Mais um querido amigo dá a sua contribuição ao melão. E esse não é um amigo qualquer: um verdadeiro queridão, que transcendeu a amizade virtual de listas e comunidades de discussões sobre teledramaturgia e se tornou um grande amigo, uma pessoa doce, amiga e generosa. Talentoso, engraçado, divertido, com um senso de humor inteligente e apuradíssimo (basta comprovar seguindo-o pelo twitter @WalterdeAzevedo ou visitando seu blog “Histórias de Tatu”), esse santista ainda vai longe, já que é um roteirista em potencial, cheio de talento. Para o melão, Walter escreveu sobre uma das novelas que povoam sua memória afetiva e suscita muita curiosidade entre os mais jovens: o remake de “Selva de Pedra”, de 1986. Walter contextualizou perfeitamente a novela à época em que foi exibida. Obrigado, queridão, pela contribuição de luxo. Confiram:
Na selva do remake...ou no remake da Selva.
Por Walter de Azevedo
Todos nós costumamos reclamar de dor de cabeça, mas não dá pra negar que algumas delas são ótimas. No final de 1985, a Rede Globo tinha uma dessas dores. O sucesso de Roque Santeiro deixava a emissora líder com um tremendo abacaxi nas mãos: Que novela poderia substituir a trama de Dias Gomes e Aguinaldo Silva e manter, ou pelo menos não perder tanto, os impressionantes números de audiência? Barriga de Aluguel de Glória Perez e até mesmo Cambalacho de Sílvio de Abreu, que acabou sendo exibida às 19h, foram cogitadas, mas a diretoria da Globo estava reticente. Finalmente chegaram à conclusão de que, pra substituir um sucesso arrebatador, apenas outro sucesso arrebatador. Foi assim que surgiu a idéia do remake de Selva de Pedra, sucesso de Janete Clair exibido originalmente entre 1972 e 1973.
Refazer um clássico é um trabalho hercúleo e muitas vezes, ingrato. As comparações com o original sempre são feitas e, na maioria das vezes, a nova versão acaba perdendo. Isso pode acontecer porque realmente era melhor, porque as pessoas têm uma memória emotiva ligada ao original ou até mesmo porque o público já conhece aquela história e é ávido por coisas novas.
Com um elenco recheado de estrelas como Tony Ramos, Christiane Torloni, Walmor Chagas, Maria Zilda, Stênio Garcia, Sebastião Vasconcelos e Nicete Bruno, além de rostos pouco conhecidos do público como Miguel Falabella e Fernanda Torres, esta já vencedora do prêmio de melhor atriz em Cannes pelo filme Eu Sei Que Vou Te Amar, o remake de Selva de Pedra estreou às 20h do dia 24 de fevereiro de 1986, e foi massacrado pela crítica e pelo público.
Walter Avancini, um dos mais talentosos diretores que a televisão brasileira já teve, dessa vez pesou um pouco a mão na tentativa de atualizar a história. Um possível romance entre as personagens Fernanda (Christiane Torloni) e Cíntia (Beth Goulart), chocou o grande público, contribuindo ainda mais para a rejeição. Outro fator importante era a falta que o público sentia de Roque Santeiro, criando uma má vontade para com Selva de Pedra. A Globo tinha um barco afundando no horário nobre.
Mas talento é algo imbatível e Janete Clair tinha de sobra. Após alguns ajustes na direção, que passou por várias mãos, a carpintaria da “maga das oito” começou a fazer diferença. Como resistir aos ganchos e entrechos melodramáticos que Janete Clair sabia criar com maestria? Como não torcer pela mocinha que, achando que o marido queria matá-la, escapa de um acidente e, tida como morta, assume outra identidade? Como não se deixar envolver pela moça rica que, abandonada no altar pelo homem que ama, enlouquece e passa a persegui-lo buscando vingança? Janete tinha o dom de criar as situações mais rocambolescas e inverossímeis e, mesmo assim, nos fazer acreditar que aquilo tudo era possível. Essa era a marca de Janete Clair.
Aos poucos, Selva de Pedra conseguiu se firmar, conquistando uma boa audiência para o horário. Nada comparado ao fenômeno de Roque Santeiro ou aos ditos 100% conseguidos no capítulo 152 da primeira versão, mas o suficiente para que a Rede Globo pudesse respirar aliviada. Ao final da trama, a adaptadora Regina Braga, que havia trabalhado ao lado de Ellóy Araújo, disse saber desde o início, que enfrentariam uma batalha. Se ganhassem, os louros iriam para Janete, mas se perdessem, ela e Ellóy seriam os responsáveis. Talvez poucos saibam quem escreveu o remake de Selva, e isso já é uma reposta pra colocação de Regina.
Muita gente ainda torce o nariz pra versão 1986 de Selva de Pedra. Confesso que, até hoje, é minha novela preferida. Falo isso como telespectador e não como alguém que pesquisa sobre o gênero. Sei que existem muitos títulos melhores, mas essa é a que me toca de uma forma especial. Talvez pelo talento de Janete, pelo brilho de Christiane Torloni (de quem me tornei fã), pela visceral interpretação de Miguel Falabella, ou pela cena, deliciosamente novelesca, de Fernanda Torres levantando de sua cadeira de rodas para abraçar Tony Ramos. Não sei. O fato é que Selva de Pedra é o meu clássico de Janete e que vai estar sempre na minha memória e na minha emoção.
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