Louros pra Lauro
Por Pedro Silva
Todo mundo tem seu novelista preferido,
aquele que admira mais e que numa discussão ferrenha com amigos noveleiros é
objeto de discussão apaixonada.
Sou assim com o Lauro. Chamo-o assim, só
pelo primeiro nome. É uma proximidade que sua obra foi me trazendo. A leitura
deliciosa de Lauro Cesar Muniz solta o
verbo, publicado pela Imprensa Oficial aumentou mais minha admiração e essa
sensação de proximidade.
Falar que Lauro Cesar Muniz está entre
nossos maiores autores é falar o óbvio. Mas como dizia aquele outro, “o óbvio
também é filho de Deus”. Lauro é dos nossos autores mais ousados. Se um dia
houvesse uma história da ousadia na nossa telenovela, suas obras estariam entre
as principais a serem analisadas.
Lauro sempre foi o contraponto de muitos
outros autores. Na década de 1970 revezou no horário das oito com a “nossa
senhora” Janete Clair. Tentou de todos os modos renovar elementos da
telenovela, por vezes subvertendo alguns dos pilares do gênero. Alguns dos
aspectos que me chamam mais a atenção: a reflexão sobre tecnologia (em Transas e Caretas e Zazá, por exemplo), a relação entre a política e a trajetória do
herói (como no clássico O Salvador da
Pátria), a ordenação do tempo, a noção de moral do protagonista...
Sobre esses últimos, na questão da
ordenação do tempo, surgem não só as sagas como Escalada, mas também modernidades como o tempo da ficção dentro da
ficção em Espelho Mágico e o tempo do
sentimento em O Casarão. Muito antes
da simultaneidade à la Woolf de As
Horas, por exemplo, Lauro experimentou em horário nobre contar uma história
em três épocas, simultaneamente. A história do amor que se realiza na
maturidade deu origem a uma das cenas mais bonitas da história da nossa
televisão:
Quanto à moralidade dos heróis, me
encanta a forma como nas obras de Lauro existe um questionamento da moral como
algo que não é dado, mas construído. Seus heróis não seguem uma moral
formatada. Antes, se deparam com as definições dadas, questionando-as. Nessa
trajetória, quem ganha é o público. Em Os
Gigantes, por exemplo, havia uma Paloma perdida entre conceitos como amor e
morte, necessitando se reinventar.
Eu ia escrever que jamais tivemos outro
protagonista tão enredado em coisas como o poder do destino, do curso da
história, quando me lembrei do Renato Villar de Roda de Fogo, trabalho de Marcílio Moraes que Lauro também escreveu.
Fico cultivando no imaginário flashes e
cenas clássicas dessas novelas. Muitas delas, só conheci pelo quadro “Túnel do
Tempo” do Vídeo Show.
Como noveleiro, sofro às vezes pensando
que é uma pena que não possamos ter acesso ainda a produções tão importantes
como Escalada, Espelho Mágico, Os Gigantes,
Transas e Caretas. Como noveleiro, e dramático
que sou, elaboro meu sofrimento, mas intercalo a esperança de que com o Viva e
os lançamentos da Globo Marcas, alguma coisa seja ressuscitada. Vou sonhando com
a possibilidade de um dia poder ver essas novelas que povoaram o imaginário de
uma época.
Desde que foi pra Record, Lauro tem
tentado ser fiel á linha que lançou, fugindo da obviedade e apostando nos bons
diálogos, nas tramas que mexem com o espectador, levando-o a repensar a
trajetória que se vai desenhando em sua frente. Na nova emissora, Lauro
contornou problemas e propôs caminhos. Sua crença é que forçou a Record a
investir mais e mais na dramaturgia.
Com Máscaras,
atualmente em exibição, Lauro toca de novo em polêmica. Numa estrutura
diferente, vai mostrando pedaços de seus personagens, fragmentos de emoções que
só farão sentido mais adiante. Nela, os universos de outras novelas suas vão
surgindo aos poucos – aqui e ali é possível lembrar da angústia de Os Gigantes, dos cenários de O Casarão, das trajetórias que se cruzam
de Roda de Fogo. O telespectador
acostumado com o didatismo que impera atualmente na TV se sente incomodado. E
como incomoda um intertexto e referências políticas numa novela, especialmente
numa época marcada pela falta de opinião nos produtos culturais.
Há críticas e mais críticas a respeito
(afinal, de telenovela e futebol, todo brasileiro entende), mas a verdade é que,
a despeito de toda essas referências ao passado, com Máscaras, Lauro dá prova mais uma vez de seu fôlego e faculdade de
criar.
***
Pedro Silva, com milhões de
homônimos neste Brasil, é só mais um dos 786 mil a falar por aí sobre
telenovela e tv. Estudou letras e história, já foi babá, operário por um mês,
entregador de panfleto, professor de português e hoje trabalha como editor de
livros. Gosta de melão(!), café, literatura, vinil, novelas da Manchete, cinema
nacional da década de 70. Dizem que cozinha bem. É pai da Velma e da Frida,
duas gatas loucas e amorosas. Costuma se levar a sério só algumas vezes ao mês,
que é quando se põe a escrever no blog Óperas
de Sabão. Mas nunca se leva a sério no tumblr Coisas de Pepa. No tuírer é so chamar pelo @pedrrrinho.
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