quinta-feira, 26 de abril de 2012

Blogueiro convidado: Raphael Scire analisa a classe C em “Avenida Brasil”.



Depois de um instigante texto que deu o que falar sobre a metalinguagem em “Ti Ti Ti”, o blogueiro convidado Raphael Scire está de volta e dessa vez, aprofunda a tão comentada questão sobre a chamada “invasão” da classe C no mundo da teledramaturgia, relembrando alguns aspectos da trama de “Insensato Coração” e “Fina Estampa” para, finalmente, desembocar em “Avenida Brasil”. Raphael defende a naturalidade com que João Emanuel Carneiro retrata essa importante parcela da sociedade em sua trama. Confira mais esse texto instigante, arguto e muitíssimo bem escrito de nosso querido Raphael. Melão agradece mais essa participação.

O retrato natural
Por Raphael Scire



Muito se fala sobre a nova classe C e a ânsia das emissoras de conquistar esse público cada vez mais ascendente no Brasil. “Avenida Brasil”, de João Emanuel Carneiro, nem tinha estreado e uma enxurrada de reportagens já vendiam a novela como mais um símbolo desse estrato social. De fato, a trama retrata, sim, a classe média, das periferias das grandes cidades, mas não se restringe apenas a isso.
O que me espanta é que simplesmente esqueceram de que o grande público das telenovelas sempre foi composto pela classe média. A diferença é que antes, majoritariamente os ricos eram retratados no universo televisivo e, desde “Insensato Coração”, há uma tentativa de incluir a classe C como protagonista das obras (vale lembrar que Aguinaldo Silva sempre teve uma pegada no popular, sem, com isso, ser populacho).

Gilberto Braga e Ricardo Linhares, à época do lançamento de “Insensato”, declararam que a novela iria retratar esse público. Não fizeram tanto, afinal, é difícil tirar de Braga o estigma de autor do grande-monde (ninguém escreve tão bem sobre ricos como ele) e a história de Norma (Gloria Pires), depois que ficou rica e viúva, e sua ânsia por vingança fisgou o público.

Aguinaldo Silva, esse sim, fez um retrato desse novo perfil do brasileiro, ainda que caricatural. Griselda (Lilia Cabral) era a personificação dos valores morais e éticos, ficou rica depois de um golpe de sorte na loteria, mas nem por isso esnobe. Sequer contratou empregada doméstica para limpar a mansão para onde se mudara.
Já em “Avenida Brasil”, Monalisa (Heloisa Perrissé) assume o papel da self-made woman: saiu da Paraíba, foi para o Rio de Janeiro ganhar a vida, trabalhou, conquistou bens e hoje “manda no controle remoto da televisão”. O subúrbio criado por Carneiro é verossímil, apresenta personagens passíveis de serem encontrados pelas ruas e por isso gera identificação com o grande público. A cenografia do bairro é primordial para essa identificação.

O humor da história ficou deslocado para o núcleo rico, de Cadinho (Alexandre Borges) e suas desventuras conjugais. Reparem que, antigamente, muitas novelas usavam o núcleo pobre para fazer rir. Hoje, o drama foi para lá e o riso ficou com os abastados. Até mesmo “Fina Estampa”, guardada as devidas proporções, invertia essa lógica. Tereza Cristina (Christiane Torloni), com toda sua empáfia, era responsável por momentos de diversão ao lado de Crô (Marcelo Serrado) e os outros serviçais.
Mas o que mais chama atenção é a família de Tufão (Murilo Benício). Dinheiro eles têm de sobra, já refinamento, fica em falta. Basta olhar a decoração de gosto duvidoso da mansão – aqueles abacaxis de vidro que decoram a mesa de jantar parecem ter saído de “A Grande Família”. Carneiro criou uma família de classe média tal qual ela é. Falam alto, um por cima do outro, atropelam-se, vivem se cruzando nos cantos da casa, proferem barbaridades e acham que estão por dentro de todos os assuntos que são jogados em pauta. Não há mais aqueles momentos de café da manhã serenos que Manoel Carlos escreve tão bem.

Isso, no entanto, não é demérito, pelo contrário: traz ânimo (e graça, por que não?) à trama. Fora que Eliane Giardini (Muricy) e Marcos Caruso (Leleco) dão show em cena. Faz-se necessário ressaltar o figurino dos dois, brega até dizer chega.  
Outra personagem que salta aos olhos dos telespectadores é Suélen (Isis Valverde). A morena escandalosa, vulgar e gostosona não é difícil de ser encontrada pelas periferias do Brasil. É uma personagem real, que usa roupas curtas, calças coladas, unhas gigantes e pintadas de esmaltes extravagantes.



E João Emanuel Carneiro retrata tudo isso de maneira natural, sem levantar estandartes dizendo que sua novela é para a classe tal ou que tal (na verdade, nenhum autor faz isso; quem faz é a imprensa, que rotula cada um, etiquetando estilos). Sem querer, Carneiro conquista todos os públicos e cria uma história instigante, que prende o telespectador frente à tela e o faz querer acompanhar as cenas do próximo capítulo. 
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4 comentários:

Efe disse...

O naturalismo e até ironia com que a tão falada "classe C" é retratada em Avenida Brasil que faz diferencial em relação à sua antecessora Fina Estampa: lá, os integrantes de tal segmento não passavam de forçadas caricaturas, enquanto aqui divertem naturalmente sendo eles mesmos.

A decoração de mau gosto da suntuosa mansão dos novos-ricos encabeçados por Tufão e Carminha, ávidos por mostrar a todos o quanto são ricos e "chiques"(?); a moça vulgar de roupas justas e decotadas que se exibe sem o menor pudor para todos, como a Suellen; os barracos entre viznhos a céu aberto são ótimos exemplos citados no texto. Sem contar que a própria classe "elitizada" é alfinetada por João Emanuel Carneiro em Avenida Brasil: lembro-me de uma cena em que a personagem da Débora Bloch desdenha da família do Tufão por não ter modos e misturar caviar com ovo, e o marido, interpretado por Alexandre Borges, lhe questiona: "E você, quantos livros lê por ano?".

Parabéns pelo ótimo texto, Raphael Scire!

Rafael Barbosa dos Santos disse...

Excelente texto, Avenida Brasil, é bem isso, a família de Tufão, lembra a minha própria família, hehehe, uma gritaria a todo momento, onde todo mundo briga, mais no fundo todos se amam. brigas com a que Suellen teve esses dias com Monalisa e Olenka no salão, vejo direto na minha própria rua. Sem falar no barzinho, sinuquinha, cervejinha, isso tudo está tão próximo da gente (pelo menos de mim), que é como se esses personagens fossem nossos amigos e vizinhos. Avenida é show, uma novela vale a pena ver. novela não, novelão e bota "ão" nisso. Há e eu tambem ja havia percebido que diferente das outras novelas, os ricos é que estão responsáveis pelo humor, em quanto no suburbio se concentra a trama principal, que não é uma trama qualquer. Abraço.

http://brincdeescrever.blogspot.com.br/

Sérgio Santos disse...

Muito bom esse texto. Concordo plenamente. Também compactuo com a opinião do Emerson! Um outro fator interessante é que o João Emanuel Carneiro está debochando da classe C em vários momentos, através de ironias no texto, o que é ótimo. Já em Fina Estampa era exatamente ao contrário: a novela é que debochava do público.

Anônimo disse...

Novela para a nova classe C com qualidade é "Avenida Brasil". Sem mais.
Lucas - www.cascudeando.zip.net

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