Depois de um instigante texto que deu o que falar sobre a
metalinguagem em “Ti Ti Ti”, o blogueiro convidado Raphael Scire está de volta e dessa vez, aprofunda a tão comentada questão sobre
a chamada “invasão” da classe C no mundo da teledramaturgia, relembrando alguns
aspectos da trama de “Insensato Coração” e “Fina Estampa” para, finalmente,
desembocar em “Avenida Brasil”. Raphael defende a naturalidade com que João
Emanuel Carneiro retrata essa importante parcela da sociedade em sua trama. Confira
mais esse texto instigante, arguto e muitíssimo bem escrito de nosso querido
Raphael. Melão agradece mais essa participação.
O retrato natural
Por
Raphael Scire
Muito se fala sobre a
nova classe C e a ânsia das emissoras de conquistar esse público cada vez mais
ascendente no Brasil. “Avenida Brasil”, de João Emanuel Carneiro, nem tinha
estreado e uma enxurrada de reportagens já vendiam a novela como mais um
símbolo desse estrato social. De fato, a trama retrata, sim, a classe média,
das periferias das grandes cidades, mas não se restringe apenas a isso.
O que me espanta é
que simplesmente esqueceram de que o grande público das telenovelas sempre foi
composto pela classe média. A diferença é que antes, majoritariamente os ricos
eram retratados no universo televisivo e, desde “Insensato Coração”, há uma
tentativa de incluir a classe C como protagonista das obras (vale lembrar que Aguinaldo
Silva sempre teve uma pegada no popular, sem, com isso, ser populacho).
Gilberto Braga e
Ricardo Linhares, à época do lançamento de “Insensato”, declararam que a novela
iria retratar esse público. Não fizeram tanto, afinal, é difícil tirar de Braga
o estigma de autor do grande-monde (ninguém escreve tão bem sobre ricos como
ele) e a história de Norma (Gloria Pires), depois que ficou rica e viúva, e sua
ânsia por vingança fisgou o público.
Aguinaldo Silva, esse
sim, fez um retrato desse novo perfil do brasileiro, ainda que caricatural.
Griselda (Lilia Cabral) era a personificação dos valores morais e éticos, ficou
rica depois de um golpe de sorte na loteria, mas nem por isso esnobe. Sequer
contratou empregada doméstica para limpar a mansão para onde se mudara.
Já em “Avenida
Brasil”, Monalisa (Heloisa Perrissé) assume o papel da self-made woman: saiu da Paraíba, foi para o Rio de Janeiro ganhar
a vida, trabalhou, conquistou bens e hoje “manda no controle remoto da
televisão”. O subúrbio criado por Carneiro é verossímil, apresenta personagens
passíveis de serem encontrados pelas ruas e por isso gera identificação com o
grande público. A cenografia do bairro é primordial para essa identificação.
O humor da história
ficou deslocado para o núcleo rico, de Cadinho (Alexandre Borges) e suas
desventuras conjugais. Reparem que, antigamente, muitas novelas usavam o núcleo
pobre para fazer rir. Hoje, o drama foi para lá e o riso ficou com os abastados.
Até mesmo “Fina Estampa”, guardada as devidas proporções, invertia essa lógica.
Tereza Cristina (Christiane Torloni), com toda sua empáfia, era responsável por
momentos de diversão ao lado de Crô (Marcelo Serrado) e os outros serviçais.
Mas o que mais chama
atenção é a família de Tufão (Murilo Benício). Dinheiro eles têm de sobra, já
refinamento, fica em falta. Basta olhar a decoração de gosto duvidoso da mansão
– aqueles abacaxis de vidro que decoram a mesa de jantar parecem ter saído de
“A Grande Família”. Carneiro criou uma família de classe média tal qual ela é.
Falam alto, um por cima do outro, atropelam-se, vivem se cruzando nos cantos da
casa, proferem barbaridades e acham que estão por dentro de todos os assuntos
que são jogados em pauta. Não há mais aqueles momentos de café da manhã serenos
que Manoel Carlos escreve tão bem.
Isso, no entanto, não
é demérito, pelo contrário: traz ânimo (e graça, por que não?) à trama. Fora
que Eliane Giardini (Muricy) e Marcos Caruso (Leleco) dão show em cena. Faz-se
necessário ressaltar o figurino dos dois, brega até dizer chega.
Outra personagem que
salta aos olhos dos telespectadores é Suélen (Isis Valverde). A morena
escandalosa, vulgar e gostosona não é difícil de ser encontrada pelas
periferias do Brasil. É uma personagem real, que usa roupas curtas, calças
coladas, unhas gigantes e pintadas de esmaltes extravagantes.
E João Emanuel
Carneiro retrata tudo isso de maneira natural, sem levantar estandartes dizendo
que sua novela é para a classe tal ou que tal (na verdade, nenhum autor faz
isso; quem faz é a imprensa, que rotula cada um, etiquetando estilos). Sem
querer, Carneiro conquista todos os públicos e cria uma história instigante,
que prende o telespectador frente à tela e o faz querer acompanhar as cenas do
próximo capítulo.
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4 comentários:
O naturalismo e até ironia com que a tão falada "classe C" é retratada em Avenida Brasil que faz diferencial em relação à sua antecessora Fina Estampa: lá, os integrantes de tal segmento não passavam de forçadas caricaturas, enquanto aqui divertem naturalmente sendo eles mesmos.
A decoração de mau gosto da suntuosa mansão dos novos-ricos encabeçados por Tufão e Carminha, ávidos por mostrar a todos o quanto são ricos e "chiques"(?); a moça vulgar de roupas justas e decotadas que se exibe sem o menor pudor para todos, como a Suellen; os barracos entre viznhos a céu aberto são ótimos exemplos citados no texto. Sem contar que a própria classe "elitizada" é alfinetada por João Emanuel Carneiro em Avenida Brasil: lembro-me de uma cena em que a personagem da Débora Bloch desdenha da família do Tufão por não ter modos e misturar caviar com ovo, e o marido, interpretado por Alexandre Borges, lhe questiona: "E você, quantos livros lê por ano?".
Parabéns pelo ótimo texto, Raphael Scire!
Excelente texto, Avenida Brasil, é bem isso, a família de Tufão, lembra a minha própria família, hehehe, uma gritaria a todo momento, onde todo mundo briga, mais no fundo todos se amam. brigas com a que Suellen teve esses dias com Monalisa e Olenka no salão, vejo direto na minha própria rua. Sem falar no barzinho, sinuquinha, cervejinha, isso tudo está tão próximo da gente (pelo menos de mim), que é como se esses personagens fossem nossos amigos e vizinhos. Avenida é show, uma novela vale a pena ver. novela não, novelão e bota "ão" nisso. Há e eu tambem ja havia percebido que diferente das outras novelas, os ricos é que estão responsáveis pelo humor, em quanto no suburbio se concentra a trama principal, que não é uma trama qualquer. Abraço.
http://brincdeescrever.blogspot.com.br/
Muito bom esse texto. Concordo plenamente. Também compactuo com a opinião do Emerson! Um outro fator interessante é que o João Emanuel Carneiro está debochando da classe C em vários momentos, através de ironias no texto, o que é ótimo. Já em Fina Estampa era exatamente ao contrário: a novela é que debochava do público.
Novela para a nova classe C com qualidade é "Avenida Brasil". Sem mais.
Lucas - www.cascudeando.zip.net
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