terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Muito além de Sassá Mutema


Relações familiares e amorosas também foram abordadas com bastante competência e sensibilidade em “O salvador Da Pátria” (1989).


Marina e João: paixão avassaladora
Quando se fala de “O salvador da pátria”, novela de Lauro Cesar Muniz, escrita com Alcides Nogueira e Ana Maria Moretsohn (que emendou este trabalho  com "Tieta"), com direção geral de Paulo Ubiratan, a lembrança que vem à tona é a trajetória do simplório boia-fria e sua impressionante escalada, de analfabeto à prefeito de Tangará (e, por um triz, presidente do Brasil). Usado como massa de manobra pelos políticos locais, Sassá Mutema (Lima Duarte, magistral) ganhou popularidade e o amor da doce professorinha Clotilde (Maitê Proença), por quem nutria um amor platônico desde o início da trama. No entanto, há outros aspectos da novela pouquíssimo lembrados, mas que também merecem destaque.

Apesar da forte temática política, Lauro César Muniz também abordou com extrema competência as complexas relações amorosas e familiares dos personagens, sobretudo das famílias dos dois poderosos da cidade e inimigos políticos: Severo Blanco (Francisco Cuoco) e Marina Cintra (Betty Faria). O entrecho criado por Lauro tinha tudo pra cair no clichê: o filho de Severo, Sérgio (Maurício Mattar) apaixona-se por Camila (Mayara Magri), filha de Marina. Mas o que poderia ser mais um insosso “Romeu e Julieta” tornou-se algo interessantíssimo, já que os personagens estavam longe de serem rasos. Eram complexos, falhos, logo, humanos.


 Camila não era uma tradicional mocinha inocente. Pelo contrário, liberadíssima sexualmente, a moça teve vários romances no decorrer da trama, inclusive chegando a confessar à mãe que gostava dessa vida, quando esta lhe pediu satisfações por ter passado três noites fora de casa na companhia de três homens diferentes. Marina conversava sobre sexo abertamente com as filhas Camila e Alice (Suzy Rego), que também tinha uma atribulada vida amorosa. As duas chegaram, inclusive a dar em cima de João/Miro (José Wilker), pretendente da mãe.

Sérgio também não era nenhum santo. Casado com Sílvia (Alexandra Marzo), ele hesitou bastante em abandoná-la para assumir seu amor por Camila. Severo tinha um caso extraconjugal com Marlene (Tássia Camargo) e a relação dos dois era sabida e tolerada por Gilda (Susana Vieira), esposa de Severo. Mas a filha do casal Rafaela (Narjara Turetta, em ótimo momento), com fixação pelo pai e inconformada com a hipocrisia da família, fez de tudo para desmascará-lo. Reprimida sexualmente, Rafaela se casa com Régis (Eduardo Galvão) e tem muitas dificuldades de se entregar a ele. Sequelas do casamento dos pais em uma trama muitíssimo bem construída pelo autor. 

Marina (Betty Faria)  e Lauro (Cecil Thiré) : relação franca

Marina, por sua vez, tinha um relacionamento com Lauro (Cecil Thiré). E em uma das cenas mais ousadas que já assisti, impossível para os caretíssimos dias de hoje, Marina confessa ao amante que fingiu prazer em todas as relações sexuais e que jamais chegara ao orgasmo com ele. Sem sensacionalismo ou apelação, a cena foi delicada e verossímil. Mais tarde, ao se envolver com o misterioso João, Marina, enfim, encontrava o prazer. Interessante que Betty Faria emendou essa novela com “Tieta”, que foi um verdadeiro furacão, mas as personagens eram muitíssimo diferentes. Marina era uma viúva de maia idade, ainda bela, mas com uma sensualidade contida que em nada lembra a esfuziante cabrita do Agreste. Betty soube construir uma Marina com nuances e sutilezas. Uma mulher dura que aos poucos ia redescobrindo o prazer e o amor nos braços de João.



Conhecido por suas tramas essencialmente masculinas, Lauro César Muniz mostrou ser ótimo conhecedor do universo feminino através dos anseios de Marina, Camila, Gilda, Rafaela e Alice e construiu diálogos primorosos, junto com Alcides e Ana Maria, colaboradores da novela na época, distantes de qualquer esquematismo ou maniqueísmo, onde tudo era dito às claras, sem didatismo nenhum, de maneira bastante natural. Os personagens da novela eram riquíssimos de qualidades e defeitos, longe de estereótipos e da tão manjada polaridade “bem contra o mal” que assola as novelas mais recentes.

Enfim, que Lima Duarte deu um show à parte com Sassá Mutema ninguém contesta. Mas é importante que “O salvador da Pátria” também seja lembrada como uma novela ousada, que abordava as relações amorosas e familiares de maneira crítica e consistente, moderna para a época e praticamente impossível para os dias de hoje com a constante patrulha moralista que ronda nossa teledramaturgia. Que o Canal Viva se lembre de reprisar essa novela, que merece ser vista pelo telespectador atual. 

Francisco Cuoco e Susana Vieira: o mulherengo Severo e a submissa Gilda.

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15 comentários:

Eddy disse...

Vou ser bem honesto. Por mais que a trama política da história seja muito bem engendrada, o que me prende mesmo em "O Salvador da Pátria" são as histórias 'de novela'. Os romances, as relações familiares, enfim.

Gosto muito do núcleo da Marina Sintra. Principalmente da Camila (Mayara Magri, em excelente forma). Há uma cena maravilhosa, logo no início, quando Camila seduz o engenheiro interpretado pelo Marcos Paulo e só não consegue levá-lo para a cama, porque a mãe interrompe. É uma sequência longa, com diálogos apuradíssimos, de imenso magnetismo. Mayara dá um show!

A Gilda é outra personagem bem construída. Grande momento de Bisa Virgem, que poucos se lembram. Ótimo post, tio Vitor. Adorei a iniciativa de lembrar essa novela incrível do LCM.

Parabéns!!

O Midiático disse...

Palmas!!! Palmas!!!!
Adorei esse post. O Salvador da Pátria é uma das minhas novelas preferidas. Vi sua reprise em 98 e não perdia um capítulo. Acho a história forte, contudente, bem amarrada e nem um pouco clichê... Aliás, como as novelas cairam nos clichês vazios né?
O certo é que O Salvador da Pátria, apesar do sucesso de audiência, teve muitas criticas, algumas justas, mas muitas delas injustas.
Essas relações familiares e amorosas que o Melão citou, realmente davam um excelente prato pra grandes histórias que se estenderam durante 7 meses e vieram provar que essa novela foi muito mais além do Sassá Mutema (eterno!).
Tbm espero muito que o Viva faça um revival dessa novela.

Walter de Azevedo disse...

Sou fã de O Salvador da Pátria, apesar de achar que ela perde fôlego, talvez até pelas mudanças que os autores foram obrigados a fazer, deixando a questão política de lado.
Lembro que achava a trama ousada, principalmente nas questões sexuais, como foi comentado no texto.
Ótima análise da trama, Vitinho.

Unknown disse...

Eu tive o prazer de assistir essa novela no "Vale a Pena ver de novo". Me encantou do primeiro ao último capítulo. E não só pela história do Sassá Mutema. A novela, como um todo, era boa, é capaz de despertar fascínio no espectador. Taí uma novela que merecia um remake.

Eddy disse...

Vou discordar de você, Leonardo. Uma reprise podia entrar em pauta. Mas... remake? Um dos grandes problemas da teledramaturgia atual, na minha opinião, é justamente essa avalanche de remakes. Sejam eles, simples 'copy-pastes' que nem os das irmãs Barbosa ou uma 'nova versão' como a de Maria Adelaide Amaral.

Já falei isso zil vezes, mas volto a bater na tecla. O que está faltando é ousadia, originalidade. E outra, que com essa censura velada de hoje em dia, nunca que os conflitos sexuais de O Salvador seriam abordados decentemente. Inclusive, não duvido que a trama política tivesse que ser abortada novamente.

Ivan disse...

Fantastico esse post! um dos melhores do melão, adoro analises de personagens!!!!!

Salvador não é das minhas novelas favoritas, apesar do maravilhoso inicio, mas sabemos as intervenções do poder q atrapalharam bastante a trama.

e com relação ao EU PREFIRO A MELÃO, faço as vezes da Camila : ''Eu gosto!''

Duh Secco disse...

O pouco que vi de O Salvador da Pátria no Vale a Pena Ver de Novo, em 1998, foi suficiente para tornar esta uma de minhas tramas preferidas. Em parte pela ótima trama central, com o trabalho primoroso de Lima Duarte. Em parte pelas relações amorosas muito bem conduzidas. Ressalto aqui o ótimo trabalho de Susana Vieira, como a submissa Gilda, de uma época em que a atriz se interessava mais por bons personagens do que pelas capas da Caras.

Vale muito a pena uma reprise. Assim como vale muito esse registro perfeito do meu querido Vitor. Amei!

Fábio Leonardo disse...

Que belo post!

É muito interessante quando tentamos olhar para as novelas, além daquilo que elas nos mostram. O Salvador da Pátria foi crítica política e policial, mas também foi amor e relações familiares. E como foi!

Da mesma forma, e abrindo aqui um parêntesis, relembro A Favorita, marcante pela oposição Flora/Donatela, mas que contava com personagens como Catarina, profunda e belissimamente interpretada por Lilia Cabral, bem como Irene e Copola, que conseguiram escapar de ser mais um casal televisivo vivido por Glória Menezes e Tarcísio Meira.

Voltando para a novela do Sassá (não dá pra negar que foi), Betty Faria foi, realmente, sua grande estrela dramática. E é necessário que relembremos e evidenciemos isso.

Abração, garoto!

Daniel Pepe disse...

Não esperava que logo na sequência de "Vale Tudo" pudesse vir outra trama tão interessante que abordasse ética e honestidade, tal qual sua antecessora, embora de outra forma. Lembro bem de algumas pessoas reclamarem do apelo sexual que a novela tinha, pelas inúmeras cenas que incitavam ao sexo, comentários que sempre vão existir enquanto houver algum falso moralismo.

Mais uma vez é muito bom ler um texto crítico sobre uma novela antiga onde o óbvio e sempre discutido, nesse caso o enfoque político, é deixado em segundo plano para se aprofundar em outras questões menos exploradas como as relações amorosas/familiares.

Parabéns, Melão!

Nilson Xavier disse...

Ótimas observações Vitor!

Esta é outra novela dos bons tempos!

Aqueles que parecem que não voltam mais...
a não ser que seja pelo Viva!
Oremos!

Unknown disse...

Lembro que quando assisti essa novela eu não gostei, não tinha paciência com o Sassa Mutema. gostaria de rever p ver se muda a impressão

Isaac Abda disse...

amei O Salvador da Pátria... muito válido ressaltar que a Narjara Turetta estava ótima... saudade de uma época em que as novelas eram boas em sua essência, cada ator merecia o personagem, não víamos tantos "candidatos a fama" como hoje... trilha sonora, direção, elenco afinadíssimo, texto impecável...

ótimo post, Vitor... curto demais seu blog... abraço!!!

Thiago disse...

Não assisti "Salvador da Pátria" e fiquei feliz com seu bom senso em apontar outros aspectos relevantes da trama além dos entrechos de Sassá Mutema.
Dá oportunidade às pessoas que não assistiram a trama de se aprofundar - não permitindo que comentários tendenciosos encontrados na internet sobre a trama obstem de conhecerem melhor a história...

Mais um ponto pro Melão!

TH

Fernanda Dornelles disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fernanda Dornelles disse...

Linda Betty Faria! Emendou um trabalho no outro brilhantemente! ❤
Gostaria muito que o Viva reprisasse O Salvador da Pátria! Assisti na infância!

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