Diretamente do inspirado blog “Agora é que são eles”, melão recebe esse apaixonado por teledramaturgia, autor de textos inspirados e comentários sempre pertinentes nas diversas redes sociais em que participa. Engenheiro civil de profissão e noveleiro de coração, Dani Pepe aceitou o convite para escrever no melão sobre o que bem quisesse e nos brindou com um excelente texto sobre a minissérie “Quem ama não mata”, que deu muito o que falar na época em que foi exibida. Melão agradece a luxuosa colaboração e convida o querido Pepe a retornar sempre que desejar.
Quem Não Conversa Se Mata
Por Daniel Pepe
Olha bem nos meus olhos, quando eu falo contigo
E vê quanta coisa eles dizem que eu não digo
“Eram os anos 1980, uma época de loucura. Foram litros de uísque, quilos de substâncias tóxicas. Foi muita rasgação de coração. Escrevi com sangue mesmo.”
Assim é que o autor Euclydes Marinho define no livro biográfico “Autores – Histórias da Teledramaturgia” como conseguiu transpor para a ficção algo tão íntimo como a história de Chico (Daniel Dantas) e Júlia (Denise Dumont) na minissérie Quem Ama Não Mata, de 1982. Os dois eram casados há menos de dois anos e já enfrentavam uma crise: Júlia se apaixona por Luca (Buza Ferraz), amigo de Chico, que percebe a situação e dá carta branca para a mulher viver o novo sentimento e ver no que aquilo daria. Júlia passa então a viver um adultério consentido com o marido, até que ele não aguenta mais e a expulsa de casa. Essa trama foi vivida por Euclydes Marinho, cuja esposa se apaixonara por um colega de trabalho. A história ficava ainda mais próxima da realidade pelo fato de ele na época ser casado com a própria atriz Denise Dumont, ou seja, ela interpretou um drama da sua vida real.
Chico e Julia: contraponto com os protagonistas |
Apesar do conflito, de algumas brigas, “vingancinhas de casal” e desencontros durante a série, Chico e Júlia sempre dialogam até chegarem num entendimento. A cena final é deles, num banho de mar de renovação, quando deixam claro estar tirando tudo o que pudesse fazê-los chegar a algum ponto de desespero, onde não existisse mais volta, chance alguma de reconciliação. Em algum ponto onde um matar o outro fosse a única saída possível. Eles formaram o contraponto com Jorge (Cláudio Marzo) e Alice (Marília Pêra), o casal que se mata. Quem morreu e quem matou é o mote da série só revelado no último capítulo. A trama foi desenvolvida de modo que os dois finais fossem plausíveis, tanto que os dois foram escritos e gravados. Alegaram que o escolhido foi meramente uma questão estatística.
A diferença fundamental entre o casal jovem e o casal mais maduro foi a condução do diálogo. Enquanto Chico e Júlia, mesmo discordando, expunham suas dúvidas, medos e diferenças, Jorge e Alice não chegavam num acordo, por, a princípio, ele esconder seu problema de esterilidade, com medo que associassem a impotência. Isso fazia Alice pensar que ela fosse a infértil que não podia dar o filho tão esperado aos dois. Alice então também passa a viver um conflito interno, pois ela mesma direcionou a sua vida de forma que seu objetivo único fosse ter e criar os filhos, anulando outras aspirações. Por não exteriorizar sua angústia, Jorge começa a ser agressivo com a esposa, que não entende a situação. A partir de um momento ela também não aguenta mais aquilo, até que os dois se separam. E o grande erro foi a tentativa de reconciliação, quando voltam a morar juntos. Mas não existe avanço no diálogo, o que reinstaura a velha crise culminando na tragédia anunciada desde o primeiro capítulo.
Quem Ama Não Mata não tinha apelos folhetinescos presentes na maioria das novelas, como revelações de paternidades, flagras de beijos e transas, o que a aproximava ainda mais da realidade, fazendo o telespectador se identificar bastante com aqueles personagens. O recurso utilizado para segurar 20 capítulos sem tantos ganchos significativos foi o flashback. Logo na primeira cena é mostrado que um crime foi cometido, mas não se sabe quem matou nem quem morreu. No inicio de cada capítulo havia uma narração resumindo os fatos anteriores, sempre frisando que um crime estava por vir, além de a abertura ser toda feita em cima da fatalidade, mostrando o apartamento na Barra da Tijuca almejado por tantos anos todo destroçado, resultado do erro que se tornou a relação de Jorge e Alice. Dessa forma, mesmo sem aqueles atrativos que o telespectador tanto adora nas novelas, o roteiro saboroso, mas muitas vezes morno, era conduzido por essa expectativa de como tudo terminaria.
Produzida ainda na época da ditadura, a minissérie não foi poupada de vários cortes nos diálogos, como um que continha a palavra “adúltera”. Ou outro onde Alice conversa com Odete (Tânia Scheer) sobre fazer sexo durante o nono mês de gravidez. Ao mesmo tempo deixavam passar a palavra “aborto” e as cenas que culminaram nele. Dessa maneira, pode-se entender que o trabalho da censura era cortar coisas só para “bater o ponto”, ou então dar uma colher de chá para os produtores. “Cortamos um pouco, mas deixamos outro tanto”. Não fazia sentido censurarem alguns temas considerados inadequados, e outros não. Apesar dos cortes, o autor conseguiu defender a sua tese e a minissérie não se tornou ininteligível ou sem nexo em nenhum momento.
Convivendo com os dois casais principais, havia ainda Laura (Suzana Vieira) e Raul (Paulo Villaça), cujos desentendimentos consistiam no fato de Laura ser adepta de uma relação com cada um na sua casa, ao contrário de Raul, que insistia em casamento. Laura, uma personagem muito interessante, vivia na defensiva, demonstrava e admitia ter medo de se relacionar mais sério com as pessoas, até mesmo com as filhas, Júlia e a menina Ângela (Monique Cury). Laura era irmã de Alice e filha do General Flores (Dionísio Azevedo) e Dona Carmem (Norma Geraldy), que tentavam fazer o possível para que as filhas resolvessem seus conflitos. Eles eram o exemplo de um casal que superou as dificuldades no passado e que na velhice sabiam muito bem conviver com as diferenças um do outro. Para fechar o ciclo, Odete e Fonseca (Hugo Carvana) davam um divertido refresco; era o casal que volta e meia brigava, mas logo fazia as pazes.
Um produto feito com muito esmero tanto em roteiro – Euclydes teve a colaboração de Denise Bandeira e Tânia Lamarca – como em direção – de Daniel Filho e Denis Carvalho – e interpretação – confira abaixo um vídeo com Cláudio Marzo brilhante e Marília Pêra ótima fazendo drama – , mereceria ser eternizado sendo lançado em DVD. Ou quem sabe pelo menos que venha por aí uma reprise no Canal Viva.
Obrigadíssimo, Dani! |
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5 comentários:
Quem Ama Não Mata, apesar de nunca ter visto, faz parte de minha memória afetiva pois lembro bem da época que passou e suas chamadas.
Sempre tive curiosidade de vê-la
e só estou podendo fazê-lo agora.
Ainda estou na metade. É tudo interessante, mas falta chão.
De pronto, posso afirmar que Claudio Marzo É O ATOR da minissérie e sua melhor atuação que já vi. Ele se entrega ao personagem.
Vou aguardar mais para ter um parecer definitivo.
Assisti recentemente a minissérie através de DVD. É uma história envolvente, bem construída. Imagino a repercussão que possa ter dado na época.
Marília Pêra e Cláudio Marzo em brilhantes atuações.
Parabéns pelo texto, Dani. É sempre bom deliciar-se no Melão!
Abraços!
Paulinho
Parabéns pelo texto Dani.
Não vi a minissérie, mas fiquei com muita vontade agora!
Abraço Vitor!
Fábio
www.ocabidefala.com
Obrigado pelos comentários! ;)
Foi um prazer participar do Melão!
olha, eu gostei bastante ,apesar de ser ainda criança, dez anos e haver assuntos que ficaram como lacunas pra mim, pois era uma minissérie moderna pra época e certas coisas nao se falavam mesmo em casa...lembro das pessoas se indignando com a história do casal mais jovem( onde já se vira tal modernismo no Brasil?). Fcou a interpretação pra mim surpreendente da Marília como uma mulher normal ,sem o humor que sempre havia nos seus personagens e a sempre tensão de saber como iria terminar...grande minissérie e ótimo texto, Daniel!! Me dá uma bruta saudade do meu olhar pras coisas da tv...
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