quarta-feira, 27 de julho de 2011

Blogueiro convidado: Vinícius Sylvestre relembra "O bem amado"


Um teatrólogo e o seu “Bem Amando”
Por Vinícius Roberto Sylvestre

Como fã incondicional das telenovelas de décadas como as de 70 e 80, sempre tive uma grande inquietação e euforia ao assistir trechos exibidas nos “Videos Shows” e “Youtubes” da vida. Graças à generosidade de alguns amigos noveleiros como eu, consegui a coleção de algumas tramas global, dentre essas a surrealista, “O Bem Amado”, de autoria do inesquecível Alfredo de Freitas Dias Gomes, ou popularmente conhecido como: Dias Gomes. Gostaria de compartilhar minhas memórias sobre essa trama com os leitores do Melão.

O ano era o de 1973, quando muitos acontecimentos de relevante importância marcavam aquela época: no Brasil estreava a primeira novela a cores, diga-se de passagem, transmitida no horário das 22:00 h. A supervisão e direção ficaram nas mãos dos já consagrados Daniel Filho e do saudoso Régis Cardoso.

Carlos Dolabella, Milton Moraes e Régis Cardoso em cena de "O espigão"
Naquela época, Dias Gomes já era um autor de teatro e de televisão importantíssimo a favor da cultura brasileira, tendo emplacado sucessos na TV como: A Ponte dos Suspiros (1969); Verão Vermelho (1970); Assim na Terra como no Céu (1970/1971); Bandeira 2 (1971/1972). Todas produzidas e transmitidas pela Rede Globo de televisão.
A base da novela “O Bem Amado” era, sob o pretexto de narrar o cotidiano da população de uma cidade fictícia no litoral baiano, o autor satirizava, com humor e senso crítico, o Brasil da ditadura militar. Polêmico por suas obras, naquele ano, Dias Gomes trazia os atores Paulo Gracindo e Lima Duarte em antológicas interpretações: o primeiro como coronel que vira prefeito, de nome Odorico Paraguaçu; e o segundo como seu algoz eterno, o pistoleiro jeca Zeca Diabo.

Paulo Gracindo como Odorico Paraguaçu e Lima Duarte como Zeca Diabo

Sucupira não tem onde enterrar os seus mortos, tendo que recorrer às cidades vizinhas, a três léguas de distância. Com o slogan “Vote em um homem sério e ganhe um cemitério”, Odorico Paraguaçu se elege prefeito, prometendo realizar a obra que devolverá a dignidade ao povo. O grande “entretanto” – como diria o prefeito –  é que, uma vez concluídas as obras, ninguém mais morre na cidadezinha. A situação deixa Odorico furioso. Sem defunto, não é possível inaugurar o cemitério, coroando de êxito sua administração. Mas, se ninguém morre, não há defunto, já que “o falecimento é condição sine qua non do estado “defuntício”, nas palavras de Odorico. A partir deste fato dá-se o desenrolar dessa fantástica história.

Um quarteto amoroso de destaque na trama é formado por Odorico Paraguaçu, Dorotéia (Ida Gomes), Dulcinéia (Dorinha Durval) e Judicéia (Dirce Migliaccio), mais conhecidas como as irmãs Cajazeiras, suas maiores aliadas. Dorotéia é a mais velha, líder na Câmara de Vereadores da cidade. Dulcinéia, a do meio, é seduzida pelo prefeito. E Judicéia é a mais nova – e mais espevitada. São três solteironas avessas a imoralidades – pelo menos em público, já que Odorico sempre aparecia de noite para tomar um “licor de jenipapo”...


Para relembrar: uma cena da novela O Bem Amado, de Dias Gomes, com Paulo Gracindo (inesquecível), na pele do prefeito Odorico, cercado das irmãs Cajazeiras.

De outro, tem que lutar com a forte oposição liderada pela delegada de polícia Donana Medrado (Zilka Salaberry), que conta com o dentista Lulu Gouvêia (Lutero Luiz), inimigo mortal do prefeito e líder da oposição na Câmara – atracando-se constantemente com Dorotéia no plenário. E ainda com o jornalista Neco Pedreira (Carlos Eduardo Dolabella), dono do jornal local, A Trombeta. O meio-termo se fazia com a presença de Nezinho do Jegue (Wilson Aguiar), defensor fervoroso de Odorico quando sóbrio, e principal acusador, quando bêbado.

Maquiavelicamente, o prefeito arma tramas para que morra alguém, sendo sempre mal sucedido. Nem as diversas tentativas de suicídio do farmacêutico Libório (Arnaldo Weiss), um tiroteio na praça e um crime lhe proporcionam a realização do sonho. Para obter êxito, Odorico traz de volta a Sucupira um filho da terra: Zeca Diabo, um pistoleiro redimido, que recebe a missão de matar alguém para a inauguração do cemitério.

Como se não bastasse, Odorico ainda tem que enfrentar os desaforos de Juarez Leão (Jardel Filho), médico personalístico da oposição, que se envolve com sua filha Telma (Sandra Bréa) e faz um bom trabalho em Sucupira, salvando vidas – para desespero de Odorico.

Ao final, uma irônica surpresa: Zeca Diabo, revoltado, mata Odorico, que, finalmente, inaugura o cemitério!


Outro personagem de destaque na trama é Dirceu Borboleta (Emiliano Queiroz), o secretário pessoal de Odorico, que é tão tímido que parece que jamais deixará sua coleção de borboletas para se casar com Dulcinéia Cazajeira. Mais tarde, a senhorita engravida de Odorico, e se casa com Dirceu, que acredita ser o pai da criança. Trata-se de um rapaz ingênuo, que alterna ataques de fúria com momentos de mansidão. Trabalha na prefeitura e dedica fidelidade canina a Odorico, a quem ama como a um pai, embora seja tratado como um capacho.

O secretário Dirceu Borboleta

A cena mais comentada e lembrada é a do pescador Zelão das Asas (Milton Gonçalves) sobe no alto da torre da igreja. A imagem congela e a voz de um narrador diz: “Aqui, a nossa história pára, pois tudo o que sabemos daí em diante é de ouvir contar. Não é que a gente não acredite, pois caso um dia você vá a Sucupira vai ver que lá ninguém duvida.” A cena volta a ganhar movimento. Zelão faz o sinal da cruz e, diante dos rostos pasmos dos moradores de Sucupira, se atira do alto da igreja. Todos murmuram entre si que ele está voando, e uma tomada do alto mostra o ponto de vista de Zelão planando sobre a praça. A voz narra, então, retorna: “E Zelão voou. Se você duvida, é um homem sem fé”.

Zelão e suas asas

Ao assistir essa novela tão brasileira e cheia de nuances interessantíssimas, do folclore e cultura brasileira, posso afirmar: Que mesmo não gostando de televisão, Dias Gomes se tornou um dos principais responsáveis pelo sucesso do veículo e é considerado um dos seus melhores autores. Há quem não goste, que prefira uma trama repleta de cenas de romance, ou com guinadas de ação, sem ter oportunidade de respirar um pouco diante da telinha, mas eu admiro muito o estilo do autor de nos fazer parar e refletir sobre as nossas origens, histórias pitorescas, tipos e criaturas peculiares e a política do nosso país, que de lá pra cá não mudou quase nada!!!

Não foi à toa que o documentário em homenagem ao grande Paulo Gracindo ganhou o título de O Bem Amado. Já nos anos 80, Paulo Gracindo voltou a encarnar o personagem Odorico Paraguaçu no seriado de grande sucesso. E como dizia o Coronel Odorico: “Vamos voltar pros entretantos e partir pros finalmentes !”

“A TELENOVELA DEVERIA SER UMA NOVA FORMA DE ARTE DRAMÁTICA... COMO UMA LINGUAGEM ACESSÍVEL A TODOS”.

(Dias Gomes)

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VINÍCIUS ROBERTO SYLVESTRE é formado em Comunicação Social, Roteirista e, acima de tudo, noveleiro apaixonado, requisito fundamental para ser colunista do melão, que agradece pela oportuna lembrança de um de nossos maiores e mais importantes autores e sua genial, inesquecível  e bem amada obra-prima.


4 comentários:

Eduardo Vieira disse...

excelente!!! não lembrava dos bordões rsssss a mlnha personagem preferlda era a Telma mesmo que batla de frente com o Odorlco.Novela perfelta que nunca reprlsará pelo jelto!!! parabéns mr. Sllvestre!

Jonathan Figueiredo disse...

Nossa! acabo de ter a novela retransmitida em minha mente ao ler este texto magnífico.

Brunno Duprat disse...

Vendo o filme pude ter uma noção do que foi essa novela. Bem que poderiam fazer um remake dela, no formato de O Astro!

José Marques Neto disse...

"Quem tem fé, voa." Nunca esqueci desse bordão do Zelão das Asas.

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