Mostrando postagens com marcador O bem amado. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador O bem amado. Mostrar todas as postagens

domingo, 27 de maio de 2012

Top 10 - LIMA DUARTE




São tantos e tão maravilhosos os personagens de Ariclenes Venâncio Martins, nosso querido Lima Duarte, que mais merecia um TOP 100, afinal sua história se confunde com a própria história da televisão e seu talento gigante e seus múltiplos recursos foram capazes de dezenas de criações geniais e inesquecíveis.. Por isso o desafio de escolher apenas 10 se tornou tão difícil. Lembrando que os critérios são sempre baseados em minha MEMÓRIA AFETIVA, portanto SUBJETIVOS. Claro que muitos grandes personagens ficarão de fora, mas a brincadeira é essa mesmo. Uma lista pessoal e intransferível. Com vocês, os meus Limas Duartes favoritos:


10) Nikos Karabastos, de “Uga Uga” (2000)


Um personagem tanto engraçado quanto surpreendente e diferente dos personagens habituais do ator. Aqui, ele se mostrou super à vontade com o texto anárquico e irônico de Carlos Lombardi, na pele do milionário grego cercado de parentes serpentes por todos os lados e que vivia infeliz à procura do neto desaparecido até encontra-lo em uma tribo indígena. A improvável dupla com Claudio Henrich, no papel do neto, rendeu momentos hilariantes, bem como as cenas com a cunhada ambiciosa vivida por Vera Holtz.

9) Major Bentes, de “Fera Ferida” (1993)

Mais um de seus impagáveis “coronéis”. Este com uma particularidade: “suava na calva” toda vez que ficava nervoso. Criação genial de Aguinaldo Silva, esse major mandava e desmandava em Tubiacanga e tinha um fiel capataz a quem chamava “carinhosamente” de Animal (Augusto Júnior), que não conseguia dizer uma palavra. Abaixo segue uma cena em que ele contracena com José Wilker, que vivia o prefeito Demóstenes, e surpreende o austero major em uma situação, digamos, vulnerável. Fica a dica para o Canal Viva: uma reprise de “Fera Ferida” seria bem vinda, não acham?



8) Afonso Lambertini, de “Da Cor do Pecado” (2003)


Quem diria que o sisudo, austero e preconceituoso Afonso, que se opôs fortemente ao romance do filho Paco (Reynaldo Gianecchini) com Preta (Taís Araújo) fosse conquistar o Brasil? Só mesmo um ator do quilate de Lima Duarte para dar dimensão humana ao velho amargo e solitário que, após perder o filho, cai de amores pelo neto vivido por Sergio Malheiros. Um personagem cheio de nuances e contradições criado por João Emanuel Carneiro, que teve de enfrentar protestos do público quando foi decretada a morte de Afonso. Além de brilhar intensamente nas cenas com o neto e com a nora, o romance tardio de Afonso com a fiel governanta Germana, vivida por Aracy Balabanian, encantou e emocionou o público, que torceu para que Afonso não morresse e tivesse um final feliz. O autor foi irredutível e Afonso acabou morrendo na trama, mas entrou para o rol de personagens inesquecíveis de Lima Duarte.


7) Shankar, de “Caminho das Índias” (2009)


Diferente dos personagens de temperamento forte que costuma interpretar, aqui Lima era um sábio, um grande mentor espiritual. Mestre em emocionar, Lima protagonizou uma das cenas mais emocionantes das novelas nos últimos tempos quando seu antigo amor Laksmi (Laura Cardoso) revelou que seu arqui-inimigo Opash (Tony Ramos) eram na verdade, seu verdadeiro filho. O melodrama criado por Gloria Perez atingiu o seu ápice no último capítulo de “Caminho das Índias” quando pai e filho, finalmente, se abraçavam e se perdoavam sob o olhar emocionado da mãe. Os três atores deram um verdadeiro show e especialmente Lima Duarte mostrou, mais uma vez, que é capaz de interpretar qualquer personagem.


6) Murilo Pontes, de “Pedra sobre Pedra” (1992)


Murilo Pontes era um típico machão: tratava a mulher Hilda (Eva Wilma) como uma santa e despejava toda sua virilidade na amante, a prostituta Lola (Tania Alves). E tinha essas duas mulheres em suas mãos. O poderoso político de Resplendor só se rendia mesmo à sua grande inimiga política Pillar Batista (Renata Sorrah), que fora seu grande amor do passado. Eis mais um personagem de sentimentos e atitudes contraditórias que só um grande ator poderia interpretar. E Lima brilhou mais uma vez com um grande personagem de Aguinaldo Silva.


5) Salviano Lisboa, de “Pecado Capital” (1975)


Poderoso industrial temido pelos funcionários. Viúvo triste e solitário que sofre com a ausência dos filhos. Homem de meia idade que se encanta por uma jovem, tornando-a uma grande modelo. Não se trata de três personagens diferentes, mas do riquíssimo Salviano Lisboa, criado pela poderosa imaginagrande mestra Janete Clair. Lima, mais uma vez, ganhou a simpatia do público e foi recompensado pelo amor de Lucinha (Betty Faria) com quem se casou no final da novela. E nós vivemos felizes para sempre.


4) Zeca Diabo, de “O bem amado” (1973)


Outro personagem célebre da riquíssima galeria de personagens de Lima Duarte. Aqui em um embate inesquecível com o grande Paulo Gracindo e seu antológico Odorico Paraguaçu. Um verdadeiro duelo de gigantes. Coube ao matador Zeca Diabo selar o destino do verborrágico prefeito de Sucupira. Fiel devoto de Padre Cícero, Zeca Diabo representa esse quase paradoxo do matador profissional cheio de ética e religiosidade. Mais um personagem complexo e humano da riquíssima galeria do grande Dias Gomes que só um ator do porte de Lima seria capaz de interpretar e deixar sua marca sempre indelével.

3) Sassá Mutema, de “O salvador da pátria” (1989)


Não só um dos personagens mais populares de Lima Duarte, mas um dos mais populares da história da teledramaturgia brasileira. Não há quem não se comova com a história do simplório boia-fria, que é usado como massa de manobra pelos políticos de Tangará, trilhando uma trajetória de suposto assassino a prefeito da cidade. E não faltou sensibilidade, tanto por parte do texto de Lauro Cesar Muniz, quanto pela brilhante interpretação de Lima na abordagem do amor quase platônico de Sassá por sua bela professora Clotilde, vivida por Maitê Proença. De matuto analfabeto a astuto prefeito, o ator foi genial em todas as fases do personagem. Impossível ouvir “Lua e Flor” de Oswaldo Montenegro e não se lembrar imediatamente do amor puro de Sassá por sua querida professorinha.


2) Dom Lázaro Venturini, de “Meu bem meu mal” (1990)


Se tem alguém que tem o direito de amar esse personagem e considerá-lo uma das criações mais geniais de Lima Duarte, esse alguém sou eu, por motivos óbvios (risos). Dom Lázaro é um trabalho digno de um verdadeiro gênio. De poderoso patriarca que comandava a família com pulso firme a um frágil e vulnerável senhor que não podia mais falar, tampouco se locomover. Lima fez um trabalho primoroso, sobretudo após Dom Lázaro sofrer o derrame, pois até ele proferir seu célebre “eu prefiro melão”, precisou passar todos os sentimentos possíveis apenas com o olhar, sobretudo o olhar de ódio pela nora Isadora (Silvia Pfeiffer), que garantiram momentos de puro deleite para o espectador.


1) Sinhozinho Malta, de “Roque Santeiro” (1985)


Sinhozinho Malta era um autoritário coronel (aliás, quem o chamasse de coronel assinava sua sentença de morte) que mandava e desmandava em Asa Branca, mandou assassinar três pessoas e tentou matar outras tantas, inclusive supeitíssimo da morte da própria esposa. Além disso, era racista, machista, corrupto, ou seja, características dignas dos vilões mais odiados. Mas definitivamente, não foi isso o que aconteceu, pois Sinhozinho era um adorável cafajeste, com tiradas ótimas, bordões inesquecíveis, uma gargalhada indefectível e capaz de atitudes, muitas vezes, magnânimas. Dias Gomes construiu um dos personagens mais ricos e fascinantes de nossa teledramaturgia que só poderia ser feito por um ator de talento tão fascinante quanto. Mesmo quem não acompanhou à primeira exibição de "Roque Santeiro” conhece Sinhozinho Malta que, ao lado de Regina Duarte, também em estado de graça na pele da viúva Porcina, protagonizou algumas das cenas mais marcantes de nossa teledramaturgia. Como não amar Sinhozinho escolhendo uma peruca de sua vasta coleção? Como não amar sua risada deliciosa? Como não amar sua devoção à Porcina, lambendo sua mão e imitando cachorrinho? Sem dúvida, de toda a galeria de tipos inesquecíveis de Lima Duarte, Sinhozinho Malta é o mais marcante. Tô certo ou tô errado?


Agora o melão quer saber: quais são seus personagens favoritos de Lima Duarte? A palavra é de vocês!
____________

LEIA TAMBÉM:

TOP 10 – BETTY FARIA





quarta-feira, 27 de julho de 2011

Blogueiro convidado: Vinícius Sylvestre relembra "O bem amado"


Um teatrólogo e o seu “Bem Amando”
Por Vinícius Roberto Sylvestre

Como fã incondicional das telenovelas de décadas como as de 70 e 80, sempre tive uma grande inquietação e euforia ao assistir trechos exibidas nos “Videos Shows” e “Youtubes” da vida. Graças à generosidade de alguns amigos noveleiros como eu, consegui a coleção de algumas tramas global, dentre essas a surrealista, “O Bem Amado”, de autoria do inesquecível Alfredo de Freitas Dias Gomes, ou popularmente conhecido como: Dias Gomes. Gostaria de compartilhar minhas memórias sobre essa trama com os leitores do Melão.

O ano era o de 1973, quando muitos acontecimentos de relevante importância marcavam aquela época: no Brasil estreava a primeira novela a cores, diga-se de passagem, transmitida no horário das 22:00 h. A supervisão e direção ficaram nas mãos dos já consagrados Daniel Filho e do saudoso Régis Cardoso.

Carlos Dolabella, Milton Moraes e Régis Cardoso em cena de "O espigão"
Naquela época, Dias Gomes já era um autor de teatro e de televisão importantíssimo a favor da cultura brasileira, tendo emplacado sucessos na TV como: A Ponte dos Suspiros (1969); Verão Vermelho (1970); Assim na Terra como no Céu (1970/1971); Bandeira 2 (1971/1972). Todas produzidas e transmitidas pela Rede Globo de televisão.
A base da novela “O Bem Amado” era, sob o pretexto de narrar o cotidiano da população de uma cidade fictícia no litoral baiano, o autor satirizava, com humor e senso crítico, o Brasil da ditadura militar. Polêmico por suas obras, naquele ano, Dias Gomes trazia os atores Paulo Gracindo e Lima Duarte em antológicas interpretações: o primeiro como coronel que vira prefeito, de nome Odorico Paraguaçu; e o segundo como seu algoz eterno, o pistoleiro jeca Zeca Diabo.

Paulo Gracindo como Odorico Paraguaçu e Lima Duarte como Zeca Diabo

Sucupira não tem onde enterrar os seus mortos, tendo que recorrer às cidades vizinhas, a três léguas de distância. Com o slogan “Vote em um homem sério e ganhe um cemitério”, Odorico Paraguaçu se elege prefeito, prometendo realizar a obra que devolverá a dignidade ao povo. O grande “entretanto” – como diria o prefeito –  é que, uma vez concluídas as obras, ninguém mais morre na cidadezinha. A situação deixa Odorico furioso. Sem defunto, não é possível inaugurar o cemitério, coroando de êxito sua administração. Mas, se ninguém morre, não há defunto, já que “o falecimento é condição sine qua non do estado “defuntício”, nas palavras de Odorico. A partir deste fato dá-se o desenrolar dessa fantástica história.

Um quarteto amoroso de destaque na trama é formado por Odorico Paraguaçu, Dorotéia (Ida Gomes), Dulcinéia (Dorinha Durval) e Judicéia (Dirce Migliaccio), mais conhecidas como as irmãs Cajazeiras, suas maiores aliadas. Dorotéia é a mais velha, líder na Câmara de Vereadores da cidade. Dulcinéia, a do meio, é seduzida pelo prefeito. E Judicéia é a mais nova – e mais espevitada. São três solteironas avessas a imoralidades – pelo menos em público, já que Odorico sempre aparecia de noite para tomar um “licor de jenipapo”...


Para relembrar: uma cena da novela O Bem Amado, de Dias Gomes, com Paulo Gracindo (inesquecível), na pele do prefeito Odorico, cercado das irmãs Cajazeiras.

De outro, tem que lutar com a forte oposição liderada pela delegada de polícia Donana Medrado (Zilka Salaberry), que conta com o dentista Lulu Gouvêia (Lutero Luiz), inimigo mortal do prefeito e líder da oposição na Câmara – atracando-se constantemente com Dorotéia no plenário. E ainda com o jornalista Neco Pedreira (Carlos Eduardo Dolabella), dono do jornal local, A Trombeta. O meio-termo se fazia com a presença de Nezinho do Jegue (Wilson Aguiar), defensor fervoroso de Odorico quando sóbrio, e principal acusador, quando bêbado.

Maquiavelicamente, o prefeito arma tramas para que morra alguém, sendo sempre mal sucedido. Nem as diversas tentativas de suicídio do farmacêutico Libório (Arnaldo Weiss), um tiroteio na praça e um crime lhe proporcionam a realização do sonho. Para obter êxito, Odorico traz de volta a Sucupira um filho da terra: Zeca Diabo, um pistoleiro redimido, que recebe a missão de matar alguém para a inauguração do cemitério.

Como se não bastasse, Odorico ainda tem que enfrentar os desaforos de Juarez Leão (Jardel Filho), médico personalístico da oposição, que se envolve com sua filha Telma (Sandra Bréa) e faz um bom trabalho em Sucupira, salvando vidas – para desespero de Odorico.

Ao final, uma irônica surpresa: Zeca Diabo, revoltado, mata Odorico, que, finalmente, inaugura o cemitério!


Outro personagem de destaque na trama é Dirceu Borboleta (Emiliano Queiroz), o secretário pessoal de Odorico, que é tão tímido que parece que jamais deixará sua coleção de borboletas para se casar com Dulcinéia Cazajeira. Mais tarde, a senhorita engravida de Odorico, e se casa com Dirceu, que acredita ser o pai da criança. Trata-se de um rapaz ingênuo, que alterna ataques de fúria com momentos de mansidão. Trabalha na prefeitura e dedica fidelidade canina a Odorico, a quem ama como a um pai, embora seja tratado como um capacho.

O secretário Dirceu Borboleta

A cena mais comentada e lembrada é a do pescador Zelão das Asas (Milton Gonçalves) sobe no alto da torre da igreja. A imagem congela e a voz de um narrador diz: “Aqui, a nossa história pára, pois tudo o que sabemos daí em diante é de ouvir contar. Não é que a gente não acredite, pois caso um dia você vá a Sucupira vai ver que lá ninguém duvida.” A cena volta a ganhar movimento. Zelão faz o sinal da cruz e, diante dos rostos pasmos dos moradores de Sucupira, se atira do alto da igreja. Todos murmuram entre si que ele está voando, e uma tomada do alto mostra o ponto de vista de Zelão planando sobre a praça. A voz narra, então, retorna: “E Zelão voou. Se você duvida, é um homem sem fé”.

Zelão e suas asas

Ao assistir essa novela tão brasileira e cheia de nuances interessantíssimas, do folclore e cultura brasileira, posso afirmar: Que mesmo não gostando de televisão, Dias Gomes se tornou um dos principais responsáveis pelo sucesso do veículo e é considerado um dos seus melhores autores. Há quem não goste, que prefira uma trama repleta de cenas de romance, ou com guinadas de ação, sem ter oportunidade de respirar um pouco diante da telinha, mas eu admiro muito o estilo do autor de nos fazer parar e refletir sobre as nossas origens, histórias pitorescas, tipos e criaturas peculiares e a política do nosso país, que de lá pra cá não mudou quase nada!!!

Não foi à toa que o documentário em homenagem ao grande Paulo Gracindo ganhou o título de O Bem Amado. Já nos anos 80, Paulo Gracindo voltou a encarnar o personagem Odorico Paraguaçu no seriado de grande sucesso. E como dizia o Coronel Odorico: “Vamos voltar pros entretantos e partir pros finalmentes !”

“A TELENOVELA DEVERIA SER UMA NOVA FORMA DE ARTE DRAMÁTICA... COMO UMA LINGUAGEM ACESSÍVEL A TODOS”.

(Dias Gomes)

 ______________________________________


VINÍCIUS ROBERTO SYLVESTRE é formado em Comunicação Social, Roteirista e, acima de tudo, noveleiro apaixonado, requisito fundamental para ser colunista do melão, que agradece pela oportuna lembrança de um de nossos maiores e mais importantes autores e sua genial, inesquecível  e bem amada obra-prima.


domingo, 31 de outubro de 2010

Blogueiro convidado: Fábio Leonardo Brito – memória cultural e telenovelas


 Mais um queridão entra para o rol dos colaboradores do melão, que já se espalham de norte a sul do país: este vem do Piauí.  Estudante de História e telemaníaco convicto, o jovem Fábio Leonardo Brito já deu provas de sua competência na escrita e de sua capacidade analítica em comunidades e listas de discussão das quais fazemos parte. Agora, esse futuro historiador nos dá a honra de publicar um belo texto aqui no melão em que ressalta a colaboração de nossas telenovelas para a memória cultural brasileira. Excelente e esclarecedor texto. Aproveitem!

TEIAS, TRAMAS E LEMBRANÇAS:
AS TELENOVELAS COMO LUGARES DE MEMÓRIA

Fábio Leonardo Brito

Odorico Paraguaçu cercado pelas inesquecíveis Irmãs Cajazeiras em "O bem amado"

“Eu lembro dessa novela!” Quantas vezes já não ouvimos ou falamos essa frase? Talvez uma das mais comuns em todo o Brasil. A grande verdade é que a televisão, e a telenovela em especial, é, desde seu surgimento, objeto das maiores paixões nacionais. Paixões, sim: e manifestas em suas duas formas, o amor e o ódio. Mesmo aqueles que não gostam de novelas admitem tê-las assistido, ou mesmo acompanhado assiduamente pelo menos uma vez. As novelas no Brasil, muito mais do que o cinema ou os livros, tornaram-se um veículo de comunicação eficiente. Ditaram moda, modos de falar, incitaram a participação política... As novelas construíram o Brasil, pois moldaram a maneira de pensar dos brasileiros.

Sou graduando em História e, como tal, sempre quis (e pretendo) trabalhar a teledramaturgia como um elemento de análise a partir dos novos conceitos da minha ciência. Nos meus estudos, dei de cara com Pierre Nora, um de nossos teóricos, que trabalha a memória como ponto de partida para o estudo da história. Segundo ele, os monumentos (sejam eles materiais ou imateriais) são “lugares de memória”, elementos que incitam a lembrança. São monturos para serem queimados pelo historiador, que problematiza o monumento.

E pensei: porque não fazer isso com a dramaturgia? Se a Ilíada pode ser usada para analisar os usos e costumes da Grécia Antiga, e Lancelot os a França medieval, por que não Pecado Capital e Vale Tudo os do Brasil contemporâneo? Como historiador, é minha obrigação problematizar sobre esse tema, ainda carente de pesquisas que lhe façam justiça.

Luiz Gustavo, no papel título de "Beto Rockfeller" (1968) e Bete Mendes.
As novelas, como espaço de memória, permeiam a vida dos brasileiros e são espaços de identificação com este desde a estreia de Beto Rockfeller, em 1968, na Tupi. Até então, as novelas eram histórias no bom e velho estilo capa-e-espada, passadas em países distantes. O estilo, marcado pela direção de dramaturgia de Glória Magadan na Globo, perdurou até o fenômeno causado pela trama. Depois dela, nunca mais a dramaturgia seria a mesma.

A novela serve como um espaço para que as pessoas se identifiquem. Para Carlo Ginzburg, historiador italiano, autor de O fio e os rastros, “um escritor que inventa uma história, uma narração imaginária que tem como protagonistas seres humanos, deve representar personagens baseados nos usos e costumes da época em que viveram: do contrário eles não serão críveis” (p. 82). Lembro de uma entrevista em que Janete Clair surpreendeu-se quando descobriu que o ex-presidente Juscelino Kubitschek assistia à sua novela no ar, Selva de Pedra, que dera, dias antes de tal revelação, 100% de Ibope na Grande São Paulo.

Do porteiro ao presidente da República, as novelas representam o dia-a-dia da população. Não, não falo apenas das cotidianas crônicas de classe média de Manoel Carlos. Qualquer história sobre humanos representa o que poderia ter acontecido: nisso são reais. Do Brasil que não perde a oportunidade de se dar bem, mesmo que, para isso, tenha que passar por cima dos outros, ao extremo símbolo da honestidade, do batalhador tupiniquim que mata um leão por dia ao político que dá uma banana pro Brasil, e foge do país após roubar milhões. Todos estivemos representados em Vale Tudo. Dos pudicos nordestinos, que escondem debaixo do tapete suas taras, àqueles que revelam seu fogo e seus desejos interiores: também todos estávamos nos tipos marcantes de Tieta. E quem não viu sua aldeia representada nos múltiplos Brasis contidos em Sucupira ou Asa Branca?

A memória nacional permanece viva nas novelas. A partir delas, lembramos de momentos marcantes de nosso país, do cotidiano de várias épocas, de seus hábitos, vestimentas e falares. E é pela televisão que o homem, através da fantasia, se olha no espelho: conclui que sua vida reflete-se e é refletida na arte que cria. Nas teias ilusórias propostas pelos autores, nas tramas que se interligam com escandalosas coincidências, ganchos e viradas, nos vemos, melhorados ou piorados, de forma clara ou estigmatizada. Mas somos nós, nossas qualidades e nossos defeitos. Traduzimos nossa sociedade e mostramos nossa cara.
_____________________________________________

Fábio Leonardo Brito é autor do interesantíssimo blog Super CultVale muito a pena a visita!
                                                                                                                                                         

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Teledramaturgia atual: crise de criatividade ou motivação comercial?



Vitor Santos de Oliveira - A.R

Já em pleno século XXI, as novelas continuam sendo nosso principal produto de exportação e maior entretenimento da população. Mesmo com o advento de novas mídias e a chegada de novas gerações, ela permanece reinando absoluta em nossos lares e ainda é o programa mais assistido de nossa TV, ainda que venha perdendo, gradativamente, boa parte de seu público. Por isso mesmo a pergunta: até quando? Será que a novela, ao lado do futebol e da música, sempre terá lugar cativo no coração dos brasileiros?



Acredito que sim, mas sinceramente, o alerta vermelho já foi acionado. Sem dúvida, há algo de podre no reino da Dinamarca. Tá certo que reclamar de novela também é um dos esportes favoritos do brasileiro, mas é impossível quando nos lembramos de novelas do passado como “Vale Tudo” ou “O casarão”, com textos tão primorosos, situações que fugiam do clichê e, principalmente, com uma trama totalmente imprevisível, para vermos que há um abismo qualitativo separando as produções de outrora das produções de hoje.

Antes que me chamem de saudosista, não pretendo levantar essa bandeira. Não acho que um “Vale Tudo” funcionaria nos dias de hoje. Esta e outras novelas antológicas como “Roque Santeiro”, Pecado Capital”, “Guerra dos Sexos”, “Saramandaia”, “Pantanal”, “Tieta”, “Beto Rockfeller”, “O bem amado”, entre outras, deram certo, exatamente por terem sido revolucionárias em seu tempo, por romperem com a “cartilha” estabelecida e, assim, conquistarem um avanço na linguagem televisiva. Mocinhas sem caráter, heróis sem ética ou protagonistas cinqüentões jogando torta na cara um do outro foram na completa contramão da fórmula manjada do folhetim e conquistaram público e crítica, claro que, por um bom texto e boas atuações, mas também pela ousadia e inovação. O público não é bobo e não agüenta mais assistir à mesma novela. Os ganchos que funcionavam ontem já não funcionam hoje. É preciso se reinventar sempre. Se não houvesse transgressão, até hoje estaríamos assistindo a Glória Magadan. E é esse o problema das novelas atuais: as emissoras, com medo do fracasso e da falta de retorno financeiro, não apostam em renovação, tampouco permitem que os autores, já calejados, ousem em alguma coisa. Por isso, nossas novelas estacionaram e há muito não temos uma trama realmente memorável que marcasse época na TV. Qual foi mesmo o último grande sucesso? As últimas novelas memoráveis talvez datem dos anos 80. E não estou falando do antigo horário das dez, que a Globo utilizava para novas experimentações. As novelas realmente revolucionárias e memoráveis habitavam os horários ditos “comerciais”, como foram os casos de Beto Rockfeller", que trouxe a modernidade e a coloquialidade, "Pantanal", que pegou emprestada a linguagem cinematográfica e imprimiu um ritmo único em sua narrativa. No horário das sete, tivemos "Que rei sou eu?" e "Guerra dos Sexos", que inovaram ao seu modo: a primeira por ser uma crítica mordaz e bem humorada, além de trazer a época para o horário das sete; e a segunda pela anarquia total, que ia desde a atores se dirigindo diretamente para a câmera, até citações e alusões a clássicos do cinema. Enfim, uma novela que transitava na corda bamba e soube ser genial. “Bebê a Bordo”, de Carlos Lombardi, também surpreendeu pelo ritmo ágil, texto anárquico e debochado e não deixa de ser um marco.

Mais exemplos: "Roque Santeiro", que universalizou o regionalismo, fazendo de sua Asa Branca, metáfora e metonímia de um Brasil debochado e corrupto. Fugiu totalmente à fórmula do folhetim ao apresentar um trio de protagonistas de caráter mais que duvidoso. Inovou e foi sucesso. Isso sem contar "Saramandaia", que inaugurou o realismo fantástico; "Irmãos Coragem", que trouxe o gênero aventura para o folhetim; "Tieta", que mostrava a relação incestuosa entre tia e sobrinho na maior leveza.

Não sei se entendem onde quero chegar, mas nenhuma dessas tramas que citei tinha uma proposta experimental. Elas inovaram e venceram por elas mesmas, mas acho que não teriam lugar nos dias de hoje, já que tudo o que foge à cartilha do folhetim e dos arquétipos já consagrados, não vem tendo lugar nas emissoras.
Ou seja, a televisão vem produzindo as mesmas novelas há anos. Têm audiência, rendem lucro, etc. e tal, mas não inovam uma linha e com isso, saturam o gênero. Os autores de hoje são quase os mesmos de outrora, mas o público é outro e está ávido por novidade. A TV não está perdendo audiência para a Internet, mas para sua própria falta de ousadia.

Portanto, ainda que a novela seja um produto que representa grande parte da fatia comercial de uma emissora, é preciso abrir os olhos e ver que precisamos inovar. “Os mutantes” da Record, ainda que gere alguma controvérsia, ganha o público pelo inusitado. Ao invés de mocinhas sofredoras e tramas folhetinescas, o público se diverte com as lutas diárias entre mutantes do bem e do mal. De uma forma ou de outra, amada ou odiada, não passa incólume. Na mesma Record, “Vidas Opostas” também apostou na criatividade e na ousadia ao trazer para seu horário nobre a favela mais realista de nossa TV. A Globo, em contrapartida, apostou em “A Favorita” que, se não inovou na estrutura, inovou na narrativa, ao embaralhar a cabeça do público ao não revelar de cara quem era a heroína. Quem sabe se esses três últimos casos não representem uma (tímida) reação do inusitado? Acertando ou errando, precisamos muito dele. Se o inusitado tivesse mais espaço e as emissoras deixassem o medo de lado e permitissem que os autores apostassem na ousadia, o gênero se reinventaria e a novela estaria a salvo. Pelo menos pelos próximos anos...

(Texto escrito em 28/08/2008 e publicado no site da AR - Associação dos Roteiristas : http://www.artv.art.br/informateca/escritos/televisao/teledrama.htm )

domingo, 13 de junho de 2010

Série Memória Afetiva: minhas cidades fictícias favoritas



Cidade cenográfica de "Ribeirão do Tempo"

Sempre gostei de novelas com cidades fictícias. Elas são sempre motivo pra se mostrar algo diferente, especial. Ultimamente, elas não têm aparecido nas novelas com muita freqüência, mas uma atual novela, “Ribeirão do tempo”, de Marcílio Moraes, está reeditando esse costume. A novela ainda está muito no comecinho, mas sua cidade já nos desperta uma certa nostalgia. Ribeirão do tempo é cheia de tipos pitorescos, situações inusitadas e um quê de ironia e deboche. Mesmo não sabendo ainda quais surpresas a novela nos reserva, mas já entrando no clima, vou falar um pouco de MINHAS cidades fictícias favoritas:


10) Já deixo esse espaço reservado para as lembranças de vocês das cidades que, porventura, esqueci de mencionar. Com quem fui terrivelmente injusto? Aqui vão algumas sugestões: Resplendor (PEDRA SOBRE PEDRA), Remanso (DESPEDIDA DE SOLTEIRO), Porto dos Milagres (PORTO DOS MILAGRES), Guará (CIDADÃO BRASILEIRO), TABACÓPOLIS (O fim do mundo), VENTURA (Chocolate com Pimenta), TANGARÁ (O salvador da pátria), ROSEIRAL (Alma gêmea), RIO NOVO (Fera Radical), DEUS ME LIVRE (Pé na Jaca), PONTAL D'AREIA (Mulheres de Areia), ESPLENDOR (Esplendor), SANTANA DE BOCAIÚVAS (Agora é que são elas), SÃO TOMÁS DE TRÁS (Meu bem querer).

9) Passaperto (DESEJO PROIBIDO - 2007)

Confesso que a trama central dessa novela de Walther Negrão não me interessava muito. Mas acompanhar as paripécias dos coadjuvantes moradores da deliciosa cidadezinha do interior de Minas era tão saboroso e singelo quanto um pãozinho de queijo saído do forno: a fofoqueira Guará (Jandira Martini), a sonhadora Florinha (Grazy Massafera), o verborrágco Viriato (Lima Duarte) e sua impaciente esposa Magnólia (Nívea Maria), que sempre “ataiava” seus discursos, o irreverente soldado Brasil (Nando Cunha) são apenas alguns dos tipos que faziam de Passaperto um lugar curioso e diferente.

8) Greenvile (A INDOMADA- 1997)


Uma cidade nordestina colonizada por ingleses em que todos os moradores misturavam os idiomas português e inglês só podia mesmo ter saído de uma mente inventiva como a de Aguinaldo Silva. Dessa mistura surgiram bordões impagáveis como “Oxente my god”. Não há como esquecer a diabólica Altiva (Eva Wilma), a sensual Scarlett (Luíza Thomé), os românticos Emanuel e Grampola (Selton Mello e Karla Muga), as “camélias” de Zenilda (Renata Sorrah ou os rigores da lei da Juíza Mirandinha (Betty Faria). O realismo fantástico também bateu ponto por lá quando o Delegado Motinha (José de Abreu) caiu no buraco feito na praça pelo prefeito Ipiranga Patiguari (Paulo Betti) e foi parar no Japão. Enfim, humor, ironia, deboche e crítica política, marcas registradas de Aguinaldo com sabor de um bom Five o’clock tea.

7) Saramandaia (SARAMANDAIA- 1976)

Essa não faz parte propriamente de minha memória afetiva, já que nem era nascido na época da novela, mas não há como não deixar de citar essa fantástica cidade criada por Dias Gomes em que uma mulher explode de tanto comer, um homem ganha asas e voa e outros acontecimentos inusitados. Só me resta dizer que gostaria muito de ter nascido alguns aninhos antes para ter acompanhado essa novela, que ainda povoa o imaginário de muita gente.

6) Sucupira (O BEM AMADO- 1973)


Confesso que minhas remotas lembranças são mais do seriado dos anos 80 do que da primeira novela em cores da TV brasileira. Mas seria quase impossível encontrar um brasileiro com mais de 25 anos que nunca tenha ouvido falar do prefeito Odorico Paraguaçu, vivido pelo inesquecível Paulo Gracindo; do matador Zeca Diabo, genial criação de Lima Duarte; do atrapalhado Dirceu Borboleta (Emiliano Queiroz) e das maravilhosas Irmãs Cajazeira (Ida Gomes, Dirce Migliaccio e Dorinha Duval). Personagens carismáticos e uma deliciosa sátira política: combinação de sucesso.

5) Albuquerque (Estúpido Cupido - 1976)


Ainda que exista de fato uma cidade com esse nome, a que ambientava a trama de Mário Prata deu o que falar. O irresistível clima do início dos anos 60 com todas aquelas canções inesquecíveis, aquele clima de namorinho no portão, amassos e picardias em geral com gostinho de coisa proibida, já que a sociedade daquela época era ainda mais conservadora. Mocinhas sapecas, velhinhas fofoqueiras e rebeldes sem causa fizeram Albuquerque cair nas graças do público.

4) Armação dos Anjos (VAMP - 1991)

Armação dos Anjos seria mais uma pacata e bucólica cidade litorânea se não fosse o fato de ter sido enfestada de vampiros que fizeram a alegria de muita gente e transformou a trama de Antonio Calmon em mania nacional. Tipos inesquecíveis como a sensual vampira Natasha (Claudia Ohana), o terrível e debochado Vlad (Ney Latorraca), a engraçadíssima família Matoso, liderada por Mary e Matoso (Patricia Travassos e Otávio Augusto), sem contar que tinha um falso padre garotão, um circo e dois adoráveis protagonistas, vividos por Reginaldo Faria e Joana Fomm, que juntaram suas já extensas famílias, aludindo a clássicos como “A noviça rebelde” e “Família Do-ré-mi”. O resultado desse “terrir” com comédia e romance foi uma das novelas mais bem sucedidas do horário das sete.


3) Tubiacanga (FERA FERIDA - 1993)

É uma de minhas cidades fictícias favoritas, pois desta vez Aguinaldo Silva acrescentou o lirismo e poesia da obra de Lima Barreto à sátira política e humor sempre presente nas cidades de suas novelas. Só em Tubiacanga, por exemplo, as lágrimas de uma sofrida mulher como Margarida Weber (Arlete Salles) inundavam a casa ou uma jovem como Camila (Claudia Ohana) dormia por meses a fio. E mais: transformação de ossos humanos em ouro em pó, casal (Demóstenes de José Wilker e Rubra Rosa de Susana Vieira), cuja transa era tão quente que pegava fogo no quarto, enfim... maravilhosas loucuras pra uma só novela.

2) Santana do Agreste (TIETA – 1989)


Além das belíssima paisagens de Mangue Seco, o público também se deleitava com os moradores pra lá de carismáticos de uma cidade nordestina parada no tempo, mas às portas do progresso trazido por uma de suas cabritas desgarradas. Impossível se esquecer das adoráveis beatas Cinira a Amorzinho (Rosane Goffman e Lília Cabral) fiéis escudeiras da terrível e engraçadíssima Perpétua (Joana Fomm), da sonhadora Carmosina (Arlete Salles) e sua esperta mãe Dona Milú (Miriam Pires), da hipocondríaca Dona Juraci (Ana Lúcia Torre), do lascivo Modesto Pires (Armando Bógus) e sua teúda e manteúda Carol (Luíza Thomé), só pra citar alguns. A galeria de tipos é extensa e marcante. Poucas cidades fictícias divertiram tanto quanto esta.


1) Asa Branca (ROQUE SANTEIRO – 1985)


Essa ganha de lavada. A trama de Dias Gomes escrita por Aguinaldo Silva, com colaboração de Marcílio Moraes e Joaquim Assis fez com que o Brasil voltasse suas atenções diariamente para a divertida e polêmica Asa Branca, que funcionava como uma espécie de metáfora e metonímia de nosso país. O Brasil parou por alguns meses para assistir a si mesmo através dessa antológica novela. Todas as nossas características estavam retratadas em Asa Branca: gaiatice, deboche, corrupção, sensualidade, hipocrisia, fanatismo, ambição.... mais humana e mais brasileira, impossível. Como esquecer da beata Pombinha (Eloísa Mafalda) às turras com as meninas da Boate Sexus? Da viúva que foi sem nunca ter sido, Porcina (Regina Duarte), a mais politicamente incorreta heroína de nossas novelas? Do poderoso Sinhozinho Malta (Lima Duarte), que mandava e desmandava, mas se transformava num dócil cãozinho diante de sua amada? Enfim, nunca uma cidade representou tão bem nosso povo como Asa Branca.
_______________________________________________________

E vocês? Concordam com minha lista? Quais as suas cidades fictícias inesquecíveis?

Prefira também: