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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Série Memória Afetiva: grandes damas da televisão


Nunca escondi minha predileção por atrizes. Claro que aprecio o trabalho de um grande ator e muitos deles já habitam no panteão de minha memória afetiva. Mas o fascínio que elas exercem em meu imaginário é inexplicável. Nada é mais poderoso e impactante do que uma atuação feminina. Para dar continuidade a essa homenagem a elas, já que eu já criei um post especial sobre as grandes estrelas da tevê (leia aqui), agora resolvi reverenciar as grandes damas, as essenciais, que carregam toda a bagagem teatral e, embora nem sempre ganhem o posto de protagonistas, são imprescindíveis em qualquer novela. Claro que toda lista é subjetiva, sobretudo as deste blog, assumidamente afetivo. Sei que devo estar cometendo alguma terrível injustiça ao ser traído por minha própria memória, mas mesmo as grandes atrizes que não constam nessa lista, toda minha reverência, respeito e admiração.
Mas as favoritas do melão são elas:

ROSAMARIA MURTINHO



Na verdade, é a grande inspiração desse texto. Tudo o que disser será pouco diante do encantamento que tive com sua arrebatadora atuação como Tia Magda em “O astro” (2011). Em contraponto perfeito com o furacão Clô Hayalla (magistralmente vivida por Regina Duarte), a Tia Magda de Rosamaria Murtinho teve sua personalidade introvertida construída nos detalhes, nas sutilezas, de maneira artesanal, que só mesmo uma atriz com grandes recursos seria capaz. Rosamaria conseguia transmitir toda a amargura e a melancolia de Magda apenas pelo olhar. Ela brilhou intensamente durante toda a novela, mas foi no último capítulo que conseguiu arrancar lágrimas do público ao explodir e deixar transparecer todo o seu rancor, seu ressentimento e sua inveja pela sobrinha Clô. E a cena em que Magda se suicida entrou simplesmente para a antologia das grandes cenas. De cara limpa, com uma coragem absurda, Rosamaria mostrou porque é realmente uma das maiores atrizes desse país. Até então, sua esfuziante Romana Ferreto de “A próxima vítima” era minha personagem favorita da atriz. Mas Magda me arrebatou completamente e recolocou Rosamaria no centro das atenções. Minhas primeiras lembranças da atriz datam das comédias oitentistas de Sílvio de Abreu como “Cambalacho” (1986) e “Jogo da Vida” (1981), mas essa moça veio de longe. Desde os tempos da Excelsior, já brilhava na constelação televisiva de nosso país e forma com Mauro Mendonça um dos casais mais simpáticos e admirados de nossa tevê. Foi uma honra trabalhar com você e já estou ansioso pelo próximo encontro.

FERNANDA MONTENEGRO



Talvez seja a grande unanimidade de nosso país. Sua indicação ao Oscar foi um grande reconhecimento mundial, mas o que Hollywood só descobriu há alguns anos atrás, nós, brasileiros já conhecíamos e desfrutávamos de longa data: seu avassalador talento. São muitas Fernandas em uma só: a adorável cambalacheira Naná, de Cambalacho (1986); a terrível Bia Falcão de “Belíssima”(2005); a tresloucada Charlô, de “Guerra dos Sexos” (1993); a mística Vó Manuela de “Riacho Doce” (1990); a aventureira Zazá (1997); a cosmopolita Lulu de Luxemburgo de “As Filhas da Mãe” (2001); a dominadora Chica Newman, de “Brilhante” (1981); a deliciosa Olga Portela de “O dono do mundo” (1991), só pra citar algumas de suas grandes personagens. A cafetina Jacutinga de “Renascer” (1993) é absolutamente inesquecível. Fica até difícil destacar um personagem dentre tantas interpretações perfeitas. Mais difícil ainda é dizer algo de Fernanda que ainda não tenha sido dito. Dona de todos os recursos, referência total de qualidade e competência. Vida longa para La Montenegro.


NICETE BRUNO

 A primeira imagem que temos de Nicete é de seus personagens doces e simpáticos, mas quem a assistiu como a perversa Úrsula de “O amor está no ar” (1997) ou como a amargurada Isolda de “Louco Amor”, conhece o imenso potencial da atriz que atualmente vem dando show como a amorosa Iná, avó das personagens de Fernanda Vasconcelos e Marjorie Estiano em “A vida da gente” (2011). Também podemos comprovar atualmente outra faceta de Nicete como a divertida perua Juju, que não suporta ser chamada de Julieta pelo marido em “Mulheres de Areia” (1993). Provocou risadas na plateia muitas outras vezes, como em “Alma Gêmea”, em que infernizava a vida do genro vivido por Fúlvio Stefanini. Não tem quem admire essa atriz de sorriso cativante. Casada com Paulo Goulart, também forma um dos casais mais queridos do meio artístico.



EVA TODOR

Estamos acostumados a vê-la sempre no papel de senhorinha irreverente e atrapalhada, mas sua Santinha Rivoredo de “Sétimo Sentido” (1982) revelava uma faceta extremamente dramática da atriz e grande capacidade de criar megeras. Verdadeiro ícone do teatro, teve estreia tardia da Rede Globo em Locomotivas (1977) como a matriarca Kiki Blanche, dona do salão onde se passava a maioria dos conflitos da novela. Outro momento de destaque foi na minissérie “Hilda Furacão” (1998) em que deu vida a Loló, uma conservadora senhora da tradicional família mineira dos anos 50, que fazia de tudo para destruir Hilda e toda a zona do baixo meretrício de Belo Horizonte. Mas os papéis irreverentes são realmente sua especialidade, que sempre dão um sabor especial às produções das quais faz parte.



CLEYDE YÁCONIS


Irmã da lendária Cacilda Becker, Cleyde também é daquelas atrizes superlativas, que defendem com dignidade qualquer papel. Ela convence tanto quanto a perua falida Isabelle em “Rainha da Sucata”, quanto as avós amorosas que viveu em “Vamp” (1991) e “Eterna Magia” (2007). A matriarca Guilhermina Taques Penteado, de “Ninho da Serpente” (1982) é um de seus grandes papéis na tevê. Mas a doce Melica, de “Os ossos do Barão”, remake do SBT, também tem um grande número de admiradores. Recentemente, pudemos rever Cleyde como um dos grandes destaques de “Passione” (2010), como Dona Brígida, a assanhada velhinha que mantinha um caso com o motorista Diógenes, vivido por Elias Gleiser. Ela é a razão de ser de produções pouco memoráveis como “Sex Appeal” (1993), mas também pode ter apenas um delicioso momento como em grandes produções como a minissérie “Um só coração” (2005), em que viveu ela mesma. O fato é que Cleyde Yáconis é indispensável e marcante em qualquer produção.


RUTH DE SOUZA



Essa foi uma grande desbravadora. Não chegou a ser a primeira negra a protagonizar uma novela (Yolanda Braga protagonizou “A cor da sua pele”, na Excelsior em 1964), mas certamente foi a mais marcante ao protagonizar “A cabana do Pai Tomás”, em 1969. Ganhou notoriedade no cinema com o filme “Sinhá Moça”, de 1953, inspirado no romance que mais tarde também viraria novela em 1986, na qual fez sucesso como Balbina, ao lado de Grande Otelo, formando um dos mais adoráveis casais da novela. É sempre uma presença agradável em cena, como em “O clone” (2001) em que vivia Dona Mocinha, a avó do clone Léo (Murilo Benício). Também teve um papel marcante em “O bem amado” (1973) ao lado de Milton Gonçalves. Atualmente, tem uma presença bissexta nas telas, mas sempre com muito brilho e interpretando todo tipo de papel, desde juízas a mães de santo. Se hoje temos Taís Araújo, Camila Pitanga e Sheron Menezes em papéis de destaque nas novelas, é porque no passado tivemos Ruth de Souza abrindo caminho para o artista negro no Brasil.


BEATRIZ SEGALL


Talvez as grandes vilãs, sobretudo Odete Roitman, a tenham marcado de maneira indelével em nossa teledramaturgia, mas Beatriz Segall já provou que é capaz de dar vida a diferentes tipos de personagens. Recentemente, a vi no teatro ao lado de Herson Capri no espetáculo “Conversando com mamãe”, em uma atuação comovente e convincente como uma simplória dona de casa. Na tevê, foi desde a alpinista social Lourdes Mesquita em “Água Viva” (1980) à idealista cientista Miss Brown em “Barriga de Aluguel” (1990), passando pela fogosa Stela, frequentadora do Clube das Mulheres em “De Corpo e Alma” (1992). Apesar das grã-finas serem sua especialidade, já foi uma mulher pobre moradora de vila em “Champagne” (1984). Uma personagem que gostava bastante era a quatrocentona falida Clô, da segunda versão de “Anjo Mau” (1997), em ótima dobradinha com a saudosa Ariclê Perez e fazendo um par comovente com José Lewgoy. Embora as madames sejam sua especialidade, La Segall é bem mais do que isso.


NATHALIA TIMBERG



Mais uma representante do que temos de mais nobre em nossa teledramaturgia. Recentemente, voltou a cativar o público na reprise de “ValeTudo” com a doce e submissa Tia Celina, em excelente contraponto com a diabólica Odete Roitman de Beatriz Segall. Mas diabólica é algo que Nathalia também sabe ser, como provou em “Força de um desejo” (1999) como a maquiavélica Idalina. Outra vilã gilbertiana vivida muito marcante foi a mesquinha Constância Eugênia, de “O dono do mundo”. Na primeira versão de “Ti Ti Ti” (1985), pôde flertar com o nonsense ao interpretar a desmemoriada Cecília. A atriz já emociona o país há muito tempo, como no megassucesso “O direito de Nascer” (1965). Em “A Rainha Louca” interpretou tanto a mocinha, quanto a vilã. Como queria ter assistido... O fato é que, mesmo com papéis sem grandes possibilidades como a recente Vitória Drummond em “Insensato Coração” (2011), é sempre uma presença digna e brilhante em cena.


LAURA CARDOSO



Uma das atrizes mais constantes em nossa tevê, que também transita por diferentes tipos desde os tempos da Tupi. Minha primeira lembrança dela foi na novela “Pão pão beijo beijo”, na pele da nordestina Donana. A partir daí, uma infinidade de tipos me vem à mente, como a autoritária matriarca indiana Laksmi de “Caminho das Índias” (2009) ou a simpática Glória, da atual temporada de “A grande Família”. Meus personagens favoritos são a Isaura, mãe das gêmeas Ruth e Raquel, que tinha uma clara preferência pela última em “Mulheres de Areia” (1993) e Dona Guiomar, a amável sogra de Raul (Miguel Falabella), que passa a repudiá-lo após ser possuída pelo espírito de Alexandre em “A viagem” (1994). Uma verdadeira operária da tevê que já viveu praticamente todo tipo de personagem.


ARACY BALABANIAN



Dá pra acreditar que a tresloucada Dona Armênia de “Rainha da Sucata” (1990) e a austera matriarca Filomena Ferreto de “A próxima vítima” (1995) foram vividas pela mesma pessoa? Versatilidade é pouco pra definir essa atriz, que brilha desde os tempos da Tupi. Suas atuações são tão marcantes que até hoje minha tia Marilza comenta sobre uma ou outra cena das mocinhas que interpretadas por Aracy em “Antonio Maria” e “Nino, o italianinho” nos longínquos anos sessenta. Minhas primeiras lembranças são oitentistas, claro, como a amarga Marta de “Ti Ti Ti” (1985) ou a dominadora Helena de “Elas por elas” (1982). Capaz de ir ao mais intenso dos dramas às comédias mais histriônicas como a Cassandra do humorístico “Sai de Baixo”, é uma das atrizes mais completas que temos.


EVA WILMA


Talvez a primeira grande estrela da tevê. Já fazia sucesso nos anos 50 ao lado de John Herbert em “Alô Doçura”, uma das primeiras sitcons brasileiras. Foi estrelíssima na Tupi, principalmente nas novelas de Ivani Ribeiro como “A barba Azul”, “A viagem” e “Mulheres de Areia”. A partir dos anos 80, viveu papéis de destaque na Rede Globo em novelas como “Ciranda de Pedra” (1981), “Elas por elas” (1982) e “Roda de Fogo” (1986). A endiabrada Altiva de “A indomada” (1996) é um de seus papéis mais marcantes, diametralmente oposto à equilibrada médica Marta no seriado “Mulher” (1998). Um de meus personagens favoritos é a submissa Hilda de “Pedra sobre Pedra” (1992). A cena em que ela toca piano para “acalmar” a lua para tentar impedir que Sérgio Cabeleira (Osmar Prado) seja levado por ela é das mais bonitas, emocionantes e delicadas que já vi. Mais uma atriz de múltiplos recursos, que vai dos tipos mais introvertidos às mulheres mais loucas e exageradas. Uma grande estrela que se transformou em grande dama.

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Quais são suas favoritas?

Leia também: 

Série Memória Afetiva: 10 divas televisivas.


sexta-feira, 20 de maio de 2011

20 anos de “O dono do mundo”: um legítimo “Gilberto Braga”.




No dia 20 de maio de 1991, ia ao ar o primeiro capítulo de “O dono do mundo”, talvez a novela mais polêmica e controversa de Gilberto Braga. Segunda obra da trilogia sobre a corrupção, que começou com a antológica “Vale Tudo” (1988), “O dono do mundo”, no entanto, não é lembrada pelo êxito da primeira, mas por uma polêmica que prejudicou a audiência na época e até hoje é mais comentada do que as suas inúmeras qualidades.


A trama contava a saga de vingança da jovem Márcia (Malu Mader), professora virgem do subúrbio, que é seduzida em sua lua de mel pelo sedutor cirurgião plástico Felipe Barreto (Antonio Fagundes), que aposta uma caixa de champanhe com o amigo Julio (Daniel Dantas), que levaria a moça para a cama antes do próprio noivo, Walter (Tadeu Aguiar). Felipe arma todo um esquema para que isso aconteça e acaba seduzindo Márcia, que acaba se apaixonando pelo crápula. Ao descobrir toda a verdade, Walter perde o controle e acaba sofrendo um acidente de carro e morre. Tomada de amores, Márcia tem esperanças de que Felipe vai se separar da devotada e rica esposa Stela (Gloria Pires) para ficar com ela. Ao descobrir que fora enganada e que teve sua vida destruída, Marcia parte para uma implacável vingança contra Felipe.

Porém, o que o autor não esperava era que o público, ainda conservador, fosse se voltar contra Márcia, atribuindo a ela a culpa pela morte do noivo. Na verdade, o que não perdoaram foi o fato de Márcia ir bater na porta do quarto de Felipe, e não o contrário. A solução foi dar bastante destaque a outro par romântico da novela, Taís e Beija-Flor, vividos pelos estreantes em novelas globais Letícia Sabatella e Ângelo Antônio. Mesmo se prostituindo no início da novela, o público não se voltou contra Taís e torceu até o fim para que o amor deles prevalecesse. Impossível não ouvir “Codinome beija-Flor” na voz de Luiz Melodia e não se lembrar do casal, cujo maior empecilho era a ambição da moça e a falta de ambição do rapaz.

Um fator que talvez tenha afastado parte do público da novela, que migrou para o SBT, que exibia a açucarada “Carrossel”, era a acidez de sua narrativa. Ao contrário de “Vale Tudo”, que através de sua trabalhadora heroína Raquel, lançava um olhar otimista para a realidade, mesmo com um time de vilões de primeira categoria e com toda a crise por qual passava o país, “O dono do mundo” era mais sombria, mais cínica, mais pessimista, mostrava que o poder tudo podia e que os pobres não passavam de marionetes nas mãos dos mais poderosos. A abertura, com Chaplin vivendo “O grande ditador”, brincando com um mundo povoado por belas mulheres, já ditava o tom da narrativa e dava a dica do que vinha por aí.  Frases como “nunca mais pego mulher de além-túnel” eram proferidas pelo protagonista o tempo todo sem o menor resquício de culpa. Apesar de Gilberto Braga afirmar o tempo todo que o verdadeiro mocinho da novela era Rodolfo (Kadu Moliterno), que se envolveu com Stela após esta se separar de Felipe, o público, a exemplo de Márcia, também se deixou seduzir pelo cafajeste charmoso construído por Fagundes.

Entre os destaques do elenco, cito Nathalia Thimberg e Glória Pires pelo mesmo motivo. As duas viveram tipos bem marcantes em “Vale Tudo” e suas personagens na novela em nada lembram as antecessoras. Impressionante como Nathália não deixou nem rastro da doce e amável Celina ao interpretar a amarga e desagradável Constância Eugênia, assim como a digna e elegante Stela não lembra em nada a ambiciosa Maria de Fátima. Dá gosto de ver duas atrizes em cena com capacidade tão altamente transformadora. Vale ressaltar também a transformação da própria Malu no decorrer da novela, de uma Márcia ingênua e simplória para uma Márcia vingativa e charmosa. Justiça seja feita: a atuação de Malu foi louvável. Felipe Barreto está entre meus personagens favoritos de Fagundes, sempre dotado de carisma, mas aqui também com um charme arrasador. Maria Padilha, como a patética e interesseira Karen, também foi um grande destaque. Entre os destaques jovens do elenco, impossível não lembrar da saudosa Daniella Perez, que além de linda e carismática, já dava mostras de seu talento promissor. E o time de veteranos deu um show à parte: Beatriz Lyra (adorável), Claudio Correa e Castro, Ana Rosa, Hugo Carvana, Odete Lara em rara aparição televisiva, Jacqueline Laurence, Stenio Garcia, Paulo Goulart... com um timaço desses e um texto inspirado, o resultado não poderia ser menos do que alta dramaturgia.

Constância e Olga, inimigas na trama, renderam ótimos momentos.

Mas o grande destaque mesmo fica por conta de Fernanda Montenegro e sua impagável Olga Portela. Na pele da cafetina não declarada, Fernanda deu um show, deitou e rolou com um texto inspiradíssimo, mas que só renderia na boca de uma atriz de altíssima competência. Olga tinha falas maravilhosas e Fernanda soube dosar perfeitamente o cinismo e a hipocrisia da personagem que, afinal de contas, era do bem e guardava um dos maiores segredos da trama.

Quanto à polêmica com Felipe Barreto, o autor chegou a criar uma redenção para o personagem, fazendo com que o público pensasse que ele havia se regenerado. Mas ao final, Marcia consegue cumprir seu objetivo de desmascará-lo.  A cena que fecha a novela é a de Felipe se casando com uma jovem herdeira de um fazendeiro em Goiás e paquerando outra jovem durante a cerimônia. O olhar cúmplice de Felipe para o público e o comentário: “é virgem” foi a resposta perfeita do autor para o público, que também se deixou seduzir por Felipe, confirmando o tom cínico e crítico que permeou toda a trama.

Enfim, quando assisti à novela pela primeira vez, era muito jovem e nem tomei conhecimento dos comentários negativos a respeito dela. Agora, ao rever a novela, estou constatando a ótima impressão que tive na época. Um autêntico Gilberto Braga, com tudo aquilo que o universo do autor tem de delicioso: a elegante decadência do high society, alpinismo social, armações e viradas espetaculares, texto irônico, mas sem deixar de lado o bom e velho folhetim e, claro, grandes cenas para grandes atores.
Fica a torcida por uma reprise no Canal Viva no mesmo horário de “ValeTudo”  e a lembrança de duas décadas de mais essa pérola gilbertiana.



quinta-feira, 10 de março de 2011

ARMANDO EU VOU, ARMANDO COM VOCÊ...


25 ANOS DE CAMBALACHO



O termo “parece que foi ontem” já está mais lugar comum do que o próprio termo “lugar comum”. Mas o que dizer quando não há nada melhor do que “parece que foi ontem” para traduzir o que sentimos a respeito de uma novela que foi tão emblemática na sua vida e permaneceu em seu imaginário por tanto tempo que realmente 25 anos parecem ter passado como um flash? Esse jubileu de prata de “Cambalacho” só vem provar que, quando uma telenovela é realmente boa, ela entra para o panteão e também se torna memorável como qualquer outra manifestação artística.
Eu tinha apenas 9 anos quando foi exibido o primeiro capítulo da novela no dia 10 de março de 1986. E o mais incrível é que tenho lembranças nítidas de grande parte desse folhetim de Sílvio de Abreu. “Cambalacho” já foi até cotada para ser novela das oito, mas foi no horário das sete que ela ajudou a consolidar o estilo do autor, responsável pelas mais hilariantes comédias de nossa teledramaturgia.


VOCÊ SABE O QUE É CAMBALACHO?

 Essa era a pergunta já lançada no teaser da novela, que ajudou a popularizar o termo, usado até hoje para designar trambique, mutreta, armação, maracutaia. Com um pé na chanchada, outro nos clássicos de Hollywood, influências constantes de Sílvio de Abreu, “Cambalacho” era uma novela movimentada, divertida e visualmente diferenciada, sobretudo pelos letreiros luminosos que apareciam para mostrar passagens de tempo, onomatopeias e até mesmo comentários sobre a trama. O alto astral permanente da novela é marca registrada da feliz parceria de Sílvio com a direção de Jorge Fernando.

A trama girava em torno de Naná, em mais uma interpretação antológica de Fernanda Montenegro, uma trambiqueira de bom coração que sobrevivia de pequenos golpes, ao lado do fiel escudeiro Jejê (Gianfrancesco Guarnieri em tão boa parceria com Fernandona quanto Paulo Autran). Para aliviar sua culpa, Naná adotava crianças que recolhia na rua, enquanto sua única filha verdadeira Daniela estudava no exterior.

Mal sabia Naná que ela seria apontada como suposta herdeira do milionário Antero (Mario Lago), que descobrira recentemente que ela era sua filha desaparecida. No entanto, para tomar posse do que tem direito, Naná precisa enfrentar Andréa (Natália do Vale), viúva de Antero que planejou  morte do marido durante um passeio de lancha para ficar com toda a sua fortuna.



Antero tinha outro filho, o bailarino Tiago (Edson Celulari), que acaba se envolvendo com a mecânica Ana Machadão (Debora Bloch em excelente momento), que vinha a ser filha de Jejê! Ah, as coincidências do folhetim... O inusitado romance do bailarino com a mecânica rendeu ótimos momentos, principalmente a partir da chegada de Daniela (Louise Cardoso), suposta filha de Naná, que veio completar o triângulo amoroso e também tentar se apropriar da fortuna de Antero. Mais tarde, descobrimos que se tratava de uma impostora. A verdadeira Daniela, vivida por Cristina Pereira, acabou aparecendo no último capítulo da novela.


VOCÊ ME INCENDEIA...


“Cambalacho” também é lembrada pela galeria de personagens inesquecíveis. Além dos já citados, a novela também contava a história de Albertina Pimenta, ou Tina Pepper, inesquecível personagem de Regina Casé.  Sempre com o bordão “odeio pobreza” na ponta da língua, Tina vivia inconformada com sua condição social e fazia de tudo para subir na vida. Fã inveterada de Tina Turner, viu a oportunidade de se lançar como cantora. O problema é que a moça era pra lá de desafinada. Com isso, entra em ação sua mãe, Lili Bolero, verdadeiro show da excelente e saudosa Consuelo Leandro. Cantora fracassada, Lili vivia frustrada e culpava Angela Maria, que a vencera em um concurso de calouros, por sua carreira não ter decolado. Com isso, Tina só dublava enquanto Lili era quem cantava de verdade (anos mais tarde, Sílvio utilizou desse mesmo expediente em “Torre de Babel”, em que Johnny Percebe, interpretado por Oscar Magrini, fingia que cantava e era dublado por seu irmão, Boneca, vivido por Ernani Moraes).


Lili era apaixonada por Jejê e grande rival de Naná, mas também flertava com Tio Biju (Emiliano Queiroz), pacato costureiro que criou, com dificuldade, três sobrinhos: Atos (Flávio Galvão), Portos (Mauricio Mattar) e Aramis (Paulo Cesar Grande), por quem Tina era apaixonada. Uma das sequências mais engraçadas que me recordo da novela foi quando Tina roubou o livro “Os segredos da salamandra”, e fez um feitiço para que Aramis se apaixonasse por ela. Para isso, ela tinha que ferver uma cueca dele e beber o líquido depois. Tudo certo, se ela não tivesse pegado a cueca errada. Portos acabou encantado pela moça. No final, Tina alcança o estrelado usando sua própria voz. Quem não se lembra dos versos de seu megahit “você me incendeia / seu corpo serpenteia / e me deixa louca / com água na boca”, cantado por ela incessantemente durante a novela? Lili acabou desfazendo o mal entendido com Angela Maria, que fez uma participação da novela, e terminou como cantora de uma churrascaria chamada “Traseiro de Boi”.


PERIGOSA...



Voltando à trama principal, Naná precisava enfrentar a terrível Andréa. Linda e diabólica, a vilã foi um dos melhores papeis de Natalia do Vale. Apaixononada pelo cunhado Rogério (Claudio Marzo), Andréa fazia de tudo para tirá-lo de sua irmã, Amanda (Susana Vieira). É impossível ouvir a canção “Perigosa”, da banda Syndicatto, sem se lembrar de Andréa e suas armações. Falando em trilha sonora, a internacional era aquela coletânea de sucessos do momento, mas a nacional era personalíssima. As músicas foram criadas especialmente para os personagens. Por isso, apesar do tema de abertura ter sido muito marcante, talvez a que tenha ficado mais presente em meu imaginário é “Armando eu vou”, na voz de Cida Moreira, que era tocada sempre quando Naná aprontava mais um de seus cambalachos.

Além dos atores já citados, Rosamaria Murtinho, Roberto Bonfim, Joana Fomm, Marcos Frota, Andréa Avancini, Duse Nacaratti, Maria Helena Pader, Fabio Sabag, Cristine Nazareth, Leina Krespi, Osvaldo Loureiro e Luiz Fernando Guimarães (impagável como um nobre farsante) completavam o ótimo elenco.



Ao escrever esse texto e relembrar toda essa estória deliciosa, começo a perceber o porquê da novela fazer 25 anos e eu ter a impressão de que não faz tanto tempo assim. É que “Cambalacho” foi tão marcante, me divertiu tanto como espectador e me inspirou tanto como roteirista que, na verdade, ela nunca saiu do meu imaginário. Naná, Jejê, Ana Machadão, Tio Biju, Andréa, Lili e Tina Pepper permanecem no meu rol de personagens inesquecíveis. Essa é emblemática de verdade!
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quinta-feira, 20 de maio de 2010

Blogueiro convidado: Ivan Gomes fala de "Guerra dos Sexos"


 Mais um queridão no melão. E esse é especialíssimo. Dono de um conhecimento raro sobre novelas que ele nem sempre faz questão de exibir, bem como sua capacidade crítica em falar delas com inteligência e estilo. Esse é Ivan Gomes, telemaníaco apaixonado que deixa transcender toda sua paixão naquilo que escreve. E o foco de sua escrita não poderia ser mais especial: a inesquecível “Guerra dos Sexos”, marco indiscutível da teledramaturgia brasileira, que conseguiu unir popularidade e ousadia. Uma das novelas mais cultuadas de todos os tempos e que, segundo seu autor, o genial Silvio de Abreu, promete voltar em 2012. Só nos resta ficar na torcida. Enquanto isso, vamos apreciar e telembrar, através do ótimo texto de Ivan, esse grande sucesso de 1983, coincidentemente publicado no dia do aniversário de uma das estrelas da novela, Lucélia Santos! Então, fica também como singelo presente do melão para a atriz. Vamos ao texto:

Série Memória Afetiva: Guerra dos Sexos

Por Ivan Gomes


Acabei de rever essa novela, uma versão editada de Portugal, que meu irmãozinho Vitor emprestou para mim.
Foram meses deliciosos , relembrando essa comédia que tive o privilégio de acompanhar na exibição original em 83 e na reprise de 89. Gostaria de dividir minhas impressões com vocês: Acredito que hoje a comédia de Guerra dos Sexos foi tão reutilizada, tanto pro bem qto pro mal, que para o pessoal mais novo a novela não teria nada demais. Mas em 83 foi um choque! Substituiu a convencional, mas deliciosa Final Feliz, da craque Ivani Ribeiro, e de repente a tela era invadida por um bando de malucos deliciosos.

Criança, eu não tinha noção da importância de uma Fernanda Montenegro e de um Paulo Autran, mas achava bacana na abertura o “e pela primeira vez juntos’’ que antecedia os nomes deles, me despertando a atenção para o trabalho desses maravilhosos artistas. Esses dois estavam muito bem acompanhados por um elencaço e é deles que eu queria comentar: Glória Menezes era minha heroína, talvez uma das personagens que mais gosto até hoje. Torcia muito pela sua Roberta Leone, sofria e ria junto com ela. Roberta tinha um amor, uma generosidade, uma alegria de viver que me encantavam, seu amor verdadeiro, honesto e sincero pelo Nando (Mario Gomes) me comovia e talvez o meu lado romantico tenha surgido da identificação com os sentimentos da Roberta, minha personagem favorita da trama. Tarcisão também esteve muito bem num tipo infantilóide que todos aqui na minha casa adoravam! Amava quando o chamavam de “pipinho”. Foi o primeiro trabalho desse ícone que acompanhei de fato!

 Lucélia Santos interpretava Carolina, uma vilã em que ela pode mostrar todo seu potencial, principalmente quando ela vai deixando a vilania por seu amor por Felipe (Tarcisio Meira). Muitas cenas dela me impressionaram muito. Não era uma vilã gratuita, mas que, de certa forma, debochava um pouco desse tipo de personagem, hoje tão idolatrado. Lucélia tem uma força, uma entrega ao personagem indiscutível, e mostrou muito mais de seu talento ainda na mudança de comportamento da personagem. Quando Carolina muda de atitude e se arrepende dos seus atos, ficou crível, não ficou forçado.

Fernanda e Paulo sem comentários, eu torcia mais pra Charlô, achava-a genial, amiga, inteligente e muito, muito engraçada! Na época acabei vendo o Otavio do Paulo, como uma espécie de vilão. Nas cenas finais quando Otavio revela toda sua solidão entendi o porquê de tantas malandragens contra a Charlô: era um amor encubado que ele não acreditava que fosse se realizar, ao ver a amada casando-se tantas vezes com outros homens.

O casal Tarcísio e Glória entre Maitê Proença

Cristina Pereira e sua Frô eram demais, talvez a personagem que mais me fez rir na novela, com sua auto-estima lá em cima e sua cara de pau! Maitê Proença e Maria Zilda lindas e divertidas também, destacando a Zilda com uma personagem ousada pra época, mais liberal, livre. Acredito que muitas mulheres tenham se sentido ‘’defendidas’’ por essa personagem (Vânia), tirando a mulher da condição de capacho sexual , presa a convenções matrimoniais e podendo viver a vida (eheheheheh) como bem entendessem. A Juliana de Maitê era o grande toque romântico da novela, única personagem que carregou consigo um tema musical marcante: "ANJO", do grupo Roupa Nova. Doce, medrosa num amor proibido no inicio, acabou revelando-se uma mulher que evita se envolver com seu amor por puro preconceito, sem conseguir aceitá-lo como é (daí meu favoritismo pro casal Nando e Roberta) tornando-se mais tarde uma mulher insegura e ciumenta, o q acaba custando seu grande amor.Um outro grande destaque pra mim e um ator bastante discutido foi Mario Gomes, com um Nando perfeito, acredito até que um ator bom, com mais recursos, não teria feito tão bem. Nando tinha uma humanidade que eu achei genial, integridade, valores, e uma característica que me chamou a atenção agora que revi a trama: ele não olhava no interlocutor quando precisava ‘’se abrir’’, falar dos seus sentimentos, apenas algumas vezes. Isso mostra uma interpretação pensada para o personagem, criando um tipo, estudando o papel. Parabéns para ele!



Não dá pra falar de todos porque senão esse texto não termina nunca! Mas deixei pro final a maravilhosa Yara Amaral, uma das maiores perdas das nossas artes. Que atriz é essa, meu Deus! Faz comédia e drama como ninguém, que dona Nieta real, humana, divertida, contraditória! Fez um casal maravilhoso com o grande Ari Fontoura (o tímido Dinorah). Saudades eternas!

Pra encerrar, falo um pouco do texto de Silvio de Abreu que escreveu uma historia onde assumiu a comédia rasgada sem deixar  de lado uma certa sofisticação, em meio a tortas voando, perseguições de diamante e calores sexuais muitas referências sutis a filmes e músicas. Silvio uniu o pastelão a um humor mais fino, principalmente em alguns momentos de Charlô e Otávio, agradando ao povão e a quem tem uma certa cultura geral! Valeu mesmo! Também é importante destacar que todos os personagens, mesmo estando em uma comédia, tinham alma, nada era gratuito. É só vê-los com mais atenção que a gente se reconhecia, percebia atitudes e sentimentos parecidos com os nossos, entendia as razões os motivos de seus atos e, ainda por cima, se divertia muito!!! Uma pena que os textos estão se empobrecendo e humor hoje em telenovela anda beirando a debilidade mental e, de certa forma, contribuindo pra manter o gosto popular (que deveria ser mais estimulado) no mesmo patamar pouco exigente!


Valeu, Silvio de Abreu, Jorge Fernando, Guel Arraes, TV Globo e toda turma que criou esse clássico da TV!



Mansão de Otávio e Charlô. A trama se passava em Sampa, mas a casa fica em Petrópolis - RJ

FIM

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