Mais um blogueiro convidado no melão. E este entende de blog. Trata-se do mineirinho Leonardo Távora, dono do ótimo Literatura Exposta, caprichado blog recheado de contos, crônicas e poemas do próprio autor. Pra quem não visitou, recomendo. Minha seção favorita é a “Livro em cena”, na qual trechos de grandes clássicos são roteirizados por Leonardo.
Aqui, o rapaz contribui com sua memória afetiva e sua apurada análise de uma de suas novelas favoritas, “Eterna Magia”, de Elizabeth Jhin que, segundo Léo, foi injustiçada por não ter tido o reconhecimento e a repercussão que merece. O melão adere totalmente a essa defesa. Obrigado, querido, e volte sempre! Seus textos sempre serão muito bem-vindos no melão.
Eterna Magia: Uma defesa
Por Leonardo Távora Dias
Escrever uma novela não é algo tão simples quanto possa parecer aos olhos leigos do espectador. Existe todo um trabalho muito árduo de produção, que lembra, é verdade, uma linha de montagem em série, tal qual numa fábrica. Por isso as pessoas se arvoram a dizer que a televisão é uma “fábrica de sonhos”. Esse é o produto dela. Levar até você, espectador, imagens bonitas, fortes, tocantes, que mexam de algum modo com seus sentimentos. Isso te tira do seu mundo e o leva, naquele momento da atração, a sonhar. Com função social ou apenas encantadores universos, as produções dramatúrgicas são capazes de dar descanso à mente das pessoas, depois de um dia inteiro de trabalho. Distrai, é verdade, mas mantém também o cérebro funcionando, seja para torcer pelos mocinhos, seja para descobrir quem é o assassino misterioso da trama.
Uma novela tem essa função. Toda criatividade dos autores estão a serviço dos teus sonhos, leitor. Não é a toa que o gênero “novela” faz parte do cotidiano do brasileiro, e já de grande parte do mundo. Seja criando universos fantásticos, seja te aproximando de uma realidade que muitas vezes seria melhor esconder, a novela tem a função de dar contornos à sua imaginação. Guiados por uma câmera e pelas mãos dos diretores de cena, os espectadores da dramaturgia vão passeando por lugares, inserindo-se no mundo daquela história que está sendo contada. E, tal qual em uma linha de montagem, problemas que aparecem no decorrer do produto precisam ser resolvidos rapidamente, muitas vezes com a própria inteligência e sagacidade do autor, outras, com base em pesquisas de opinião, outras ainda, com auxílios de supervisores. Seja como for, é preciso sanar as querelas, e levar ao público tudo o que ele espera da história.
Eterna Magia foi uma novela muito criticada. Considerada a primeira novela “solo” de Elizabeth Jhin, teve 148 capítulos que buscaram criar um universo fantástico para o deleite de quem assistia. A ideia era trabalhar o tema da religião Wicca de um modo lúdico mesmo, ambientando a história em uma época que permitisse explorar esse lado fantástico da trama. A década de 40, com todo seu charme permitia isso, além de criar um link com o mundo real, falando do desenvolvimento da aviação (Lembro a cena em que todos chamavam a personagem de Malu Mader de louca por atravessar o atlântico em um avião, vindo de Dublin). Uma trama extremamente sóbria, com locações que enchiam os olhos. A primeira crítica é justamente pela época da história, já que a religião Wicca começou a ser divulgada na década de 50. Em minha opinião, um excesso de preciosismo, já que a obra não procurava trazer para o público uma visão da realidade, mas estava propondo levá-lo para uma viagem lúdica.
Elizabeth Jhin fez o trivial bem contra mal, onde as Valentinas eram as bruxas boas, e as Rasputinas eram as más, trazendo elementos celtas e da história russa, lembrando o lendário mago Rasputin, influente na corte russa de fins do século XIX. Mas talvez pela abordagem da trama, com poucos elementos da realidade à qual estamos acostumados (outra critica bastante repetida), e muito também pela faixa de horário da novela, que estreou em horário de verão, a história das bruxas foi rejeitada pelo publico, forçando a autora e a direção a promover sensíveis mudanças na trama, na mudança de fase da novela, que já estava desenhada na sinopse. E como a primeira impressão é a que fica, os espectadores acabaram rejeitando toda a história muito pelas notas desfavoráveis que saiam na imprensa. Afinal, reverter um quadro de descrédito não é fácil, ainda mais quando se tem pouco tempo para fazer as coisas acontecerem.
É preciso que louvemos três pontos dessa novela:
Primeiro: A história em si. Muito bem construída pela autora Elizabeth Jhin - com supervisão do já experiente Silvio de Abreu, autor de grandes sucessos de público e crítica - que fez o que propôs. Levou o público a um mundo diferente do habitual. Com alguns elementos de realidade, como a ambientação e os conflitos da cidade, como a instalação de uma brigada contra incêndios, por exemplo, ou a paixão do personagem de Thiago Lacerda pela aviação. Talvez o maior erro tenha sido mesmo a condução da história, com uma maior integração dos núcleos que compunham a novela, e talvez uma melhor exploração da personalidade de cada um no triângulo Nina-Conrado-Eva. Embora fossem centrais e importantes, estes personagens tiveram uma abordagem um tanto quanto superficial em seus perfis psicológicos.
Segundo: A equipe de produção. Toda a equipe de “Eterna Magia” merece palmas. Uma fotografia impecável, figurinos bem compostos, e a mão segura de Ulisses Cruz, do núcleo de Carlos Manga, que é essencial para dar vida à história. Uma boa direção não garante o sucesso de um produto como uma novela, mas é um dos fatores importantes na construção. E como não se consegue fazer um produto desse tamanho sozinho, deve-se levar em consideração o trabalho da equipe inteira, que se dedicou, mesmo nos períodos mais críticos da produção. Trabalhar em equipe é fator primordial para se conduzir um trabalho da magnitude de uma novela, que tem abrangência nacional, e em maior ou menor escala, acaba intervindo nos hábitos e costumes da população, que várias vezes repete os bordões criados e difundidos nas novelas.
Terceiro: O elenco. É preciso louvar os trabalhos impecáveis de Irene Ravache, Osmar Prado, Malu Mader, Aracy Balabanian, Cássia Kiss, dentre outros medalhões, que souberam defender bem personagens bastante densos. Maria Flor, que já tinha feito uma bela participação em “Cabocla”, saiu-se bem na pele da Valentina Nina Sullivan, irmã da Eva Sullivan de Malu Mader, que também não decepcionou, apesar do que eu já disse acima, que, assim como Thiago Lacerda, podia ter aprofundado mais a personagem. Mas, metade da culpa dos atores, outra metade do perfil que eles receberam. Afinal, o trabalho de um ator na hora de compor personagem vem muito do que ele apreende do perfil que lhe é passado quando oferecem o papel.
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Cassia Kiss na pele da perversa Zilda |
Ainda falando de elenco, duas participações devem ser louvadas. A estreante Marcela Valente trabalhou muito bem, dividindo cenas magníficas com a incrível Irene Ravache, que consegue transformar suas personagens em pilares de uma novela, mesmo sendo de núcleos acessórios da história. E o já “veterano” (começou criança em “Esplendor”) Thiago de los Reyes, que é um ator bastante sóbrio, próprio para tipos mais centrados, os tais “amigos-psicólogos”, ou os “heróis sensatos”, e deu o tom mais adequado possível ao seu Bruno, que era um aspirante a escritor, cheio de sonhos e conflitos internos. Personagem difícil, introspectivo, com uma carga dramática demasiada densa, que é um desafio para qualquer ator já experimentado, quanto mais para um jovem, ainda que este jovem já esteja no meio há algum tempo.
É preciso julgar as obras de dramaturgia observando sempre o que elas propõem. “Eterna Magia” procurou levar fantasia para o público. Mesmo com um foco diferente, se assemelha às comédias do Walcyr Carrasco, que tem esse flerte com o lúdico, e cria personagens às vezes muito caricatos, que algumas vezes podem destoar um pouco da realidade à qual estamos acostumados. É bem diferente do que busca Glória Perez, que tem suas tramas já bem mais sedimentadas na realidade, ainda que buscando levar o espectador a uma viagem fantástica por culturas diferentes da nossa, cria os chamados tipos psicológicos, personagens que exploram a mente humana ao máximo que se puder. Ao olhar por esse lado do fantástico e do lúdico, mesmo com todos os problemas que infelizmente atrapalharam a aproximação do público com a novela, “Eterna Magia” foi uma das melhores histórias que pude assistir, capaz de me colocar dentro do universo dela, e de me encantar, seja na aventura das valentinas, seja em outros núcleos da trama, que dosaram perfeitamente a densidade dramática da história de Eva e Nina Sullivan contra a malvada Zilda.