sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Avenida Brasil: fábrica de catarses





Costumo dizer que todo brasileiro é um pouco técnico de futebol e autor de novela, duas paixões que, definitivamente, já fazem parte de nosso patrimônio cultural e por isso mesmo nos sentimos um pouco donos e queremos “zelar” pela qualidade de ambos, exaltando quando tudo vai bem e também reclamando com a mesma paixão quando não estamos satisfeitos com o desempenho de uma novela ou de um time de futebol. No caso das novelas, sobretudo as do horário nobre, os ânimos se exaltam, para o bem ou para o mal. Mas há muito tempo uma novela não causa tanta comoção e mobilização popular quanto “Avenida Brasil”, que poderia perfeitamente se equivaler à final de uma Copa do Mundo. E hoje, no dia de exibição do último capítulo, além do buxixo de telespectadores por toda a parte, chovem análises de especialistas tentando explicar o fenômeno causado pela novela.

O fato é que ninguém sabe ao certo o porquê de uma novela fazer sucesso. Se existisse uma fórmula, não haveria mais fracassos e tudo seria muito mais sem graça. Perderíamos a apreensão, o frio na barriga, a surpresa e tudo seria automático e chato. Podemos, sim, apontar aspectos que podem ter levado a esse sucesso. Os números de audiência não foram dos mais expressivos e se equivalem às suas antecessoras, o que nos faz crer que audiência não é repercussão. É algo mais efêmero e interessa mais do ponto de vista comercial, mas, necessariamente, não torna uma novela memorável.

Dizem que o sucesso se deve ao fato de a novela ser pioneira na abordagem do universo da classe média em detrimento da classe hegemônica, mas “Rainha da Sucata” já mostrava, há mais de 20 anos atrás e com muito sucesso, a ascensão da classe média frente à falência da aristocracia paulistana. Claro que em “Avenida Brasil” essa abordagem se ampliou e esteve presente na maioria absoluta dos núcleos da novela e gerou um forte sentimento de identificação junto ao público. Mas acredito que a composição dos personagens foi tão boa que ultrapassou essas barreiras sociais, gerando uma identificação geral, não só em relação aos moradores do Divino, como também no núcleo de Cadinho (Alexandre Borges) e suas mulheres. Aliás, os novos e diversos modelos de família mostrados pela novela também são apontados como fator de sucesso, mas isso não é novidade: é tendência.

E há os que dizem que a novela não tenha inovado em nada e foi apenas uma boa novela, mas como negar a estética cinematográfica, a câmera nervosa, a direção inspirada e a agilidade da trama? Se, na essência, “Avenida Brasil” foi um autêntico folhetim, com direito a trama de vingança já contada e recontada em tantos clássicos, por outro lado, subverteu e brincou com muitos símbolos da dicotomia bem X mal, como por exemplo, a mocinha ter características sombrias e usar roupas sempre escuras, enquanto a vilã era feliz, alto astral e usava roupas claras o tempo todo. Outra subversão de linguagem foi o fato dos atores falarem alto e ao mesmo tempo, algo que aprendemos que não se deve fazer em nossas primeiras lições de dramaturgia. Aqui, sob a batuta de Amora Mautner e José Luiz Villamarin, esse “ruído” soava como música aos nossos ouvidos, afinal que família reunida não fala alto e ao mesmo tempo? Elenco brilhante e texto inspirado, de olho nas tendências e neologismos, sobretudo os nascidos na internet, são outros aspectos que podem ser somados às inúmeras qualidades da novela.

Como nem tudo são flores, também houve quem apontasse muitas falhas na novela (afinal somos 190 milhões de autores), como, por exemplo, o já tão falado fato de Nina (Débora Falabella) não ter salvado em formato digital as fotos que serviriam pra desmascarar sua inimiga e todos os desdobramentos pouco críveis que sucederam a esse fato e fizeram com que Max e Carminha (Marcelo Novaes e Adriana Esteves) recuperassem todas as cópias das fotos. O fato de Nina não estar presente durante a desmoralização de Carminha perante Tufão (Murilo Benício) e sua família também gerou frustração em muita gente, uma vez que toda a trama de vingança fora planejada por ela e era o mote central da novela. Falando na vingança, também foi quase imperdoável toda a hesitação de Nina em mostrar as tais fotos para Tufão. Ora, se o desejo de vingança da moça foi maior até do que o amor que ela sentia por Jorginho (Cauã Reymond) não poderia ser menor do que a compaixão por Tufão. Mas o público (que não é bobo) entende que tudo isso faz parte do jogo e era essencial para o desenrolar da trama e continuou a percorrer essa avenida até o fim.

O fato é que “Avenida Brasil” foi uma verdadeira fábrica de catarses. Em praticamente todos os capítulos, havia uma discussão em tom maior, mantendo a tensão e prendendo o espectador durante toda a novela, fazendo com que todos os capítulos fossem imperdíveis, já que sempre tinha alguma coisa acontecendo. A novela não deu folga para o espectador, que ficou sem fôlego durante todos esses meses e não vê a hora de conferir o seu desfecho.

“Avenida Brasil” se junta a “Selva de Pedra”, “Roque Santeiro”, “Vale Tudo” e algumas outras na galeria das grandes telenovelas. Cada uma dessas novelas se destacou por um aspecto específico. A trama de João Emanuel Carneiro será lembrada principalmente pelo tom catártico que permeou toda a estória. Como já apontei na primeira semana da novela, a história nada mais é do que um conto de fadas, uma recriação da fábula da Branca de Neve que, no original, perdia tudo para a madrasta e se resignava. Mas a Branca de Neve pós-moderna não quer só justiça. Quer revanche. E tudo isso com muita tensão e agilidade. A catarse, que sempre foi guardada para os momentos-chave de uma novela, em “Avenida Brasil” foi permanente e não nos deixou respirar. Durante todos esses meses fez o Brasil parar. “Agora que 'O Astro' acabou vamos cuidar da vida, que o Brasil está lá fora esperando”. Essa frase de Drummond em relação à trama de Janete Clair em 1978 pode ser perfeitamente reproduzida em 2012 para “Avenida Brasil”.

Vitor de Oliveira

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A catarse





9 comentários:

Carlos Fernando disse...

Perfeito a sua análise Vitor, desvendando um pouco sobre a novela. Não fosse esse blog sobre novela e você um dos maiores conhecedores desse gênero, sua análise dá a real dimensão do que foi, é e será a novela 'Avenida Brasil'. Gostaria muito de ter trabalhado como colaborador nela, pois além de ter um passaporte para o futuro, seria por sí só o todo em um(a), além, claro, de muito $$$$ no bolso.

Fabio Dias disse...

Nossa Vítor, não sabia dessa frase de Drumond: “Agora que 'O Astro' acabou vamos cuidar da vida, que o Brasil está lá fora esperando”.

Isso cabe muito bem com o fim de Avenida Brasil, eu mesmo tenho inúmeros trabalhos na faculdade e darei seguimento a partir de segunda! hahahahahah
Viva a vida social!
Agora podemos!

Rafael Barbosa dos Santos disse...

Opa, concordo com tudo! Análise perfeita.
Avenida Brasil é um fenômeno, daquelas novela que demora pra esquecer, e pra desapegar, afinal fora meses e meses acompanhando todos os dias a trajetória desses personagens que já fizeram história. Um novelão maravilhoso que já é um marco.

Ivan disse...

embasbacado com esse texto maravilhoso!!!! sambou na Avenida!!!!

Sérgio Santos disse...

Grande análise, Vitor!!!!! Excelente texto e concordo com absolutamente tudo! Já estou com saudades da novela.

André Luís Cia disse...

Sua análise está perfeita. Eu ouvi ontem do Arnaldo Jabor a seguinte frase que explica o fenômeno da novela: ela saiu da ficção e entrou para a realidade.
Avenida Brasil é um marco da nossa TV e acho difícil que outras tramas consigam superá-la. Nem falo em Ibope não, mas em comoção nacional. Tem pessoas que não querem dar o braço a torcer e ficam dizendo que só os críticos a amaram? Então como se explica uma cidade como SP, isso para não falar das outras, estar praticamente paralisada ontem? Os noticiários internacionais cederam suas páginas para falar de algo que, no Brasil, é ficção. Isso é magia pura. O JEC entrou para a história da nossa dramaturgia. As últimas novelas que tivemos nem de perto chegaram a esse sucesso estrondoso que vimos agora e quea aconteceu por diferentes motivos: história, direção, fotografia, enfim, foram grandes acertos!
Feliz por tudo até mesmo pelo final inusitado ou desejado por muitos. Ninguém é tão vilão ou mocinho e AB provou isso sem precisar de outros artifícios, como romances ou comédias forçadas para segurar a atenção. Uma ousadia que deu certo e que, espero eu, que tenha contaminado os próximos autores.

Efe disse...

Perfeita digressão sobre essa verdadeira fábrica de catarses que foi Avenida Brasil.
Entre erros imperdoáveis e acertos louváveis, furos de amador e catarses de gênio, Avenida Brasil chega ao fim como a melhor novela das 9 em anos e um fenômeno absurdo de repercussão. Deixa saudades e prova que mesmo nesses tempos em que se fala de queda na audiência e crise nas telenovelas, o gênero ainda é capaz de mobilizar e parar o País. E, aliado às novas tecnologias transmídia, reflete um novo jeito de fazer e assistir a televisão.
Agora só resta desejar sorte à sua substituta Salve Jorge e esperar mais um novelão do JEC novamente daqui a uns anos.

Thiciane Diniz disse...

Ótimo texto, Vítor! Avenida Brasil é um fenômeno e pudemos comprovar isso novamente em seu último capítulo, que praticamente parou o País na frente da TV. João Emanuel Carneiro provou novamente o talentoso e brilhante autor que é, e nos entregou mais uma excelente obra para acompanhar todos os dias, fielmente, durante vários meses. Assisti todos os capítulos, desde o inicio e para mim, a novela entra sim, na lista de melhores novelas de todos os tempos. Como muitos disseram, Avenida Brasil também foi a novela do twitter. muito bom acompanhar a novela vendo os comentários do público, e o diário Oi Oi Oi no Twitter. Gostei bastante do último capítulo, e de como foi conduzido. Foi emocionante o abraço de Carminha e Nina no lixão, e de como a própria Carminha se puniu, mesmo continuando com sua essência. Adriana Esteves sensacional! Avenida Brasil deixará muitas saudades! Durante a reprise de ontem, assisti novamente o final com a mesma emoção de sexta!! Parabéns João Emanuel, parabéns ao elenco, direção, parabéns a todos os envolvidos nesta produção maravilhosa e inesquecível!

Nina disse...


Entre erros imperdoáveis e acertos louváveis, Avenida Brasil chega ao fim como a melhor novela das 9 em anos e um fenômeno absurdo de repercussão. Deixa saudades, eu também escrevi um texto no meu blog sobre esta maravilhosa novela, mais foi focado nas referencias cinematrograficas. Se der depois dá uma passadinha láhttp://tvbrazil.wordpress.com/2012/10/31/as-referencias-cinematogaficas-em-avenida-brasil/

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