sábado, 7 de abril de 2012

A dança dos sete véus: Walter Azevedo relembra “Salomé”.



Depois de nos brindar com um ótimo texto sobre o remake de “Selva de Pedra” e mostrar seu talento como roteirista, nosso queridão Walter de Azevedo está de volta para relembrar “Salomé”, novela das seis do início dos anos 90 que causou muita polêmica na época de seu lançamento por conta da nudez da protagonista vivida pro Patricia Pillar, o que fez com que suas qualidades ficassem em segundo plano, mas que são relembradas pelo excelente texto de Walter. Confiram e comentem! 


Bíblia e Modernismo às 6 da tarde 
Por Walter de Azevedo

Patricia Pillar viveu o papel-título da novela.
  
   Nos anos 70, a Rede Globo usava o seu horário das 18h para adaptações literárias, e Gilberto Braga era um de seus principais autores. Após o término de Dona Xepa, um grande sucesso de 1977, a emissora carioca lhe pediu uma nova sinopse, também inspirada em algum romance de nossa literatura. Gilberto já havia feito muito sucesso com Helena (1975), da obra de Machado de Assis, Senhora (1975), clássico de José de Alencar e, a mais conhecida, Escrava Isaura (1976/1977), tendo como base um obscuro livro de Bernardo Guimarães, além da própria Dona Xepa, adaptada da peça de Pedro Bloch. O romance escolhido para ser transformado em novela foi Salomé, obra do escritor Menotti Del Picchia, importante figura do movimento modernista. Acontece que Gilberto acabou sendo transferido para o horário das 20h, onde escreveu o mega sucesso Dancin’ Days (1978/1979), e Salomé ficou esquecida.

    Menotti Del Picchia transportou para a São Paulo dos anos 20/30, a história bíblica de João Batista, o profeta decapitado a mando do rei Heródes Antipas. Enfeitiçado pela sensual dança de sua enteada, Salomé, o rei promete à moça qualquer coisa que ela lhe peça. Atendendo a uma ordem de sua mãe, Herodias, Salomé pede a cabeça de João Batista, forte opositor da rainha. Mesmo contra sua vontade, Heródes cumpre o prometido. Na história de Picchia, o rei Heródes se transforma no fazendeiro Antunes, casado com a sensual Santa, mulher que se descobre atraída por Duda (o correspondente a João Batista), jovem artista envolvido com a efervescência cultural da década de 20 (uma clara alusão do autor ao movimento Modernista e seus desdobramentos). Enquanto acontece o envolvimento entre Santa e Duda (que não passa de meras insinuações), Antunes vai à França com o objetivo de trazer Salomé de volta. A jovem acabara de chocar a sociedade parisiense ao reproduzir no palco, a sensual dança dos sete véus. Ao reencontrar a filha da esposa, Antunes tem o seu desejo despertado. Está criado então, o quadrado amoroso que permeia a trama.

   Essa foi a história roteirizada por Sérgio Marques e que finalmente foi ar no horário das 18h da Rede Globo. Com Direção de Herval Rossano, Salomé estreou no dia 03 de junho de 1991, apresentando ao público uma das mais belas produções já realizadas pela emissora. Com cenários e figurinos exuberantes, perfeita reconstituição de época, gravações iniciais realizadas em Paris, além de uma inesquecível abertura inspirada na obra do pintor austríaco Gustav Klimt, Salomé tinha dois objetivos: Manter os altos índices de audiência de sua antecessora, Barriga de Aluguel, e trazer de volta ao horário as adaptações de época.

  O mito de Salomé sempre mexeu com o imaginário popular, talvez pelo seu forte conteúdo erótico e até, de certa forma, incestuoso, tornando-se uma das mais famosas passagens bíblicas. O irlandês Oscar Wilde escreveu a peça Salomé em 1893, centrando a trama não em João Batista, Herodias ou o rei Heródes, mas sim na jovem dançarina, mostrando Salomé não apenas como instrumento das intrigas da rainha, mas como uma mulher tão ou mais cruel do que ela. A crueldade da Salomé de Wilde é motivada pelo amor, o primeiro amor de uma jovem que sempre teve todos os homens aos seus pés; o primeiro amor rejeitado.

Patricia Pillar e Petrônio Gontijo: par romântico central.
  A Salomé de Sérgio Marques apresentava características da personagem de Menotti Del Picchia, mas mostrava nuances da personagem bíblica e também da de Oscar Wilde. Patrícia Pillar, linda e loira, ganhava a protagonização como prêmio pelo seu excelente desempenho em Rainha da Sucata (1990), de Sílvio de Abreu. Mais uma vez a atriz mostrava seu talento...e até um pouco mais. Logo no primeiro capítulo, Salomé faz a dança dos sete véus em um teatro parisiense e a nudez de Patrícia foi um deleite para seus fãs. Vale ressaltar a coragem e ousadia da direção, de mostrar uma cena dessas às 18h, algo impensável nos dias de hoje.

   Acontece que Salomé não era uma história de fácil digestão e teve problemas de aceitação junto ao público. O autor, que conseguiu manter o clima do romance, pecou ao fazer uma adaptação formal, deixando a trama distante dos moldes clássicos de teledramaturgia. Apesar do forte entrecho envolvendo o quarteto central, a maioria das tramas paralelas fugia das características folhetinescas. Talvez apenas a história de Mônica (Mayara Magri), ex-namorada de Duda (Petrônio Gontijo), que se vê obrigada a casar por interesse com o americano McGregor (Rubens de Falco), tivesse a linha do chamado “novelão”. Outro problema foi a escalação de elenco, muito irregular, com atores que, embora talentosos, não combinavam com os personagens para os quais foram chamados. A trama que envolvia a personagem Carmem (Andréa Veiga), jovem cantora em início de carreira e que acaba se tornando uma grande estrela do rádio, ganhou destaque na novela e foi uma das que caíram no gosto popular.


   Imara Reis, atriz que não costuma frequentar a telinha Global, criou uma Santa irrepreensível e foi um dos grandes estrelas da novela, brilhando ao lado de Carlos Alberto, ótimo como o Coronel Antunes. Outro grande destaque foi Lília Cabral, que depois de uma série de personagens cômicos, encarnava Ernestina, uma vidente com um pé na loucura. Infelizmente, com a alegação de que a personagem não caíra no gosto popular, acabou sendo limada da novela. Suzy Rêgo, vivendo Berta, melhor amiga de Salomé, também apresentou um ótimo trabalho. Mas a novela foi mesmo de Patrícia Pillar, que esbanjou talento e sensualidade.

  Infelizmente, Salomé não costuma ser lembrada, talvez por não ter sido entendida pelo grande público. Mas afinal de contas quem precisa de compreensão? Salomé nunca precisou.


  LEIA TAMBÉM OS OUTROS TEXTOS DE WALTER PARA O MELÃO:


ROTEIRISTA CONVIDADO: WALTER AZEVEDO E UMA CENA PRA LÁ DE SOMBRIA



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5 comentários:

Nilson Xavier disse...

Novela bonita, bem produzida.
Mas de fato não despertou grande interesse.

Abertura, uma das minhas preferidas!

Parabéns pelo texto Walter! ;)

Efe disse...

Salomé: mais um de meus sonhos teledramatúrgicos (quase impossível de ser realizado, já que a baixa repercussão da novela não deve mesmo despertar intenções de reprise por parte da emissora).

O pouco que vejo da novela em poucas cenas avulsas postadas no youtube demonstra uma beleza, um esmero e um clima constante de romantismo, conforme apontado pelo Walter. E Patrícia Pillar, de uma beleza resplandecente.

Belo texto Walter, parabéns!

Fabio Dias disse...

Tb não vi essa novela!
Comecei a ver novelas das seis com sua sucessora FELICIDADE,mas agora fiquei curioso para ver!

Parabéns pelo post!

Ramis disse...

Abuso rápido de novelas de época, mas acompanhei bem essa novela e gostei. Tinha uma boa tabela entre Edwin Luisi e Rubens de Falco, um vilão terível chamado Capivara entre outros. Legal tb uma cena que seguiu a da Andrei Veiga sendo "deflorada", ela cantando "Eu Dei" do Caimy gravada por Carmem Miranda.
Abertura linda e duas músicas da trilha fizeram muito sucesso na época, "Te Amo" com Biafra e "Destino" com Patrícia Marx.
Pelo menos outros dois fatores contribuíram para a pouca aceitação. O final de "Barriga de Aluguel', o público costumava vingar na novela seguinte (vide "Selva de Pedra" e "Ana Raio") e a ascensão do famigerado "Aqui Agora" com o mundo cão que permeou a Tv durante toda a década de 90.
No fim, post MARAVILHOSO!!!

Walter de Azevedo disse...

Meninos, obrigado pelos comentários. Bom saber que alguns tem vontade de rever Salomé. Sou um desses.

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