Costumo dizer que
todo brasileiro é um pouco técnico de futebol e autor de novela, duas paixões
que, definitivamente, já fazem parte de nosso patrimônio cultural e por isso
mesmo nos sentimos um pouco donos e queremos “zelar” pela qualidade de ambos,
exaltando quando tudo vai bem e também reclamando com a mesma paixão quando não
estamos satisfeitos com o desempenho de uma novela ou de um time de futebol. No
caso das novelas, sobretudo as do horário nobre, os ânimos se exaltam, para o
bem ou para o mal. Mas há muito tempo uma novela não causa tanta comoção e
mobilização popular quanto “Avenida Brasil”, que poderia perfeitamente se
equivaler à final de uma Copa do Mundo. E hoje, no dia de exibição do último
capítulo, além do buxixo de telespectadores por toda a parte, chovem análises
de especialistas tentando explicar o fenômeno causado pela novela.
O fato é que ninguém
sabe ao certo o porquê de uma novela fazer sucesso. Se existisse uma fórmula,
não haveria mais fracassos e tudo seria muito mais sem graça. Perderíamos a
apreensão, o frio na barriga, a surpresa e tudo seria automático e chato.
Podemos, sim, apontar aspectos que podem ter levado a esse sucesso. Os números
de audiência não foram dos mais expressivos e se equivalem às suas
antecessoras, o que nos faz crer que audiência não é repercussão. É algo mais
efêmero e interessa mais do ponto de vista comercial, mas, necessariamente, não
torna uma novela memorável.
Dizem que o sucesso
se deve ao fato de a novela ser pioneira na abordagem do universo da classe média
em detrimento da classe hegemônica, mas “Rainha da Sucata” já mostrava, há mais
de 20 anos atrás e com muito sucesso, a ascensão da classe média frente à
falência da aristocracia paulistana. Claro que em “Avenida Brasil” essa
abordagem se ampliou e esteve presente na maioria absoluta dos núcleos da
novela e gerou um forte sentimento de identificação junto ao público. Mas
acredito que a composição dos personagens foi tão boa que ultrapassou essas
barreiras sociais, gerando uma identificação geral, não só em relação aos
moradores do Divino, como também no núcleo de Cadinho (Alexandre Borges) e suas
mulheres. Aliás, os novos e diversos modelos de família mostrados pela novela
também são apontados como fator de sucesso, mas isso não é novidade: é
tendência.
E há os que dizem que
a novela não tenha inovado em nada e foi apenas uma boa novela, mas como negar
a estética cinematográfica, a câmera nervosa, a direção inspirada e a agilidade
da trama? Se, na essência, “Avenida Brasil” foi um autêntico folhetim, com
direito a trama de vingança já contada e recontada em tantos clássicos, por
outro lado, subverteu e brincou com muitos símbolos da dicotomia bem X mal,
como por exemplo, a mocinha ter características sombrias e usar roupas sempre
escuras, enquanto a vilã era feliz, alto astral e usava roupas claras o tempo
todo. Outra subversão de linguagem foi o fato dos atores falarem alto e ao
mesmo tempo, algo que aprendemos que não se deve fazer em nossas primeiras lições
de dramaturgia. Aqui, sob a batuta de Amora Mautner e José Luiz Villamarin,
esse “ruído” soava como música aos nossos ouvidos, afinal que família reunida
não fala alto e ao mesmo tempo? Elenco brilhante e texto inspirado, de olho nas
tendências e neologismos, sobretudo os nascidos na internet, são outros
aspectos que podem ser somados às inúmeras qualidades da novela.
Como nem tudo são
flores, também houve quem apontasse muitas falhas na novela (afinal somos 190
milhões de autores), como, por exemplo, o já tão falado fato de Nina (Débora
Falabella) não ter salvado em formato digital as fotos que serviriam pra
desmascarar sua inimiga e todos os desdobramentos pouco críveis que sucederam a
esse fato e fizeram com que Max e Carminha (Marcelo Novaes e Adriana Esteves)
recuperassem todas as cópias das fotos. O fato de Nina não estar presente
durante a desmoralização de Carminha perante Tufão (Murilo Benício) e sua
família também gerou frustração em muita gente, uma vez que toda a trama de
vingança fora planejada por ela e era o mote central da novela. Falando na
vingança, também foi quase imperdoável toda a hesitação de Nina em mostrar as tais
fotos para Tufão. Ora, se o desejo de vingança da moça foi maior até do que o
amor que ela sentia por Jorginho (Cauã Reymond) não poderia ser menor do que a
compaixão por Tufão. Mas o público (que não é bobo) entende que tudo isso faz
parte do jogo e era essencial para o desenrolar da trama e continuou a
percorrer essa avenida até o fim.
O fato é que “Avenida
Brasil” foi uma verdadeira fábrica de catarses. Em praticamente todos os
capítulos, havia uma discussão em tom maior, mantendo a tensão e prendendo o
espectador durante toda a novela, fazendo com que todos os capítulos fossem
imperdíveis, já que sempre tinha alguma coisa acontecendo. A novela não deu
folga para o espectador, que ficou sem fôlego durante todos esses meses e não
vê a hora de conferir o seu desfecho.
“Avenida Brasil” se
junta a “Selva de Pedra”, “Roque Santeiro”, “Vale Tudo” e algumas outras na
galeria das grandes telenovelas. Cada uma dessas novelas se destacou por um
aspecto específico. A trama de João Emanuel Carneiro será lembrada
principalmente pelo tom catártico que permeou toda a estória. Como já apontei na
primeira semana da novela, a história nada mais é do que um conto de fadas, uma
recriação da fábula da Branca de Neve que, no original, perdia tudo para a
madrasta e se resignava. Mas a Branca de Neve pós-moderna não quer só justiça.
Quer revanche. E tudo isso com muita tensão e agilidade. A catarse, que sempre
foi guardada para os momentos-chave de uma novela, em “Avenida Brasil” foi
permanente e não nos deixou respirar. Durante todos esses meses fez o Brasil
parar. “Agora que 'O Astro' acabou vamos cuidar da vida, que
o Brasil está lá fora esperando”. Essa frase de Drummond em relação à trama de
Janete Clair em 1978 pode ser perfeitamente reproduzida em 2012 para “Avenida
Brasil”.
Vitor de Oliveira
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9 comentários:
Perfeito a sua análise Vitor, desvendando um pouco sobre a novela. Não fosse esse blog sobre novela e você um dos maiores conhecedores desse gênero, sua análise dá a real dimensão do que foi, é e será a novela 'Avenida Brasil'. Gostaria muito de ter trabalhado como colaborador nela, pois além de ter um passaporte para o futuro, seria por sí só o todo em um(a), além, claro, de muito $$$$ no bolso.
Nossa Vítor, não sabia dessa frase de Drumond: “Agora que 'O Astro' acabou vamos cuidar da vida, que o Brasil está lá fora esperando”.
Isso cabe muito bem com o fim de Avenida Brasil, eu mesmo tenho inúmeros trabalhos na faculdade e darei seguimento a partir de segunda! hahahahahah
Viva a vida social!
Agora podemos!
Opa, concordo com tudo! Análise perfeita.
Avenida Brasil é um fenômeno, daquelas novela que demora pra esquecer, e pra desapegar, afinal fora meses e meses acompanhando todos os dias a trajetória desses personagens que já fizeram história. Um novelão maravilhoso que já é um marco.
embasbacado com esse texto maravilhoso!!!! sambou na Avenida!!!!
Grande análise, Vitor!!!!! Excelente texto e concordo com absolutamente tudo! Já estou com saudades da novela.
Sua análise está perfeita. Eu ouvi ontem do Arnaldo Jabor a seguinte frase que explica o fenômeno da novela: ela saiu da ficção e entrou para a realidade.
Avenida Brasil é um marco da nossa TV e acho difícil que outras tramas consigam superá-la. Nem falo em Ibope não, mas em comoção nacional. Tem pessoas que não querem dar o braço a torcer e ficam dizendo que só os críticos a amaram? Então como se explica uma cidade como SP, isso para não falar das outras, estar praticamente paralisada ontem? Os noticiários internacionais cederam suas páginas para falar de algo que, no Brasil, é ficção. Isso é magia pura. O JEC entrou para a história da nossa dramaturgia. As últimas novelas que tivemos nem de perto chegaram a esse sucesso estrondoso que vimos agora e quea aconteceu por diferentes motivos: história, direção, fotografia, enfim, foram grandes acertos!
Feliz por tudo até mesmo pelo final inusitado ou desejado por muitos. Ninguém é tão vilão ou mocinho e AB provou isso sem precisar de outros artifícios, como romances ou comédias forçadas para segurar a atenção. Uma ousadia que deu certo e que, espero eu, que tenha contaminado os próximos autores.
Perfeita digressão sobre essa verdadeira fábrica de catarses que foi Avenida Brasil.
Entre erros imperdoáveis e acertos louváveis, furos de amador e catarses de gênio, Avenida Brasil chega ao fim como a melhor novela das 9 em anos e um fenômeno absurdo de repercussão. Deixa saudades e prova que mesmo nesses tempos em que se fala de queda na audiência e crise nas telenovelas, o gênero ainda é capaz de mobilizar e parar o País. E, aliado às novas tecnologias transmídia, reflete um novo jeito de fazer e assistir a televisão.
Agora só resta desejar sorte à sua substituta Salve Jorge e esperar mais um novelão do JEC novamente daqui a uns anos.
Ótimo texto, Vítor! Avenida Brasil é um fenômeno e pudemos comprovar isso novamente em seu último capítulo, que praticamente parou o País na frente da TV. João Emanuel Carneiro provou novamente o talentoso e brilhante autor que é, e nos entregou mais uma excelente obra para acompanhar todos os dias, fielmente, durante vários meses. Assisti todos os capítulos, desde o inicio e para mim, a novela entra sim, na lista de melhores novelas de todos os tempos. Como muitos disseram, Avenida Brasil também foi a novela do twitter. muito bom acompanhar a novela vendo os comentários do público, e o diário Oi Oi Oi no Twitter. Gostei bastante do último capítulo, e de como foi conduzido. Foi emocionante o abraço de Carminha e Nina no lixão, e de como a própria Carminha se puniu, mesmo continuando com sua essência. Adriana Esteves sensacional! Avenida Brasil deixará muitas saudades! Durante a reprise de ontem, assisti novamente o final com a mesma emoção de sexta!! Parabéns João Emanuel, parabéns ao elenco, direção, parabéns a todos os envolvidos nesta produção maravilhosa e inesquecível!
Entre erros imperdoáveis e acertos louváveis, Avenida Brasil chega ao fim como a melhor novela das 9 em anos e um fenômeno absurdo de repercussão. Deixa saudades, eu também escrevi um texto no meu blog sobre esta maravilhosa novela, mais foi focado nas referencias cinematrograficas. Se der depois dá uma passadinha láhttp://tvbrazil.wordpress.com/2012/10/31/as-referencias-cinematogaficas-em-avenida-brasil/
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