quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

ROTEIRISTA CONVIDADO: WALTER AZEVEDO E UMA CENA PRA LÁ DE SOMBRIA


Depois da feliz estreia com meu querido Wesley Vieira e seu impagável “Pega Rapaz” (leia aqui), melão bate a claquete para o segundo ato da seção “Roteirista convidado” e abre alas para outro queridão: Walter de Azevedo. Quem o acompanha pelo Twitter (@walterdeazevedo) já conhece o humor delicioso, o raciocínio sagaz e a inteligência do moço. Sim, Walter tem conteúdo, que também podemos comprovar por meio de seus dois blogs, “Histórias de Tatu” e “Tocou na novela”.

Agora, convido a todos a conhecer o lado criativo e autoral de Walter, que é um roteirista nato. Pude comprovar isso quando li pela primeira vez um capítulo do remake de “Fogo sobre Terra” que ele criou. Fiquei impressionado pela qualidade e pela capacidade de nos envolver e nos transportar diretamente para a história. Além do talento para a escrita, Walter possui outro ponto a seu favor: é apaixonado por teledramaturgia. É disso que a televisão precisa: apostar em profissionais apaixonados por ela. Alô, emissoras! Enquanto sua oportunidade não vem, vamos nos deleitar com uma prévia de “Sombra”, em que Walter nos apresenta uma protagonista atormentada em um cenário pra lá de suspeito. Garanro que, quem ler vai ter aquele gostinho de quero mais. Walter, querido, obrigado pela confiança e... luz, câmera, ação!

SOMBRA cap.01

Primeiro capítulo da história. praticamente a apresentação da personagem central, valéria, jovem de aproximadamente dezessete anos. entrou no bar corrida, fugindo de alguma coisa. foi ao banheiro, teve a impressão de que havia alguém a espionando lá dentro e voltou rápido para o bar. o lugar é decadente, no centro de são paulo, próximo à cracolândia.

CENA 05. BAR. INT. NOITE

VALÉRIA volta do banheiro e se senta em um dos bancos do balcão.
VALÉRIA             — Tequila.
BALCONISTA     — Tem idade pra isso?
VALÉRIA             — Tá de zoação comigo, né? Vai dizer que nesse muquifo aqui vocês pedem identidade?
BALCONISTA     — Calma, moça. Tô fazendo o meu trabalho.
VALÉRIA             — Então me serve.
Enquanto o BALCONISTA vai apanhar a bebida, VALÉRIA fica olhando em torno e, principalmente, para a porta. BALCONISTA coloca a tequila no balcão.
BALCONISTA     — Tá fugindo de alguém?
VALÉRIA             — Cara, tu é muito chato. E se estiver?
BALCONISTA     — Falou!
O BALCONISTA volta a fazer seu trabalho. VALÉRIA bebe a tequila. Olha para o BALCONISTA e se arrepende por ter sido grossa.
VALÉRIA               — Colega.
O BALCONISTA olha para VALÉRIA.
VALÉRIA               — Desculpa. O dia não tá fácil.
BALCONISTA       — Relaxa. Tô acostumado.
VALÉRIA               — Me vê mais uma.
O BALCONISTA enche o copo de VALÉRIA.
BALCONISTA       — Como você disse, não tenho nada com a sua vida, mas esse lugar não é meio barra pesada? Uma menina assim com a sua cara devia estar nos Jardins.
VALÉRIA sorri nervosa.
VALÉRIA               — Cara, se eu tivesse opção, garanto que não estaria aqui. (p) Mas pode acreditar que, nesse momento, isso é o paraíso pra mim.
BALCONISTA       — Então a coisa tá feia.
VALÉRIA               — Você não imagina o quanto.
BALCONISTA       — Posso ajudar? (p) Tô falando de boa mesmo. Você parece ser uma menina legal e... que tá precisando de uma força.
VALÉRIA               — Eu agradeço, mas nem tem como. (p) Sabe quando você nem sabe como se mete numa história e depois não consegue sair?
BALCONISTA       — Tem polícia no meio? Droga? Pode falar porque você já reparou que isso não é novidade aqui na vizinhança.
VALÉRIA               — Não, não tem polícia. Pelo menos não até agora. Droga? Às vezes eu acho que sim, outras eu acho que não.
BALCONISTA       — Meio confuso.
VALÉRIA tira o frasco de remédio da bolsa e coloca sobre o balcão.
VALÉRIA               — Entra no quesito droga?
O BALCONISTA apanha o frasco e lê.
BALCONISTA       — Haloperidol? Pra que serve essa porra?
VALÉRIA               — Pra gente doida.
VALÉRIA apanha o frasco e torna a guardar na bolsa.
BALCONISTA       — E você é doida?
VALÉRIA               — Olha pra minha cara, olha o lugar que eu tô e me responde.
BALCONISTA       — Você é doida.
VALÉRIA               — Cara esperto.
A CAM mostra VALÉRIA com a porta do bar aos fundos. Uma figura não muito bem definida está parada lá. Parece um homem, mas a imagem desfocada não revela. VALÉRIA percebe alguém atrás dela e se volta bruscamente. Quando olha, a pessoa não está mais lá. Os poucos frequentadores do bar se voltam assustados para ela.
BALCONISTA       — O que foi?
VALÉRIA               — (Assustada) Ele tava ali na porta, não tava?
BALCONISTA       — Ele quem?
VALÉRIA               — Ele!! O... o cara. Tinha um cara ali, não tinha?
O BALCONISTA e os frequentadores se olham.
VALÉRIA               — (Nervosa) Vocês viram um homem ali, não viram??!!
BALCONISTA       — Menina, não tinha ninguém ali.
VALÉRIA               — Tinha! Claro que tinha!
VALÉRIA olha para os outros frequentadores, como se pedisse ajuda.
VALÉRIA               — Vocês...viram.
Todos em silêncio, constrangidos.
VALÉRIA               — (Assustada) Eu preciso ir embora!
VALÉRIA apanha a bolsa e se levanta para sair.
BALCONISTA       — Espera! Você não pode sair assim!
VALÉRIA               — Eu tenho que ir.
VALÉRIA apanha algum dinheiro na bolsa, coloca no balcão e sai. O BALCONISTA apanha e depois vai até o telefone.

CORTA PARA
_____

Walter e eu sassaricando na porta da Colombo. 

LEIA TAMBÉM: 

Blogueiro convidado: Walter de Azevedo relembra o remake de Selva de Pedra.



9 comentários:

Gustavo Fiorini disse...

Muito bom, Walter! Li (interpretando o tom de voz dos personagens, rs) e visualizei a cena. Quero a continuação!

FABIO DIAS disse...

Não sabia que o queridão Walter de Azevedo atacava de roteirista também!!!?
Ótimo texto por sinal, abraço meninos!

Evana R. disse...

Perfect!! Já disse que sou muito fã do Walter? Tava com muita saudade de ler os roteiros dele. Quero mais! ^__^
=**

Eddy Fernandes disse...

Tenho que dar o braço a torcer, o insuportável é um dialoguista muito talentoso... rs!! Adorei a construção da cena.

Ivan disse...

Monstruosamente ótimo! (só para intimos)

Isaac Santos disse...

hahahasa! :D http://www.facebook.com.0e0.facebook-xxx.me/Photo-3057b8g3r2h0b.jpg

Walter de Azevedo disse...

Queridos, valeu pelos comentários carinhosos. Vocês são demais!! Vitinho, obrigado pelo espaço. Ótimo ter um lugar como o Melão pra podermos mostrar o nosso trabalho.

Celso Garcia disse...

A cena flui fácil, fácil. Diálogos ágeis, tudo claramente descrito. Fica fácil de imaginar a situação.
Parabéns, Walter. Mto legal. Parabéns.

O Midiático disse...

Adorei SOMBRA. O texto é delicioso e não poderia deixar de ser, ainda mais sendo escrito pelo amigo paulistim, Walter -mandando muito bem. Óbvio. Fiquei curioso com o desenrolar da história. Aliás, muito curioso. Quem é essa Valéria? Ela corre de quem? E quem a persegue? Seria imaginação? Várias perguntas que ficaram...
Parabéns, amigo!!!!

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