera) e Ana Girafa (Luiz Salém), que foi muito, mas muito emocionante. A emoção transbordante da cena fez o público lavar a alma e acreditar na sincera redenção da vilã vivida por Marília.

E a despedida foi simpaticíssima, alto astral, extremamente criativa e divertida. É disso que o público que acompanha novela gosta: se sentir recompensado e com a sensação de que foi prestigiado com o capricho de um trabalho feito especialmente pra ele. Ao Miguel, que ainda não conheço pessoalmente, mas que já faz parte de minha vida há muito tempo, meus sinceros parabéns e aquele beijo! Parabéns a toda a equipe. Missão cumprida e já esperamos pela próxima aventura.
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“A vida alheia”: humor inteligente e ousado na TV.



terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Blogueiro convidado: Daniel Pepe relembra “Quem ama não mata”



Diretamente do inspirado blog “Agora é que são eles”, melão recebe esse apaixonado por teledramaturgia, autor de textos inspirados e comentários sempre pertinentes nas diversas redes sociais em que participa. Engenheiro civil de profissão e noveleiro de coração, Dani Pepe aceitou o convite para escrever no melão sobre o que bem quisesse e nos brindou com um excelente texto sobre a minissérie “Quem ama não mata”, que deu muito o que falar na época em que foi exibida. Melão agradece a luxuosa colaboração e convida o querido Pepe a retornar sempre que desejar.



Quem Não Conversa Se Mata

Por Daniel Pepe


Olha bem nos meus olhos, quando eu falo contigo
E vê quanta coisa eles dizem que eu não digo

“Eram os anos 1980, uma época de loucura. Foram litros de uísque, quilos de substâncias tóxicas. Foi muita rasgação de coração. Escrevi com sangue mesmo.”

Assim é que o autor Euclydes Marinho define no livro biográfico “Autores – Histórias da Teledramaturgia” como conseguiu transpor para a ficção algo tão íntimo como a história de Chico (Daniel Dantas) e Júlia (Denise Dumont) na minissérie Quem Ama Não Mata, de 1982. Os dois eram casados há menos de dois anos e já enfrentavam uma crise: Júlia se apaixona por Luca (Buza Ferraz), amigo de Chico, que percebe a situação e dá carta branca para a mulher viver o novo sentimento e ver no que aquilo daria. Júlia passa então a viver um adultério consentido com o marido, até que ele não aguenta mais e a expulsa de casa. Essa trama foi vivida por Euclydes Marinho, cuja esposa se apaixonara por um colega de trabalho. A história ficava ainda mais próxima da realidade pelo fato de ele na época ser casado com a própria atriz Denise Dumont, ou seja, ela interpretou um drama da sua vida real.

Chico e Julia: contraponto com os protagonistas
Apesar do conflito, de algumas brigas, “vingancinhas de casal” e desencontros durante a série, Chico e Júlia sempre dialogam até chegarem num entendimento. A cena final é deles, num banho de mar de renovação, quando deixam claro estar tirando tudo o que pudesse fazê-los chegar a algum ponto de desespero, onde não existisse mais volta, chance alguma de reconciliação. Em algum ponto onde um matar o outro fosse a única saída possível. Eles formaram o contraponto com Jorge (Cláudio Marzo) e Alice (Marília Pêra), o casal que se mata. Quem morreu e quem matou é o mote da série só revelado no último capítulo. A trama foi desenvolvida de modo que os dois finais fossem plausíveis, tanto que os dois foram escritos e gravados. Alegaram que o escolhido foi meramente uma questão estatística.

A diferença fundamental entre o casal jovem e o casal mais maduro foi a condução do diálogo. Enquanto Chico e Júlia, mesmo discordando, expunham suas dúvidas, medos e diferenças, Jorge e Alice não chegavam num acordo, por, a princípio, ele esconder seu problema de esterilidade, com medo que associassem a impotência. Isso fazia Alice pensar que ela fosse a infértil que não podia dar o filho tão esperado aos dois. Alice então também passa a viver um conflito interno, pois ela mesma direcionou a sua vida de forma que seu objetivo único fosse ter e criar os filhos, anulando outras aspirações. Por não exteriorizar sua angústia, Jorge começa a ser agressivo com a esposa, que não entende a situação. A partir de um momento ela também não aguenta mais aquilo, até que os dois se separam. E o grande erro foi a tentativa de reconciliação, quando voltam a morar juntos. Mas não existe avanço no diálogo, o que reinstaura a velha crise culminando na tragédia anunciada desde o primeiro capítulo.


Quem Ama Não Mata não tinha apelos folhetinescos presentes na maioria das novelas, como revelações de paternidades, flagras de beijos e transas, o que a aproximava ainda mais da realidade, fazendo o telespectador se identificar bastante com aqueles personagens. O recurso utilizado para segurar 20 capítulos sem tantos ganchos significativos foi o flashback. Logo na primeira cena é mostrado que um crime foi cometido, mas não se sabe quem matou nem quem morreu. No inicio de cada capítulo havia uma narração resumindo os fatos anteriores, sempre frisando que um crime estava por vir, além de a abertura ser toda feita em cima da fatalidade, mostrando o apartamento na Barra da Tijuca almejado por tantos anos todo destroçado, resultado do erro que se tornou a relação de Jorge e Alice. Dessa forma, mesmo sem aqueles atrativos que o telespectador tanto adora nas novelas, o roteiro saboroso, mas muitas vezes morno, era conduzido por essa expectativa de como tudo terminaria.

Produzida ainda na época da ditadura, a minissérie não foi poupada de vários cortes nos diálogos, como um que continha a palavra “adúltera”. Ou outro onde Alice conversa com Odete (Tânia Scheer) sobre fazer sexo durante o nono mês de gravidez.  Ao mesmo tempo deixavam passar a palavra “aborto” e as cenas que culminaram nele. Dessa maneira, pode-se entender que o trabalho da censura era cortar coisas só para “bater o ponto”, ou então dar uma colher de chá para os produtores. “Cortamos um pouco, mas deixamos outro tanto”. Não fazia sentido censurarem alguns temas considerados inadequados, e outros não. Apesar dos cortes, o autor conseguiu defender a sua tese e a minissérie não se tornou ininteligível ou sem nexo em nenhum momento.

Convivendo com os dois casais principais, havia ainda Laura (Suzana Vieira) e Raul (Paulo Villaça), cujos desentendimentos consistiam no fato de Laura ser adepta de uma relação com cada um na sua casa, ao contrário de Raul, que insistia em casamento. Laura, uma personagem muito interessante, vivia na defensiva, demonstrava e admitia ter medo de se relacionar mais sério com as pessoas, até mesmo com as filhas, Júlia e a menina Ângela (Monique Cury). Laura era irmã de Alice e filha do General Flores (Dionísio Azevedo) e Dona Carmem (Norma Geraldy), que tentavam fazer o possível para que as filhas resolvessem seus conflitos. Eles eram o exemplo de um casal que superou as dificuldades no passado e que na velhice sabiam muito bem conviver com as diferenças um do outro. Para fechar o ciclo, Odete e Fonseca (Hugo Carvana) davam um divertido refresco; era o casal que volta e meia brigava, mas logo fazia as pazes.



Um produto feito com muito esmero tanto em roteiro – Euclydes teve a colaboração de Denise Bandeira e Tânia Lamarca – como em direção – de Daniel Filho e Denis Carvalho – e interpretação – confira abaixo um vídeo com Cláudio Marzo brilhante e Marília Pêra ótima fazendo drama – , mereceria ser eternizado sendo lançado em DVD. Ou quem sabe pelo menos que venha por aí uma reprise no Canal Viva.

Obrigadíssimo, Dani!
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“Fábrica de ilusões”: o marco inicial de uma promissora carreira.



sexta-feira, 4 de junho de 2010

“A vida alheia”: humor inteligente e ousado na TV.


O autor Miguel Falabella (abaixo à esquerda), com o elenco principal da série.


"É mais fácil elogiar a mediocridade. Essa não ameaça.", dispara Alberta Peçanha (Claudia Jimenez) se justificando por não elogiar com freqüência os feitos de Manoela (Danielle Winits) em “A vida alheia”. Frases inquietantes como essa são ditas por personagens nada óbvios o tempo todo na série de Miguel Falabella.

O slogan da fictícia revista “A vida alheia – mais interessante que a sua” já é uma provocação ao público e já mostra que seu criador não está disposto a fazer concessões para agradar. Ao contrário: em tempos em que o nível do humor na TV busca cada vez mais atingir o fundo do poço qualitativo com piadas físicas, fáceis, gratuitas e apelativas, a série vai na contramão disso tudo e brinda o público com o que há de melhor no gênero: comédia dramática inteligente, de humor ácido, reflexivo, aparentemente fútil, mas muito denso e irônico.

O mote de uma revista especializada em celebridades disposta a tudo para conseguir o furo jornalístico e, por conseguinte, o sucesso de vendas, acaba funcionando como ponto de partida para discutir uma série de outras questões como ética, hipocrisia e o valor do afeto e do respeito nas cada vez mais confusas relações amorosas, profissionais e familiares dos dias atuais, cada vez mais marcadas pelo vazio e pelo efêmero. Já no primeiro episódio, mostrou que veio mesmo pra incomodar, já que uma famosa colunista de fofocas se sentiu ofendida com a abordagem da série. Mas talvez a trama contínua que faz o arco da temporada seja ainda mais interessante que as tramas que são apresentadas a cada episódio. E a tensão construída em torno dos personagens fixos é cada vez mais crescente e interessante.

Mas o texto (genial e cheio de subtextos o tempo todo) tão instigante de Falabella e equipe não seria nada se não fosse acompanhada por uma direção competente e ágil e, principalmente, por ótimas atuações, a começar pelo trio de atrizes que comanda a atração: Marília Pêra, emprestando cinismo e classe na dose certa à Catarina, a dona da revista; Cláudia Jimenez, deliciosamente cruel e debochada como a editora-chefe Alberta Peçanha (aliás, o trocadilho com peçonha também é genial); e Danielle Winits, como Manoela, a ambiciosa repórter, que nos remete ao melhor estilo das alpinistas sociais gilbertianas. Porém, justiça seja feita: todo o elenco está afiadíssimo e ligadíssimo na proposta da série. E as implacáveis Alberta e Catarina são humanizadas a cada episódio, o que mostra que as personagens foram construídas com profundidade.

Enfim, “A vida alheia” é um sopro de criatividade, ousadia e competência nas noites de quinta-feira da Rede Globo, que merece ser assistida e comentada. Humor que não leva às gargalhadas, mas que oferece algo mais duradouro e rico: a reflexão sobre o chamado “mundo cão”.

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